A Devoção Mariana no Brasil
INTRODUÇÃO
Desde
o século III a história do cristianismo dá destaque à Maria como modelo de vida
cristã. O Concílio de Éfeso em 431 declarou o dogma de “Mãe de Deus”. Ela é
intercessora e imagem concreta da esperança cristã. Junto do Filho está sempre
a Mãe. É uma intuição mais popular que oficial, pois a figura da mãe toca
profundamente a existência humana, razão pela qual Maria muitas vezes antecipa e
comunica o Evangelho do Filho na história da humanidade.
No
presente artigo abordaremos a história da devoção mariana no Brasil.
Começaremos pelos chamados descobridores portugueses que trouxeram esta devoção
ao Brasil, depois abordaremos a devoção nos povos nativos e nos negros
escravizados. No segundo capítulo queremos estudar alguns títulos da Mãe de
Deus e os cultos respectivos, a saber, Nossa Senhora da Imaculada Conceição,
Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora do Círio de Nazaré, Iemanjá, Nossa
Senhora Aparecida e as devoções marianas que chegam ao Brasil nos séculos XIX e
XX. Por fim, discorreremos sobre a libertação que vem pelas mãos de Maria, ou
seja, a incidência social-politico-religiosa das devoções, perguntando-se por
que Maria é sinal de libertação para os povos brasileiros?, o que a devoção mariana
no Brasil tem a contribuir no momento social-político-religioso atual?, e quais
os desafios de uma teologia e uma pastoral mariana na atualidade brasileira?.
Desejamos
apresentar este estudo breve, conscientes de que haveria muito mais a se dizer,
no intuito de entender não só a devoção mariana no Brasil, mas o catolicismo
histórico brasileiro, uma vez que este não é compreensível sem a figura
mariana. A bibliografia que segue mostra a riqueza deste tema e a vastidão de
conteúdo a ser aprofundado.
A
história da devoção mariana no Brasil é tecida por fé, beleza, dor, esperança,
fantasia, interesses, sincretismo, rivalidades, parcerias, sonhos e muitas
outras coisas que poderíamos citar. São vários os sujeitos, as situações, os
anseios. Sobretudo é uma história humana matizada pelo ideal divino da Mãe, que
está muito presente no cultural brasileiro.
O
Brasil foi colonizado pelos portugueses que chegaram pela primeira vez em 22 de
abril de 1500, liderados por Pedro Álvares Cabral. Ele “trazia na armada duas
imagens da Virgem: um quadro de Nossa Senhora da Piedade, perante o qual era
celebrada diariamente a Missa, e um outro de Nossa Senhora da Esperança” (BOFF,
1995, p.12). Assim, a devoção mariana chegava ao Brasil e a nova terra era
batizada pelos portugueses com o nome cristão de Ilha de Vera Cruz.
Maria
sempre foi um referencial na fé cristã portuguesa, tanto que a nação era
denominada popularmente “Terra de Santa Maria” (COSTA, 2004, p.176). Dom Afonso
Henriques, fundador da dinastia portuguesa (1139), consagrou Portugal, bem como
seus sucessores e súditos, à Mãe de Deus, em 1142. Muitas Igrejas foram
erigidas naquele país por causa de conquistas atribuídas à Maria. Assim ocorreu
por conta de D. João I, o Grande, que “dedicou a Santa Maria da Batalha um
santuário com mosteiro anexo em ação de graças pela vitória sobre o domínio de
Castela, em Aljubarrota, em 14 de agosto de 1385” (BOFF, 1995, p.10).
Igualmente decretou que todas as catedrais fossem dedicadas a Assunta por causa
de tal vitória.
O
Infante D. Henrique, filho de D. João I, “erigiu a capela de Nossa Senhora de
Belém, diante de cuja imagem os navegadores Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral
e tantos outros se ajoelharam antes de enfrentarem os perigos do mar” (BOFF,
1995, p.10). No século XVII D. Manuel substituiu o monumental Mosteiro de S.
Jerônimo dedicando-o à Virgem pela descoberta do “Caminho das Índias” (BOFF,
1995, p.10). Quando Portugal restaura sua independência dos espanhóis, D. João
IV ratifica o patronato da Virgem da Conceição sobre todos os reinos de
Portugal. D. João V elevará o culto da Virgem a um esplendor dantes nunca
visto.
