PARAÍSO TERRESTRE: SAUDADE OU ESPERANÇA? Resumo da Obra de Frei Carlos Mesters

No presente texto apresentamos um resumo da obra PARAÍSO TERRESTRE: SAUDADE OU ESPERANÇA de Frei Carlos Mesters (Petrópolis: Vozes, 2001). Esta obra é riquíssima e oferece um panorama claro para a compreensão dos primeiros relatos bíblicos da Criação, do pecado, da origem humana.
Parte I. As dificuldades em torno do paraíso e do pecado de Adão.
Há muitas dificuldades e problemas que encontramos ao ler e ao interpretar a narrativa adâmica. Nem todas possuem o mesmo valor. Cada qual se configura de um modo diferente (p.15). A ciência questiona a bíblia, nem tanto o livro, mas as interpretações que de no decorrer da história foram sendo dadas. Ciência e Igreja dialogam, mas às vezes rispidamente. Quando há demasiada autoridade de qualquer lado, perde-se o sentido do diálogo (p.19).
“A exegese moderna coloca em questão o que antes aceitávamos” e ensina que o “livro divino foi escrito por homens, de maneira muito humana, com métodos e processos literários iguais aos que são usados para a composição de qualquer outro livro humano” (p.19). Assim, conduz-nos à pergunta pelas fontes das informações do autor de Gênesis. Isto que encontramos no livro sagrado veio da Tradição oral ininterrupta? Ou de uma revelação direta de Deus? Ou, ainda, o autor “teria recorrido ao fundo comum da cultura dos povos do Oriente Médio Antigo”? (p.21). Esta última parece mais convincente.
A Igreja muitas vezes fez uso de sua autoridade para pronunciar a respeito de “certezas” referentes a exegese bíblica. Nem sempre ajudou. Um bom caminho é o de assumir-se sempre pronto a descobrir o que o texto de fato diz, levando em conta os elementos que a ciência encontra e a tradição que em cada época trouxe alguma luz (p.22-24). Bíblia e ciência não são inimigas. O que se apresenta como adversário são idéias que não aceitam serem destronadas para que a verdade reine (p.25-26).
Parte II. A interpretação da narração bíblica sobre o paraíso e o pecado de Adão.
Quando a bíblia fala de paraíso não está interessada numa realidade passada, mas no presente. Reflete o que estava acontecendo quando o autor o compôs (p.27). Ele denuncia o mal, quer que o leitor descubra a raiz do mal, que o homem se responsabilize pelo mal, que se posicione e transforme a situação, mostra que a força de Deus é maior que a do mal e faz renascer a esperança, a coragem e a capacidade de resistir (p.28).          Certo é que o texto possui uma forma literária bem clara que não deixava dúvidas sobre o seu objetivo e qualidade (p.29). Mas nem sempre isso foi possível às diferentes épocas que o interpretaram. “As grandes linhas da narração revelam a idéia central”: Deus quis o paraíso para o homem, este é o ideal. Mas o mundo se mostra contrário. Por quê? Porque há uma ação humana que provoca os males. O homem é responsável. Mas é possível ao homem renascer para a esperança, uma vez que se apóie na força e na fidelidade de Deus (p.30-31).
Faz-se necessário dizer que a percepção dos males é muito relativa (p.32), mas a Bíblia o constata que ele existe no ambiente da convivência familiar e no ambiente da convivência social (p.32-39). A bíblia faz ver que há uma ligação entre o pecado pessoal e o problema mundial; uma consciência crítica emerge da família para fora; baseando-se na sua fé em Deus, a pessoa pode ter uma atitude inconformista com o mal que existe (p.39-40). Os males da vida não vêm de Deus, é uma condição de “castigo”. Portanto, revela a responsabilidade do castigado e a provisoriedade da pena. Passividade e revolta são inaceitáveis (p.41). É na atitude concreta e no relacionamento com Deus que se alcança a harmonia perdida. Assim, “o paraíso descreve uma situação de vida que é exatamente o oposto daquilo que o autor conhece e experimenta na vida real de cada dia” (p.43).
O paraíso é a imagem contraste da realidade: a mulher não é dominada pelo marido (Gn 2, 18;23;24); a morte já não entristece a vida (Gn 2,9;3,22); a dor se vai e permanece o amor; a terra é fértil e irrigada (Gn 2,9-10); o trabalho não é mais motivo de opressão (Gn 2,15)ç não há inimizade entre homens e animais (Gn 2,20); e o homem é intimo de Deus (Gn 3,8-11). Assim, Gênesis é uma profecia do futuro projetada no passado (p.47-49). O homem pode ser feliz como Deus sonhou. Precisa lutar contra a realidade contrastante. Isso consiste em optar por uma das duas árvores do Jardim: “ou conquistar a sabedoria, observando a lei de Deus e encontrar em Deus a vida; ou ignorar tudo isso, querer ser deus para si mesmo (cf. Gn 3,5), determinando por si mesmo e por própria pesquisa o que é bom e mau, e separar-se de Deus, encontrando a morte” (p.53).
A “narração do Gênesis 2,4-3,24 tem pouco a ver com a criação inicial do mundo e do homem” (p.55), mas sim, com “a criação da paz e da harmonia, a ser feita pela colaboração consciente do homem” (p.56). Indica que Deus fez tudo bom, mas o homem possibilitou o mal. A origem dos males da vida está em não querer assumir a vida como se deve (p.56), ou seja, na desobediência da lei de Deus (p.57). A serpente que aparece vem como símbolo da religião Cananéia dada à magia, à via fácil. É, portanto, símbolo do mal que afasta os homens de Deus. Este é o perigo, ali se encontra a origem do mal (p.58). No entanto, não é a serpente origem de todos os males, apenas indica um ponto por onde o povo deve começar a sua reconstrução do paraíso (p.60-61). Não visa tanto a entrada do mal na vida humana, mas como ele pode sair (p.63).
