AGRONOMIA NO CONCEITO FILOSÓFICO E TEOLÓGICO: Um breve olhar conceitual e histórico


Costuma-se dizer que a filosofia é a mãe de todas as ciências, pois marcou o momento em que a humanidade, localizada na Grécia no século VI, passou do pensamento mítico para o exercício da razão (ao menos, ao registro sistemático de um pensamento). Em Atenas, Platão funda a Academia onde ensina Matemática, Ginástica e Filosofia, e esta última era a mais alta dentre as três. Dela se derivaram as outras ciências. A Teologia, a Medicina e o Direito formavam o tripé das primeiras universidades na Europa no século XIII. Teologia é a ciência de Deus. A Filosofia lhe oferece a maiêutica (processo de perguntas e respostas para dar à luz à um novo saber) e a hermenêutica (arte de interpretar) para a interpretação da Revelação. Neste período a Filosofia é considerada serva da Teologia, por isso ela é estudada em função da Teologia. O Direito está relacionado à política e as leis que regem a sociedade. A Teologia encontra na Lei de Deus o parâmetro e herda da filosofia, igualmente, a maiêutica e a hermenêutica, associado à lógica que permite avaliar os argumentos e julgar com precisão. A Medicina, como herança de Hipócrates e como ciência empírica, também se alimenta da Filosofia, entretanto, em menor grau. Em seguida, vinham os estudos das Artes. Nas Universidades, a parte central do ensino envolvia o estudo das artes preparatórias, ou artes liberais; o trivium: gramática, retórica e lógica; e do quadrivium: aritmética, geometria, música e astronomia. Depois disso, o aluno podia realizar os estudos mais específicos.

AGRICULTURA E AGRONOMIA
A agricultura teve o seu início há cerca de 10 ou 12 mil anos na região situada entre os rios Nilo, Tigre e Eufrates, conhecida por Crescente Fértil. Entre os primeiros grãos cultivados se destacam o trigo e a cevada. A Agricultura é considerada a primeira grande revolução humana que possibilitou o nascimento das cidades e civilizações. Nesta época ainda não existia a escrita, uma vez que ela aparece apenas 4000 anos a.C. Tão antiga quanto a humanidade, a agricultura sempre fez parte de povos e culturas em todo mundo. Persas, chineses, egípcios, gregos, astecas e maias já conheciam o potencial e as características de plantios e colheitas. Mas a agronomia só surgiu como Ciência Agrária no século XVIII, quando botânicos e cientistas passaram a estudar a composição dos vegetais. Tornou-se “oficial” primeiramente na Europa, em 1848, com a fundação, na França, do Instituto Nacional Agronômico de Versailles (1848-1852).[1] A palavra agronomia vem do grego αγρός (agrós): campo + νόµος (nomos): lei. Radicalmente significa “lei do campo”. É a ciência que estuda o campo enquanto realidade produtora.
Entretanto, a palavra Agrônomo enquanto profissão remonta a Atenas (meados de 1.300 d.C.) designando o magistrado encarregado da administração da periferia agrícola da cidade. A palavra agronomia se impõe mais lentamente que o termo agrônomo.
Na história antiga há referência de alguns agrônomos chamados “agrônomos latinos”— Catão[2], Varrão[3] e Columela[4]. Destacam-se ainda, Virgílio[5] e Plínio, o velho[6]. A agricultura era reconhecida por muitos autores gregos como fonte de cidadãos sadios. Na Elíada de Homero e no Timeu de Platão ela é sinal de civilização, designando o campo, o território cultivado, a XORA, em oposição a GEA, a terra inculta, não cultivada - por extensão, não civilizada. Segundo Platão, o demiurgo, que para ele é pai e criador das coisas (Timeu, 28 e 34 b), utiliza de atividades diferentes para a construção de uma parte do corpo ou da alma do homem. A agricultura é responsável pela circulação de sangue. Este filósofo valoriza mais a profissão dos artesãos do que dos agricultores. Na sua obra intitulada Leis, os artesãos estão sob a tutela dos agrônomos que julgam e decidem quantos e quais são necessários e em que lugar residir. Isso visa à utilização do menor número possível de artesãos fazendo-os mais úteis aos cultivadores (Leis, 848 e - 849 a).[7] Em Platão a agricultura não é ciência, por isso não se fala explicitamente em agronomia. Quando se refere à educação dos agricultores não apresenta nada de especial, uma vez que este ofício se aprende com a prática, acompanhando um mais experiente trabalhador.[8]
Saindo da filosofia e do contexto europeu encontramos a prática da agricultura também em outras culturas. No apogeu de civilização inca[9], cerca de 1400, a agricultura organizada espalhou-se por todo o império, desde a Colômbia até o Chile, com o cultivo de grãos comestíveis da planície litorânea do pacífico, passando pelos altiplanos andinos e adentrando na planície amazônica oriental. Já na China acredita-se que as primeiras atividades agrárias tenham ocorrido pela plantação de arroz por volta de 7500 a.C. De novo, não encontramos uma sistematização desta prática.
Uma das festas mais famosas da humanidade, a Páscoa, tem uma relação direta com a agricultura. Dois mil anos antes de Cristo, tribos européias celebravam a nova safra na primeira lua cheia da primavera e isto significava a vida nova que chegava. Comiam pão sem fermento, pois o fermento era fabricado de um dia para o outro. A passagem para a nova safra não podia conter nada da safra antiga. Aí está uma razão pela qual até hoje se celebra a Páscoa com o pão. Este pão está presente na ceia pascal dos judeus que, por sua vez, foi assumida pelos cristãos, sendo que Cristo celebrou a Eucaristia com pão e vinho, frutos do cultivo. O vinho representa o sangue do cordeiro que quatro mil anos antes de Cristo era parte do ritual pascal dos pastores.
A Bíblia é quase toda agrária[10]. No Gênesis aparece como ordem de Deus e, ao lado do pastoreio, é a atividade dos dois filhos de Adão e Eva. Ainda, em Genesis 2 provides an alternate creation story, one in which man (sic) is created from the dust and placed in "the garden" to "till and to protect (or serve)." Gênesis 2, é apresentada uma história da criação alternativa, no qual o homem é criado a partir do pó e colocado no "jardim" para cultivar e proteger a terra.[11] É na Bíblia que encontramos, também, um princípio moderno da Agronomia que reza ser necessário a rotatividade da safras (Êxodo 23,10), onde Deus determinou que, a casa sete anos, a terra deveria descansar um ano, não devendo ser feito nenhuma plantação para que o solo pudesse recuperar-se. Jesus, no Novo Testamento, utilizou de muitas parábolas de cunho agrícola em seus ensinamentos. O Semeador e as sementes (Mc 4, 3-9, 13,3-9 Mt, Lc 8,5-8); O grão de trigo (João 12,24); As ervas daninhas no grão ou do Joio (Mt 13,24-30);  A Figueira e sua floração (Mt 24,32 ss; 13,28; Lc 21,19-31); As aves do céu (Mt 6,26; Lc 12,24); As flores do campo (Mt 6,28-30; Lc 12,27 s.); Os Sinais do Tempo (Lc 12,54-56; Mt 26,2; Mc 8,11-13).
A agronomia tem por objeto o campo e lê nele (inteligência: ler dentro – inter + legere) as informações para o cultivo de alimentação da humanidade, dos animais domésticos e, mais recentemente, para a produção de combustível e energia. A filosofia e a teologia, bem como outras ciências, se somam na história e na construção daquilo que poderíamos chamar de “identidade” da agronomia e vice-versa. 
Num mundo cada dia mais povoado, rápido e exigente cabe, às principais ciências que se referem ao jeito humano de viver, seja nas suas necessidades primárias ou nas suas características peculiares, estarem dinâmica e determinadamente unidas em prol do bem comum. Pensar sobre o papel de cada uma, a palavra de cada qual e os pontos comuns de ambas, ressalta o dom que todas são para a humanidade. Por isso, nasceu este artigo, com um breve olhar conceitual e histórico para fomentar a interdisciplinariedade e comunhão das ciências e, assim, ser mais um ponto de encontro para quem ama a ciência e o labor ao qual se dedica.