E
por ocasião da colonização, não fizeram diferente. Tomaram Maria como patrona.
Os lugares onde chegavam geralmente eram batizados com um nome em referência a
ela. As igrejas recebiam, muitas vezes, um nome mariano. Temos como exemplo a
Mesquita de Ceuta conquistada em 1415. Nela foi introduzida a imagem da Virgem
da Assunção, dita Nossa Senhora Conquistadora. Todas as vitórias dos
portugueses contra os mouros e negros foram atribuídas às intervenções de Maria
(BOFF, 2006, p.180). Ela era mais que intercessora para os portugueses, era uma
combatente ao lado deles.
Do
outro lado da Colonização na América tal devoção alcançava os mesmos patamares.
Cristovão Colombo, espanhol, chamado de “descobridor da América” tinha enorme
devoção à Virgem. Fazia os navegadores rezarem a ela nas expedições. Ao descer
à nova terra fez trazer um estandarte com as efígies de Jesus e Maria, deu nome
a segunda ilha que aportou, Bahamas, de Concepción
e sua nave capitânia se chamava Santa Maria. Na segunda viagem, em 1494,
construiu em Santo Domingo a primeira igreja da América Latina, dedicando-a a
Cristo e à Virgem Maria (BOFF, 2006, p.219-220).

Eis
porque no início da Evangelização da América e do Brasil a figura de Maria
encontrou dificuldades. A Conquistadora não era aceita e nem poderia. Assim, os
indígenas, muitas vezes, a consideravam como uma outra deusa, sendo que quando
se deram conta do que estava ocorrendo (a conquista e colonização), entenderam
aquilo como uma luta de deuses. Como Maria estava em quase todos os estandartes
dos estrangeiros, não era difícil identifica-la como deusa inimiga. Um fato
ilustrativo é o assassinato dos padres Roque Gonzáles
e Afonso Rodrigues em Caaró por um grupo de nativos liderados pelo pajé cacique Nheçu, um líder guarani que possuía
autoridade máxima na região do atual município de Roque Gonzales, Rio Grande do Sul, e
redondezas. A imagem que ele levava foi encontrada rasgada ao meio, sinal da
antipatia indígena à imagem (GONZALES, 1992, p.40-41).
Certo é que a devoção à Maria na América Latina e no Brasil “possui
uma longa história que se inicia com a Mãe dos conquistadores europeus e chega
até à Senhora dos índios em Guadalupe e à Senhora Aparecida dos negros no
Brasil” (GONÇALVES, 1998, p.279). Percebemos que nos países de conquista
espanhola e escravidão indígena a relação dos nativos com Maria ganhou
perspectiva maior. O grande ícone é a imagem de Guadalupe que se estampou na
tilma do índio Juan Diego (1531). No Brasil foi com a cultura negra que isso
ocorreu, uma vez que a imagem de Aparecida, a Mãe dos brasileiros, é negra. Em
ambos os casos passou-se “de um modelo de imposição cultural a um modelo de
inculturação da mensagem salvífica” (GONÇALVES, 1998, p.279).
É preciso dizer que a Virgem de Aparecida também tem traços
indígenas e não está em oposição ou contradição coma Virgem de Guadalupe:
Pode-se afirmar com séria base
histórica que a tradição de Nossa Senhora Aparecida representa no Brasil a
tradição latino-americana de Nossa Senhora de Guadalupe, largamente difundida
no Brasil no período da união das coroas espanhola e portuguesa, entre 1580 e
1640 (HAUCK,
1989, p.13).
Há que se destacar que Aparecida é
uma imagem surgida das águas, assim como a vida dos povos nativos e de suas
deusas lendariamente provém da água, como recorda a pesquisadora Lucy Penna
(2010): “os índios Carajás, do rio Araguaia, têm
o mesmo mito. Antes de serem homens eram peixes, o aruanã”.
Os
europeus não se contentaram com a tentativa de escravização indígena. Seus
interesses capitalistas eram exigentes. Procuraram para além do oceano mão de
obra escrava resistente, uma vez que os indígenas nem sempre correspondiam às
suas expectativas. O tráfico negreiro na América Latina chega a seu auge entre
1700 a 1760. Dos seis milhões de negros traficados, 31% tinham como destino o
Brasil. Hoornaert (1977, p. 258) afirma que a escravização negra no Brasil era
funcional. O sistema colonial não subsistiria sem o tráfico negreiro, bem como,
a vida social brasileira é incompreensível sem levar em conta as relações
sociais e econômicas senhor/escravo.
