FRANCISCO DE SALES, HOMEM DE SEU TEMPO: luzes e caminhos para a vida cristã de hoje - Espiritualidade Salesiana


Francisco de Sales viveu numa época de mudanças.    Incertezas e radicalidades polarizavam o comportamento da sociedade e da Igreja. Os séculos XVI e XVII (tempo de Francisco) marcaram a primeira fase da Modernidade, inaugurada por quatro movimentos: Renascimento, Protestantismo, Descobrimentos e Centralização Política no soberano do Estado (FRANCO, 2001, p.171). Tudo isso gerava uma nova visão do homem sobre o universo, sobre a sociedade, sobre o Divino e sobre si mesmo. Os paradigmas mudavam. A Igreja enfrentava uma forte crise e, como se pode imaginar, para o cristão que quisesse seguir uma vida conforme o Evangelho exigia-se um bom discernimento e heroica fidelidade.
Sales viveu numa época de mudanças.
Francisco se destaca porque traz, em meio a todas essas mudanças, uma proposta simples e acessível a todos: o equilíbrio e a liberdade[1]. O bispo de Genebra indicará que TUDO seja feito POR AMOR (Carta à SJC, 14/10/1604), o ponto de equilíbrio indubitável, e NADA À FORÇA, ou seja, com plena liberdade[2]. Quer que em tudo se siga a caridade, rainha das virtudes (Fil, III, I). Mas o que é a caridade? Sua resposta vem numa linguagem atraente: é uma amizade com Deus[3]. Nesta amizade não há domínio, nem excessos ou carências, mas uma força que abala os muros (LAJEUNIE, p.156).
Francisco de Sales não fugiu das particularidades de seu tempo. Frente ao Renascimento, que trazia um novo Humanismo, afirmou: “O homem é a perfeição do universo(TAD, X, I) e todas as atitudes de Francisco para com seus semelhantes faziam jus à sua afirmação. Quando pregava levava a entender que a nova compreensão de homem não excluía Deus, pois “Deus é o Deus do coração humano” (TAD, I, XV). Diante do Protestantismo, principalmente Calvinista, buscou diálogo de paz, promoveu a reforma da Igreja como propunha o Concílio de Trento, e apostou no testemunho próprio, doando-se como “outro Cristo na terra”. Importou-se com notícias que vinham dos Descobrimentos[4] para onde desejou enviar missionários, consciente de que o mundo estava além de sua Annecy. Foi sempre um homem político e esteve “encarregado de missões diplomáticas em nível europeu, e de tarefas sociais de mediação e reconciliação” (BENTO XVI).
Não parou por ai. Foi protagonista na Imprensa, com a confecção e produção de materiais para os seus destinatários. Escreveu livros numa linguagem atualizada a seus contemporâneos. Promoveu em sua diocese eventos que iam de encontro à piedade popular[5]. Ousou criar uma língua de sinais para Martinho, seu amigo surdo. Saiu às ruas com as Visitandinas para socorrer os pobres e os doentes. Protagonizou uma catequese atraente e compreensiva. Testemunhou a pobreza evangélica e teve laços fortes de afeto com seus colaboradores. Tomou a santidade pela mão e a conduziu à “corte dos príncipes, dos exércitos, à tenda do operário, ao lar das pessoas casadas” (Fil, I, III), até mim e até você.
Nosso santo foi um homem com os pés no chão. Falou magnificamente do amor divino sem desumanizar em nada o caminho de quem ama a Deus. Se ele errou em alguma ocasião, pouco importa. Seu amor brilha mais. Santo não é aquele que acerta sempre, mas que busca a perfeição na correção das imperfeições (IVD, I, V). A ousadia do bispo de Genebra nos impele a pensar, urgentemente, um modo de ser fieis a espírito que ele nos transmitiu.
O que vamos fazer? Dar desculpas? “Ah, mas... este é um tempo nunca visto” – o de Francisco também foi. “Mas é difícil” – pense no que ele enfrentou. “Tá, mas... nossa política é vergonhosa, a Igreja tem tantas coisas incompreensíveis, o mundo cada dia mais parece uma aldeia global onde se instrumentaliza o outro, o ser humano não se vê como criatura de Deus” – até aqui nenhuma novidade em relação à época de Francisco. Vejam amigos/as, a solução é assumir o espirito criativo, corajoso, despojado, apaixonado, equilibrado e livre de São Francisco de Sales. Equilíbrio e liberdade são receitas que faltam aos dias de hoje. Testemunho de compaixão pelos que sofrem, ainda mais! E a tudo isso nossa espiritualidade nos convoca e nos capacita, basta descruzarmos os braços.
Francisco cria que se alguém assumisse o amor de Deus por si mesmo amaria o outro sem prender-se a condições. Sim, envolvamo-nos por esta mística “humana demais” que Francisco se deixou envolver! Pessoas desapaixonadas por Deus e pelo outro jamais serão salesianas, quem dera compassivas, equilibradas e livres. Experiências de amor é o que o mundo precisa. Amor do jeito de Francisco: concreto, direto, urgente, pronto, simples, sem medo do mundo, apaixonado, forte, disposto a morrer se preciso for (TAD, XII, XII). Deus continua apostando nas mesmas “ferramentas” da época de Francisco: as pessoas. Para ser mais direto: você e eu – nós que aqui estamos. Você e eu somos o caminho e a luz para o mundo, nossas comunidades o são. A razão? É porque somos chamados, como Francisco de Sales, a ser “outro/a” Cristo, o verdadeiro caminho e a verdadeira luz do mundo (Jo 14, 6; 8,12).




[1] Desde Aristóteles se convencionou afirmar que as virtudes estão no equilíbrio, numa justa proporção entre dois excessos (EE, 1107a, 1). Por exemplo: a mansidão é uma virtude por ser o equilíbrio entre a ira e a impassibilidade, a justiça entre o lucro e a perda, a amabilidade entre a hostilidade e a adulação.
[2] Liberdade, a virtude dos que se encontram entre a prodigalidade (desperdício - libertinagem) e a avareza (apego às riquezas - escravidão).
[3] “Deus nos escolheu como seus amigos confidentes” (TAD, II, XXII).
[4] Povos, canibais, canários, negros, brasileiros, das Molucas e do Japão (LAJEUNIE, p. 196).
[5] As quarenta horas são um exemplo disso, realizadas ainda quando era missionário no Chablais. Consistia em quarenta horas ininterruptas de oração em uma igreja, contando também com pregação. Podemos citar ainda: procissões, oração do rosário, peregrinações, Ofício das Horas, Santa Missa.

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