FRANCISCO DE SALES, HOMEM DE SEU TEMPO: luzes e caminhos para a vida cristã de hoje - Espiritualidade Salesiana

Francisco se destaca porque traz,
em meio a todas essas mudanças, uma proposta simples e acessível a todos: o
equilíbrio e a liberdade[1]. O bispo de Genebra
indicará que TUDO seja feito POR AMOR (Carta à SJC, 14/10/1604), o ponto de
equilíbrio indubitável, e NADA À FORÇA, ou seja, com plena liberdade[2]. Quer
que em tudo se siga a caridade, rainha das virtudes (Fil, III, I). Mas o que é
a caridade? Sua resposta vem numa linguagem atraente: é uma amizade com Deus[3]. Nesta
amizade não há domínio, nem excessos ou carências, mas uma força que abala os
muros (LAJEUNIE, p.156).
Francisco de Sales não fugiu das particularidades de seu
tempo. Frente ao Renascimento, que trazia um novo Humanismo, afirmou: “O homem é a perfeição do universo” (TAD, X, I)
e todas as atitudes de Francisco para com seus semelhantes faziam jus à sua
afirmação. Quando pregava levava a entender que a nova compreensão de homem não
excluía Deus, pois “Deus é o Deus do coração humano” (TAD, I, XV). Diante do Protestantismo,
principalmente Calvinista, buscou diálogo de paz, promoveu a reforma da Igreja
como propunha o Concílio de Trento, e apostou no testemunho próprio, doando-se
como “outro Cristo na terra”. Importou-se com notícias que vinham dos
Descobrimentos[4]
para onde desejou enviar missionários, consciente de que o mundo estava além de
sua Annecy. Foi sempre um homem político e esteve “encarregado de missões
diplomáticas em nível europeu, e de tarefas sociais de mediação e reconciliação”
(BENTO XVI).
Não parou por ai. Foi
protagonista na Imprensa, com a confecção e produção de materiais para os seus
destinatários. Escreveu livros numa linguagem atualizada a seus contemporâneos.
Promoveu em sua diocese eventos que iam de encontro à piedade popular[5]. Ousou
criar uma língua de sinais para Martinho, seu amigo surdo. Saiu às ruas com as
Visitandinas para socorrer os pobres e os doentes. Protagonizou uma catequese
atraente e compreensiva. Testemunhou a pobreza evangélica e teve laços fortes
de afeto com seus colaboradores. Tomou a santidade pela mão e a conduziu à
“corte dos príncipes, dos exércitos, à tenda do operário, ao lar das pessoas casadas” (Fil, I, III), até mim
e até você.
Nosso santo foi um homem com os pés no chão. Falou
magnificamente do amor divino sem desumanizar em nada o caminho de quem ama a
Deus. Se ele errou em alguma ocasião, pouco importa. Seu amor brilha mais.
Santo não é aquele que acerta sempre, mas que busca a perfeição na correção das
imperfeições (IVD, I, V). A ousadia do bispo de Genebra nos impele a
pensar, urgentemente, um modo de ser fieis a espírito que ele nos transmitiu.
O que vamos fazer? Dar desculpas?
“Ah, mas... este é um tempo nunca visto” – o de Francisco também foi. “Mas é
difícil” – pense no que ele enfrentou. “Tá, mas... nossa política é vergonhosa,
a Igreja tem tantas coisas incompreensíveis, o mundo cada dia mais parece uma
aldeia global onde se instrumentaliza o outro, o ser humano não se vê como
criatura de Deus” – até aqui nenhuma novidade em relação à época de Francisco.
Vejam amigos/as, a solução é assumir o espirito criativo, corajoso, despojado, apaixonado,
equilibrado e livre de São Francisco de Sales. Equilíbrio e liberdade são
receitas que faltam aos dias de hoje. Testemunho de compaixão pelos que sofrem,
ainda mais! E a tudo isso nossa espiritualidade nos convoca e nos capacita,
basta descruzarmos os braços.
Francisco cria que se alguém
assumisse o amor de Deus por si mesmo amaria o outro sem prender-se a
condições. Sim, envolvamo-nos por esta mística “humana demais” que Francisco se
deixou envolver! Pessoas desapaixonadas por Deus e pelo outro jamais serão
salesianas, quem dera compassivas, equilibradas e livres. Experiências de amor
é o que o mundo precisa. Amor do jeito de Francisco: concreto, direto, urgente,
pronto, simples, sem medo do mundo, apaixonado, forte, disposto a morrer se
preciso for (TAD, XII, XII). Deus continua apostando nas mesmas “ferramentas”
da época de Francisco: as pessoas. Para ser mais direto: você e eu – nós que
aqui estamos.
Você e eu somos o caminho e a luz para o mundo, nossas comunidades o são. A
razão? É porque somos chamados, como Francisco de Sales, a ser “outro/a” Cristo,
o verdadeiro caminho e a verdadeira luz do mundo (Jo 14, 6; 8,12).
[1]
Desde Aristóteles se convencionou afirmar que as virtudes estão no equilíbrio, numa justa proporção
entre dois excessos (EE,
1107a, 1). Por exemplo: a mansidão é uma virtude por ser o equilíbrio
entre a ira e a impassibilidade, a justiça entre o lucro e a perda, a
amabilidade entre a hostilidade e a adulação.
[2]
Liberdade, a virtude dos que se encontram entre a prodigalidade (desperdício -
libertinagem) e a avareza (apego às riquezas - escravidão).
[3]
“Deus nos escolheu como seus amigos confidentes” (TAD, II, XXII).
[4] Povos,
canibais, canários, negros, brasileiros, das Molucas e do Japão (LAJEUNIE, p.
196).
[5]
As quarenta horas são um exemplo disso, realizadas ainda quando era missionário
no Chablais. Consistia em quarenta horas ininterruptas de oração em uma igreja,
contando também com pregação. Podemos citar ainda: procissões, oração do
rosário, peregrinações, Ofício das Horas, Santa Missa.
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