O
tráfico de pessoas negras sustentava os negócios da coroa portuguesa e,
suscitou na Inglaterra, a ânsia de aumentar sua fonte de renda. Assim, o
monopólio português perde espaço e a Inglaterra consolida-se em 1713, como nova
potência marítima no negócio da escravização. Os negros tinham seus deuses e
crenças na África, mas agora são subjulgados a crerem no Deus cristão e a serem
devotos de sua mãe branca. Há resistência, primeiramente, depois vem o
sincretismo que consistiu no disfarce que os escravos precisavam usar: “eles
invocavam as suas divindades sob o nome de santos católicos e dançavam suas
danças sagradas como se fossem formas de diversão. Dessa maneira, fingiam
abraçar a proposta cristã, porém, no íntimo, continuavam religiosamente
africanos” (BOFF, 1995, p.51).
Essa
é a raiz do que também se chama de hibridismo cutural-religioso. Maria se torna
a Iemanjá dos africanos (BOFF, 2006,
p.568). Desse hibridismo vão beber também os brancos. A “experiência religiosa
brasileira mostra que os ritos africanos e católicos acabavam se mesclando,
sendo um locus de sobrevivência para
os povos subjugados” (ARAGÃO, 2013, p.4). Destaca Aragão (2013, p.5-6) que os
santos católicos caiam no gosto dos negros por dois quesitos: a cor de pele e o
martírio, a cor de pele os irmanava com a África e o martírio com o sofrimento
no Brasil[2]. A
Virgem Maria aparecerá como negra brasileira apenas em 1717 com a imagem da
Imaculada Conceição Aparecida. Ela é venerada de modo carinhoso e com uma
adesão impressionante, mas também de modo híbrido:
Em algumas cidades brasileiras, as devoções a Santa
Ifigênia e São Elesbão se confundem com a adoração a Nossa Senhora do Rosário,
que foi amplamente difundida dentro das irmandades de homens pretos no Brasil
colonial. Nas festas promovidas pelas irmandades dos homens leigos e de cor,
junto aos ritos de culto católico a Virgem do Rosário, vislumbrasse elementos
na festa vinculados à cultura hibrida religiosa, com distribuição de comida,
danças e tambores (ARAGÃO, 2013, p.8).
Com Nossa
Senhora Aparecida outro capítulo se inicia na devoção mariana brasileira. Ele
surge negra, seu primeiro milagre é a libertação das algemas de um negro
escravizado. Marca um novo momento para a cultura católica neste chão. Aponta
para a identidade deste povo formado pela cultura portuguesa, indígena e africana;
por isso se diz que “o povo brasileiro não é apenas latino; é, mais
precisamente, índio-afro-latino” (BOFF, 1995, p.7) e mariano.
A
piedade popular mariana é um fenômeno dinâmico e atual. Entendemos este termo
nas vias que apresenta Clodovis Boff (2006, p.550-559): uma piedade que é de
todo o povo, que é dos pobres, e não-oficial; caracterizada pelo sentimento,
pela exuberância, pela expressividade, pela vitalidade e pelo caráter
maravilhoso. Os títulos da Mãe de Deus nascem de acordo com a experiência do
povo com ela. Por isso, tem características muito singulares a partir do
contexto, da cultura e da geografia onde nascem as devoções. Na América Latina
e Caribe, de modo geral, desenvolveu-se um curso próprio de tal piedade, em
confronto com a Europa (BOFF, 2006, p.565). O Brasil não demorou a ter seu modo
particular de venerar a Mãe de Deus, caracterizando-a pelos títulos e modo de
homenageá-los.
