Ser Padre com a Ternura de Jesus Cristo
Foram doze anos de
preparação. No momento oportuno, a Igreja acolheu meu pedido para ser ordenado Presbítero.
Como característica específica ao assumir este ministério, escolhi o lema: “Com a ternura de Jesus Cristo”. A
frase é de São Paulo. Ele declara que os irmãos da comunidade de Filipos estão
no seu coração: "Deus é testemunha de que eu quero bem a todos vocês com a ternura de Jesus Cristo" (Fl 1, 8b). Que coisa bela! O
Apóstolo quer a comunidade com uma característica tão particular de Jesus, a
ternura. E “a ternura de Jesus revela o que de mais humano existe em
Deus e o que de mais divino existe no homem”.[1]
Vou lhes contar algo de minha história. Entrei na escola com
seis anos de idade. Foi um ano bonito, mas difícil. No decorrer dele, tive um
furúnculo na mão (chamávamos de tumor) que não veio a furo, e precisei
ser submetido à uma dolorosa cirurgia. Meu irmão e minha mãe estavam naquela
sala. Por causa deste procedimento, faltei à algumas aulas. Mas não foi esse o motivo
de minha reprovação. Reprovei na primeira série porque não estava preparado
para as categorias que a escola ensinava. Lembro-me que foi bem ruim ter
reprovado, lembro-me da sensação de não ter conseguido. Eu perdia e era
consciente da perda pela primeira vez. Minha família, no entanto, me disse:
“não tem problema, estuda de novo no outro ano e vai conseguir passar!”. Não me
julgaram, não me culparam e esqueceram aquilo. E foi assim que eu descobri a
ternura de Deus. Em minha família, diante de uma reprovação, de um insucesso, Deus
me amou gratuitamente
e sem punição no amor humano de quem estava comigo.
Minha família diz que foi antes, mas
eu me lembro de querer ser padre aos seis anos, neste mesmo primeiro ano
escolar. Hoje eu quero ser padre, e com a ternura de Jesus Cristo, porque foi
ela que sempre me acompanhou, desde as mais remotas lembranças que tenho da
infância. Foi esta ternura que me sustentou em todos os insucessos da vida, em
todos os “furúnculos” que tive, quando não consegui viver o que tinha me proposto. Pensava que nunca iria compreender aquela reprovação, mas hoje eu a
signifiquei e entendi a grande lição que ali recebia: não terei sucesso em
muitas coisas, mas não desistirei por isso; e serei um padre
como minha família e minha comunidade foram para mim: compreensiva, perdoadora,
animadora, carinhosa e paciente, em outras palavras, terna.
A ternura é “a força do amor humilde” [2]. É um amor próximo
e carinhoso. Ternura vem do Latim teneritia e “remete ao afeto interior
vivido com participação viva, afetuosa e dinâmica; implica uma atitude que
orienta a sair do eu para encontrar-se com o tu, tendendo para ele, em uma
relação real de dedicação e reciprocidade. Mas ternura não significa concessão à
natureza humana. Ternura não é fraqueza; é força, sinal de maturidade e
vigor interior, e desabrocha somente em um coração livre, capaz de ofertar e
receber amor”[3].
Quero ser
padre com a ternura de Jesus Cristo! A Mãe Igreja ama assim, com a
ternura do Senhor. Esse foi o testemunho do nosso querido São Francisco de
Sales que a exprimia nas categorias de docilidade[4],
gentileza[5], mansidão[6]
e suavidade[7].
E é assim também que hoje nos desafia o Papa Francisco: “peço-vos que sejais pastores com
a ternura de Deus, que deixeis o ‘chicote’ pendurado na Sacristia e que
sejais pastores com ternura,
inclusive para com aqueles que vos criam problemas. (...) ‘tratai os mais pequeninos
com ternura, com a mesma ternura com a qual Eu os trato!’. É isto que nos diz
hoje o Coração de Jesus Cristo”.[8]
Preferindo os não
preferidos e lutando pela paz, este santo homem nos convida a revolucionar com
a ternura “porque dela vem a justiça”[9]. E instituiu um ano de
Misericórdia tendo como o caminho a ternura, o mesmo de Cristo que “na sua
encarnação convidou-nos à revolução da ternura” (EG, n. 88). Esse convite
chegou forte ao meu coração. O pouco que puder fazer, será feito na ternura.
Peço essa graça ao Senhor. Peço-a em gratidão a tudo.