Não deve buscar em Adão e Eva dois personagens históricos, mas figuras condensadoras de algo que existiu: aqueles que principiaram a humanidade. Assim, eles são “um espelho que reflete criticamente a realidade presente e ajuda a descobrir o erro existente em cada um dos leitores” (p.62). O pecado original não é um fato historicamente isolado e determinador, “mas uma realidade atual e universal” presente em todas as gerações, inclusive na primeira (p.64). A nudez percebida por Adão e Eva e evocada três vezes nos textos do Gênesis  usa de um fenômeno universal – a vergonha da nudez – para acordar os leitores que a tal vergonha “está relacionada com uma falta contra Deus” (p.66). É um convite à revisão de vida e “um meio para confrontar o leitor com o mistério do mal que nele reside e que ele desconhece” (p.67). O mal leva ao pecado. O pecado torna o homem concorrente de Deus e o faz buscar a fonte da paz alhures (p.68). A partir daí, pode-se entender o castigo que advêm ao homem como apelos de Deus à conversão.
Quanto á inimizade entre a mulher e a serpente, o autor refere-se à luta da vida e da morte. A serpente é símbolo do mal, a mulher é geradora da vida – EVA. A mulher que gera os homens da fé esmagará a cabeça da serpente. Isto se prova na ressurreição de Jesus (p.72). O mal invadiu o  mundo e a bíblia o encara a partir da fé (p.73) e mostra que o pecado é realidade presente entre os homens, ninguém pode lavar as mãos, mas o Criador é quem oferece a árvore da vida (p.76).
O mal que o gênesis faz perceber é antes pessoal. Destarte, torna-se abrangente. O homem rompeu com Deus. Fruto desta ruptura é a multiplicação de males nas relações. Mas, precisa-se notar que a busca pelo paraíso persiste. A paz é missão humana e dom divino. Deus não abandonou a humanidade. É preciso caminhar com Ele (p.80-82). No meio deste caminho encontraremos a cruz fincada. “Ela é o caminho que conduz ao fim, à paz da ressurreição” (p.79). A vida de Jesus, sua entrega e ressurreição, fez com que o paraíso de novo existisse. A Igreja precisa ser instrumento para que este paraíso esteja presente na vida de toda a humanidade (p.83).
Parte III. Resposta às dificuldades sobre o paraíso e o pecado de Adão.
O homem feito de barro e a mulher formada da costela do homem quer dizer que o destino do homem está nas mãos de Deus, que a mulher tirada de sua costela quer significar a complementaridade dos dois, e o sono profundo, o segredo de Deus ao nos criar (p.84-85). Não é pecado de Adão e Eva que mudaram o jeito de viver, mas o pecado do homem e da mulher que somos (p.88-90). Se a mulher tem dores de parto é porque gerar a vida no meio de uma sociedade de faz mal é doloroso, exige esforço (p.91-93). A serpente é símbolo de toda força do mal, ou seja, ação diabólica. Deus sempre aposta no ser humano. Cabe a nós libertar-nos do pecado, não culpar a Deus que não deu outra chance ao casal primeiro (p.93-94). O pecado deles, chamado de original, é a ruptura com Deus (p.95). Pecado que é descrição “espelho” do que faz o homem interlocutor do texto sagrado (p.96-98). Não uma perca dos dons sobrenaturais e preternaturais presentes num estado anterior, mas a queda livre e responsável de todos nós (p.99-101).
As descrições do Gênesis não são um retrato final de algo histórico, mas um espelho refletor da realidade da época do escritor. Ele “tirou tudo do fundo comum da cultura dos povos do Oriente Médio Antigo” (p.102). O Paraíso não deve ser tomado como mito ou realidade, mas como uma história que acontece sempre (p.106-109). O Paraíso hoje, a imagem-contraste, é a vida plena para todos segundo as necessidades atuais de cada irmão e irmã (p.109-111). Por isso a narração do paraíso terrestre é ainda válida, mas sem trair o texto, sem querer manipulá-lo nem explicar tudo. Ele vive com a leitura da vida, por isso a vida é que deve ser o critério de interpretação (p.111-114).
Parte IV. O texto bíblico em nova versão com comentários.
Nas 24 páginas que segue, Frei Carlos Mesters faz uma tradução diretamente do hebraico, sendo fiel não só ao texto, mas também à nossa linguagem e cultura. Ele reafirma em paralelo ao texto traduzido o que explicitou nas páginas anteriores, mostrando a relação e a lógica discursiva, bem como as possíveis interpretações segundo variantes na tradução.
Parte V. Apêndice: falando do pecado original.
Há uma visão habitual e popular do pecado original que deturpa o texto do Gênesis: aquela que vê o ser humano como “produtos defeituosos” (p.141). O que gera o mal no mundo não é um defeito herdado que nos condena, mas aquela realidade de nossos pecados pessoais, quando abandonamos a Deus e o seu lugar primeiro em nossa existência (142-144). No entanto, o homem procura retomar sua fidelidade, por isso fala do ponto onde foi rompida (p.145-147). Quando fala da tentação, o autor “quer dar maior consciência aos leitores a respeito da tentação a que estão sujeitos e diante da qual estão sucumbindo, trocando, sem o saberem, o paraíso por uma vida atribulada de sofrimentos” (p.148). Existe uma solidariedade também no mal. Por isso dizemos “pecado original”. A força de Deus é que pode ajuda a humanidade a vencê-lo (p.151-153). O batismo é a novidade trazida por Cristo que nos perdoa e lava do pecado. Faz-nos pessoas novas.
Conclusão Final: um resumo, um critério, um segredo.