2.1 Primeiros títulos e
as ideologias presentes
A
devoção à Virgem Maria “chega ao Brasil, na bagagem dos missionários, como mecanismo
a ser utilizado na evangelização dos povos indígenas e dos próprios negros” (ARGELOZZI,
1997, p. 33). Como já mencionamos, eles traziam imagens. As imagens sempre
foram usadas pelo cristianismo católico como o evangelho dos iletrados. Carlos
Alberto Steil (2001, p.21-22) é da opinião de que a
devoção de imagens é central para
o catolicismo tradicional. São na verdade, o lugar onde o invisível se torna
acessível e palpável. Da mesma forma como os corpos humanos são depositários
das almas invisíveis, as imagens são os corpos dos santos. Através das imagens
se estabelece uma comunicação entre os vivos e os mortos. Fundado no dogma da
comunhão dos santos, esse modelo de catolicismo cria uma cosmologia em que as
fronteiras entre a vida e a morte são continuamente ultrapassadas sem
necessariamente a mediação de agentes especializados. A relação entre os santos
e os fiéis são pessoais e baseadas no princípio da proteção e lealdade. Cada
fiel tem seu santo protetor, ou seu padrinho celestial, que em contrapartida
lhe pede lealdade. Muitos estudiosos da cultura brasileira têm mostrado como
esse modelo relacional não apenas serviu de base para legitimar as relações de
dominação na sociedade senhorial no Brasil, mas permanece ainda hoje como um
elemento cultural de longa duração que subjaz às relações de clientelismo e
patronagem ainda hoje tão presentes na política brasileira.
As
imagens não possuíam o mesmo significado para os indígenas e negros como
possuía para os portugueses. Mas pouco a pouco vão se tornando um meio pelo
qual se pode conhecer a verdade vivida no Brasil. Sim, “os santos além de
sacralizar a vida brasileira e lhe conferir estatuto de cristandade, revelam a
formação do Brasil nos seus caminhos reais” (HOORNAERT, 1992, p.351). É através
de imagens que Maria chega e permanece nestas terras. A história mostrará que a
piedade as valorizará muito, tratando-as, em muitos casos, como as próprias
pessoas nelas representadas, no caso, a Virgem Mãe do Céu. A seguir
apresentaremos alguns títulos e cultos, escolhidos sob o critério da
abrangência popular que possuem, uma vez que seria demasiadamente extensivo
debruçar-se sobre todos.

A identidade portuguesa e luso-brasileira se manteve e mantém
em união com este símbolo religioso. No Brasil, Imaculada e Conceição querem
dizer a mesma coisa e identifica a mãe de Deus. Este título se faz presente em
quase todo país. São mais de 530 paróquias a ela deixadas, sendo que há estados
que a tem como padroeira (PIVA, 2004, p.183). A Imaculada é também a imagem indígena de Guadalupe e
negra de Aparecida. Permanece como “ícone da humanidade reconciliada consigo
mesma e com sua origem e destino, é estrela da evangelização, é aurora do mundo
futuro, é força revolucionária, não só da história de Portugal e do Brasil, mas
da humanidade” (PIVA, 2004, p.199).
2.3 Nossa Senhora do
Rosário

A
partir do século XVIII o catolicismo passou a ter como base as irmandades religiosas,
ajudando ou em lugar da Igreja, adequando-se ao caráter da religião barroca. A
invocação do Rosário na colônia foi particular dos devotos negros, mas devotos
brancos que, por vezes, não aceitavam negros em suas irmandades, também
praticavam essa devoção (PACHECO, 2014, p. 9-10), e muitas vezes estavam
coordenadas por pessoas ligadas à maçonaria.
É
preciso ainda dizer que
As
confrarias de escravos já foram percebidas pela historiografia como meios de
acomodação dos escravos, onde estes seriam doutrinados pelo catolicismo e onde
sua vontade pouco valeria. Opondo-se a este argumento, as irmandades foram
colocadas como locais de resistência, nos quais não caberia uma convivência
pacífica com os brancos da sociedade. Hoje, porém, o estudo destas associações,
as entende tanto como locais de doutrinação por parte da Igreja Católica, como
meios de resistência cotidiana, percebendo as como um todo, levando em
consideração as percepções de todos os grupos nelas envolvidos (BAHY, 2014, p.204).
Assim, fica propício destacar que
sobre a égide da Mãe de Deus invocada como Senhora do Rosário, os cristãos de
cor negra no Brasil conseguiram um espaço social e religioso que lhes permitia
resistir a toda opressão advinda do sistema reinante. Pode-se dizer, ainda,
que as irmandades serviram como ponto de
concentração de reivindicações sociais, de construções das igrejas em
homenagens aos santos e, principalmente, para assegurar aos africanos,
habituados ao culto dos mortos, que cada um de seus membros, mulheres e filhos
tivessem uma sepultura e enterros adequados (NORONHA, 2011, p.270).