Diz o Salmo 144, 9: “O Senhor é muito
bom para com todos, sua ternura abraça toda criatura”[10]. Então assim também deve ser quem se propõe a ser seu
ministro, ser bom e abraçar a toda criatura com a ternura do seu Senhor. Como
um bom pastor que traz “o cheiro das ovelhas” (EG, n.24), precisamos
“entrar em contato com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da
ternura” (EG, n.270). Ser padre com a ternura de Jesus Cristo é reger com
humildade, ensinar com suavidade e santificar com firme docilidade, feito um
poeta de Deus que canta a esperança e a misericórdia enquanto marcha com o
povo.[11] Fraco como sou, buscarei na ternura de Jesus Cristo a minha
força.
Falar de ternura também é
olhar carinhosamente para o exemplo de Maria, nossa mãe Eucarística, pois ela
“é aquela que sabe transformar um curral de animais na casa de Jesus com uns
pobres paninhos e uma montanha de
ternura” (EG, n.286). “Sempre que olhamos para Maria, voltamos a acreditar
na força revolucionária da ternura e do afeto” (EG, n.288). “N’Ela, vemos que a
humildade e a ternura não são virtudes dos fracos, mas dos fortes, que não
precisam de maltratar os outros para se sentir importantes” (Idem). São José
também tinha tal característica. Dele emanava “uma grande ternura, própria não de quem é fraco, mas de quem é verdadeiramente
forte, atento à realidade para amar e servir humildemente” (LS, n.242).
Sou consciente que a Cruz será o motivo único para me
gloriar (Gl 6, 14) e que “o triunfo cristão é sempre uma cruz, mas cruz que é,
simultaneamente, estandarte de vitória, que se empunha com ternura batalhadora contra as investidas do mal” (EG, n.85). Sim, o amor que sinto por Deus e pelas
pessoas será manifesto na ternura, mesmo na cruz. Escolhi ser padre com a ternura de Jesus Cristo por
acreditar ser esta a minha particular contribuição na construção do Reino de
Deus. Não é muito, porque eu não tenho condições de dar muito, mas é um pouco
repleto de amor. E se conseguir ajudar uma só pessoa a viver
melhor, isso já justificará o dom da minha vida (EG, n.274)[12] e
de minha vocação. Eu quero ajudar! Eu quero “testemunhar o Evangelho da graça
de Deus” (At 20, 24b)[13], quero ajudar
o mundo a ser melhor, quero cuidar das pessoas, celebrar, perdoar, abençoar, levar
a Palavra de Deus, repartir o Pão da Vida Eterna, ter todos em meu coração e querer bem a todos com a ternura de Jesus Cristo! Sim, eu
quero e buscarei ser Padre com a ternura
de Jesus Cristo, pois antes que eu imaginasse esse caminho, a ternura Dele
já me envolvia e tecia em minhas entranhas um modo de ser oblação!
Padre Nildo Moura de Melo, OSFS
Oblato de São
Francisco de Sales
[1] ROCCHETTA,
C. Teologia da Ternura – um Evangelho a descobrir. São Paulo: Paulus, 2002.
[2] Idem.
[3] Ibidem.
[4] “Se atraem mais moscas com uma
gosta de mel do que com um barril de vinagre” (São Francisco de Sales).
[5] “Não há nada tão forte como a
gentileza, e nada tão gentil quanto a verdadeira força” (São Francisco de
Sales).
[6] “A humilde mansidão é a virtude das virtudes que Deus tanto
nos recomendou” (São Francisco de Sales).
[7] “A doçura é a flor da caridade, o
verdadeiro espírito dos Cristãos” (São Francisco de Sales).
[8] PAPA FRANCISCO. Homilia na Missa
do III Retiro Mundial de Sacerdotes.
[9] “Continuarei
dizendo que hoje a revolução é a da ternura porque dela vem a justiça. A revolução
da ternura deve ser cultivada como fruto deste Ano da Misericórdia” (PAPA
FRANCISCO. Entrevista ao Jornal Credere,
em 02/12/2015).
[10]
“Inflama-se
a ternura de Deus, esta ternura ardente: Ele é o Único capaz de ter uma ternura
ardorosa” (PAPA FRANCISCO. Homilia na Missa do III Retiro Mundial de
Sacerdotes).
[11] “Não pode ser autêntico um
sentimento de união íntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo
não houver no coração ternura,
compaixão e preocupação pelos seres humanos” (LS, n.91).
[12] Lema de Ordenação Diaconal.
[13] Lema de Consagração Perpétua.
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