[1] Cf. Revista de Educação Agrícola Superior, Brasília, ABEAS, vol. 18. n.2, 2000. pp. 7-13.
[2] Marco Pórcio Catão. Tusculum 234 a.C. — 149 a.C., também conhecido como Catão, o Velho ou o Censor, foi um político romano. Foi cônsul de Roma em 195 a.C., e censor em 184 a.C.. Obra onde aborda o tema agrícola: De Re Rústica.
[3] Marco Terêncio Varrão. Rieti, península Itálica, 116 a.C. — 27 a.C.), filósofo e antiquário romano de expressão latina. Obra onde aborda o tema agrícola: Rerum Rusticarum.
[4] Columela. Gades, princípios da Era Cristã - Tarento, entre os anos 60 e 70 d.C.) foi um escritor agronómico romano. Obra onde aborda o tema agrícola: De Re Rústica.
[5] Públio Virgílio Marão, Andes, 70 a.C., foi um poeta romano clássico, mais conhecido por três obras principais, as Éclogas (ou Bucólicas), as Geórgicas e Eneida. Obra onde aborda o tema agrícola: Georgicon ou Georgicas.
[6] Plínio, o Velho ou Gaius Plinius Secundus (Como, 23 - Stabia, 79); escreveu Naturalis Historia, um vasto compêndio das ciências antigas distribuído em 37 livros. Obra onde aborda o tema agrícola: Naturalis Historiae.
[7] Cf. GONÇALVES. Jussemar Weiss. BIBLOS, Rio Grande, 4: 9-14,1992.
[8] MELO, Nildo Moura de. A educação que liberta no Livro VII da República de Platão: reflexão a partir da Alegoria da Caverna. 2011, p.18.
[9] Os povos da América pré-colombiana, como os Astecas e o Maias, eram os praticantes da agricultura mais primitiva que se tem conhecimento. Não usavam arados, nem enxadas e muitos menos foices, apenas as mãos e um arado de mão primitivo. Por causa disto, a sua produtividade era bem baixa e, consequentemente, eram quase todos agricultores de subsistência.
[10] Em Eclesiastes 5,8 se lê: “O interesse do país deve ser considerado no conjunto, e até o rei depende da agricultura”.
[11] MELO, Nildo Moura de. Cristianismo e ética ambiental. 2013.

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