Mas como entender esta ligação dos
negros com Nossa Senhora do Rosário, uma vez que ela era a santa das vitórias
dos europeus, assim como a Senhora Conquistadora? Simples. Há um mito fundante,
segundo a historiografia: ela teria aparecido no mar diante de negros e
brancos. Os brancos tentaram tirar a imagem, mas eles não conseguiram. Os
negros pediram para tirar em num grupo de sete, seis homens e uma mulher foram
a beira do mar cantar para ela. Cada negro era de uma legião da África. Bateram
o tambor e cantaram no ritmo do congo, de Moçambique, de candombe e assim
sucessivamente, ao passo que a santa se aproximava. E a santa veio homenagear
as três raças, os três ritmos (NORONHA, 2011, p.272-273). Não veio aos brancos,
mas veio aos negros. Os brancos a homenagearão como Senhora dos Navegantes. É a
mesma senhora do Rosário.
Vânia Noronha
(2011, p.273) destaca que
os
devotos de Nossa Senhora do Rosário não só acreditam no mito, como dedicam a
ela sua vida pessoal e religiosa. Todas as outras dimensões do cotidiano são
orientadas por essa opção, ou seja, é a Santa, a Grande-Mãe, quem define seu modus
vivendi. Também, a quem ele recorre em situações de necessidade, materiais
e/ou espirituais, e em momentos de sofrimento, dor, alegria e júbilo.
Os
brancos e a mestiçagem, com o passar dos anos, mesclam todas as histórias
fundantes e a devoção cresce, sem perder suas singularidades, mas também sem
excluir, como sempre acontecem com as devoções marianas. Se damos a palavra à
fé podemos concluir que a Mãe de Deus é mãe de todos e sempre encontra um forma
de se aproximar dos filhos. Nossa Senhora do Rosário é a devoção brasileira que
não fica a margem desta perspectiva.
2.4 Nossa Senhora do Círio
de Nazaré

O
Círio venera a Virgem de Nazaré. A devoção tem início
em 1700 com a descoberta da
imagem perdida entre pedras de um riacho
por um caboclo chamado Plácido. A devoção a esta imagem encontrada vai se
desenvolvendo e trazendo cada vez mais devotos para a região. Em 1790, a devoção
passa a ser permitida oficialmente pela Igreja e logo após acontece o primeiro
Círio, acompanhado pelo próprio governador da região que, na véspera (conta a
história), teria sido curado de uma doença pela Virgem. De lá pra cá, a devoção
continuou se desenvolvendo, ganhando novos elementos (como a corda, que aparece
no séc. XIX como um instrumento para desatolar a berlinda da imagem de um
lamaçal) que tornaram o rito cada vez mais rico e mais complexo, até se tornar
o maior evento católico do mundo. Hoje, após muitas mudanças de data nesses
mais de 200 anos de acontecimento, o evento celebra-se no segundo domingo de outubro
(CONCEIÇÃO, 2012, p.10).
Esta
festa nasce como representação de uma identidade. O Brasil a partir do século
XX procura enaltecer sua própria cultura, de certo modo até rejeitando os
conceitos europeus. Rio de Janeiro e São Paulo ficam como exemplo do que a
nação deve ser, mas estados do Norte e Nordeste são destinados à outra ponta da
comparação (ALBUQUERQUE JR, 1998, p.45-58). O Círio une, fortalece e evidencia
a identidade paraense. É sua principal manifestação, pois traz muita
visibilidade para a mesma e faz o papel de oficializar essa identidade
(CONCEIÇÃO, 2012, p.11).
Tamanha
é a força desta festa mariana que o Círio foi declarado patrimônio Cultural Imaterial
da Humanidade no dia 04 de dezembro de 2013. Eis o texto da UNESCO disponível
na internet:
O Comitê para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, que está reunido até
07 de dezembro em Baku (Azerbaijão) em sua 8ª sessão, inscreveu 14 novos bens
na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, entre
eles a festa do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, realizada em Belém do Pará
(Brasil), que é considerada uma das maiores procissões religiosas do mundo
(UNESCO, 2013).