“A descrição do paraíso terrestre e do pecado original é uma confissão pública da própria responsabilidade e culpa diante dos males existentes no mundo”, um apelo a voltar-se a Deus e um grito de esperança (p.158). O critério é ser tocado é transformar a dura realidade em que vivemos a fim de transformá-la no possível paraíso, em união com Deus (p.159). O segredo é ler a do paraíso terrestre e do pecado original “no aprofundamento da vida que hoje vivemos e pela qual estamos ligados ao passado e ao futuro” (p.160).

Comentários

  1. Li e reli esta obra de Carlos Mesters para compreender que o paraiso terrestre representa a forma como vivemos com nós mesmos e com os outros. Pouco adianta almejarmos um paraiso futuro e no dia a dia transformamos as nossas vidas e as dos outros em verdadeiros infernos.O paraiso deve começar a ser vivido no dia a dia usando-se como base os os dois primeiros mandamentos.

    ResponderExcluir
  2. https://www.youtube.com/watch?v=N3YHP_n7DvU&fbclid=IwAR2I4S2Znkbo9Z2XwC0PFR8DDNQ3XbG1CdWsQU5H1VLWpkmAiITFEpm52Uc

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Dinâmica sobre Vocações

Dinâmica da Flor de Papel (recolhida pelo autor)

Dinâmica de Semana Santa para Grupos de Jovens