Mais uma vez a imagem de Maria está
entre o povo, convoca, reúne e anima. Para os olhos dos cientistas pode ser a
expressão da força de um mito. Para o povo fiel é a presença da mãe que ajuda a
viver de modo mais feliz, mais sereno, mais perto de Deus.
2.5 Iemanjá

Quem
é, pois, Iemanjá? Clodovis Boff (1995, p.54) nos explica que
é uma divindade feminina, da
tribo ioruba, cuja cultura desenvolveu-se na chamada “Costa dos escravos”. Teve
origem no Sudoeste da Nigéria, mas difundiu-se nos países próximos, como o
Benin, Sudão e Costa do Marfim, e, mais tarde, no Brasil e também em Cuba,
estendendo-se até os Estados Unidos. Iemanjá é uma figura central na religião
ioruba e com certeza a divindade feminina mais importante naquele panteão. É a
protetora das religiões afro-brasileiras. É a mãe por excelência. Segundo um
mito, muito controvertido, Iemanjá seria a mãe dos “orixás” – divindades que
personificam as forças da natureza e ao mesmo tempo estruturas mentais, que se
incorporam nos fieis durante o transe do culto.
Nos cultos afro-brasileiros[9]
Iemanjá é, assim como Maria, mãe (a etimologia seria “mãe de peixes”), mas não
só, pois é a Grande Mãe primordial, virgem que prefere “filhas de santo”
virgens; é protetora, de modo especial ligada ao mar; é sedutora, identifica-se
com a sereia, gosta de adornos, de beleza e favorece os casos de amor (BOFF,
1995, p.54).
O
sincretismo ocorre com Maria principalmente sob a invocação de Nossa Senhora da
Conceição (8 de dezembro); segue Nossa Senhora da Glória ou Assunta (15 de
agosto), Nossa Senhora da Candelária ou dos Navegantes (2 de fevereiro), das
Dores (15 de setembro) e Aparecida (12 de outubro). O sábado é seu dia como o é
de Maria no catolicismo (BOFF, 1995, p.55-56).
Depois
de vermos essas relações podemos entender que há algumas formas de olhar para
este sincretismo entre a figura feminina do catolicismo e das religiões afro.
Como bem coloca Clodovis Boff (1995, p.74) há uma Iemanjá “marianizada” (Candomblé) onde Iemanjá assume
características de Maria, uma Iemanjá-Maria
(Umbanda) com mistura, mas dentro da lógica e do sistema geral da religião
afro, e Maria “iemanjizada”
(inculturação) o que estaria remetido à experiências psico-religiosas de
católicos e das tentativas de alguns cristãos negros.
2.6 Nossa Senhora
Aparecida

Em
que período da história brasileira estamos? No período mineiro. É a época em
que a colonização brasileira tem seu auge. O engenho torna-se o centro da vida
econômica e social. O trabalho do escravo no engenho para o senhor torna-se
moldura para todas as formas de trabalho (HOORNAERT, 1977, p.379). A tradição
de Nossa Senhora Aparecida tem seu início com esta realidade. Daí provém muito
de sua força. Aparecida “assinalou o início da nacionalidade brasileira” (BOFF,
2006, p.644), ou seja, “na mesma época em que surgiram as primeiras
manifestações do sentido nativista brasileiro – ocasião em que o povo deixou de
confundir-se com os portugueses que tinham descoberto e colonizado o País”
(PAULINAS, 2006). É preciso ressaltar que a imagem
foi encontrada quando
os habitantes do Vale do Paraíba ainda procuravam
cicatrizar as feridas deixadas durante a guerra dos Emboabas, mesmo período em que os brasileiros se rebelaram pela primeira
vez contra a coroa portuguesa. A revolta ocorreu em decorrência da descoberta
de ouro nas Gerais pelos bandeirantes paulistas: a exploração do minério foi
liberada a todos, contrariando o que lhes fora prometido. O resultado da
luta foi a criação da Capitania de São Paulo e Minas, que teve como primeiro
governador o Conde de Assumar (PAULINAS, 2006).
Lucy Penna
(2010) aborda esse surgimento como o nascer de um mito e assim se expressa:
Naquela hora, ela foi
identificada como uma santa católica. Eles não sabiam qual era a Nossa Senhora
e a chamaram Aparecida. Aparece, Aparecida! Não havia esse nome no Brasil nem
registro civil de alguma mulher batizada com esse nome. Também não era nenhuma
santa de igreja até aquele momento. Então ocorreu a circunstância, a ânsia de
eles acreditarem no milagre para salvar sua sobrevivência. Foi nessa condição
que nasceu o mito. O mito se torna um sonho coletivo, mas na sua origem pode
ter ocorrido com um grupo pequeno de pessoas ou, às vezes, uma pessoa que teve
uma experiência que a gente conhece como sendo o encontro com o mistério, uma
experiência luminosa, como quem pensa: “Hum, entendi! Pesquei uma santa
quebrada, mas é uma santa e ela vai nos ajudar.” Aí vem o mistério, a rede
cheia de peixes. E a conjuntura começa a sair do controle racional, porque
várias pessoas se aproximam daquele evento e dizem: “Aqui tem um toque de
mistério. Vamos rezar, vamos pedir”.
Nossa Senhora da
Conceição era o título com que os portugueses veneravam Maria. Em Aparecida, a
mesma Senhora é resgatada com tez negra, e possui inúmeras semelhanças com o
evento Guadalupe:
A aliança de Nossa Senhora Aparecida, com a de Nossa
Senhora de Guadalupe, significa a aliança de Maria com os pobres que vivem na
margem do sistema (Tepeyácac ou Guadalupe na cidade do México, o rio Paraíba ou
as casas dos pescadores na paróquia de Guaratinguetá no Brasil), no sentido de
converter os ricos que vivem no centro do sistema (o bispo de Tenochtitlán na
cidade do México, o vigário de Guaratinguetá no Brasil) (HOORNAERT, 1977,
p.350).
Os pescadores ficaram cuidando da
imagem de Nossa Senhora Aparecida durante vinte oito anos até que em 1745 o
vigário da cidade construiu-lhe uma capela. Com isso se reconhecia oficialmente
o culto a Senhora Aparecida. Este culto alcançará a dimensão nacional. Do ponto
de vista da história, a devoção está no meio de três momentos em que é forte a
relação entre Igreja e Estado: o Padroado, onde a Imaculada Conceição era
considerada a verdadeira rainha de Portugal, por isso símbolo daquela nação e
das terras conquistadas (BOFF, 1995, p.24-26); o conflito entre Igreja-Estado,
sendo que a elite se afastava cada vez mais da Igreja embalada pelas ideias
modernistas e do positivismo, tentando trocar os santos da Igreja pelos heróis
nacionais como Tiradentes e Clotilde de Vaux (imagem feminina símbolo da
República) e não conseguindo, abrindo espaço para o crescimento do símbolo
Aparecida (BOFF, 1995, p.26-28); o triunfo da identidade mariana da nação na
conquista do imaginário popular, sendo que Aparecida representava o povo até
mesmo pelos seus traços característicos e semelhantes à população (BOFF, 1995,
p.28-30).
Andréa
M. F. Q. Alves (2005, p.151-154) chega a conclusão que Aparecida é símbolo do
Brasil dentro de uma história que favoreceu e se esforçou pelo “engrandecimento
na representação da Imagem” (p.151) que “se justifica, historicamente, pelos
diferentes cenários político-sociais do seu vivido, que propiciaram novas
articulações entre a Igreja e as partes governantes do Brasil” (p.151). Estas
articulações começaram no Padroado, passaram por um Brasil imperial, e chegaram
a um Brasil republicano laico, unindo Igreja, com a Imagem de Aparecida, e o
Estado, com presidente Getúlio Vargas, em 1931. Destaca o encontro da Imagem em
1717, no início do séc. XX a coroação de Nossa Senhora Aparecida, em 1904, os
festejos do ano jubilar da coroação, em 1929 e a oficialização do seu Padroado
no Brasil, em 1931 como passos da construção na construção do símbolo nacional
Nossa Senhora Aparecida. A autora vê todo esse processo como sendo uma
“competição entre Igreja e Estado” onde a Igreja sai como vencedora “apontando
outras articulações, que vão se desenvolver no período da República, em
decorrência desta ‘vitória’” (p.154).
No
olhar do povo, Aparecida marca a intervenção e a presença da Mãe de Deus junto
a seus filhos pobres. Unindo-se ao traço sagrado da mãe numa sociedade
patriarcal, a Senhora Aparecida vem ser aquela que corresponde às necessidades
mais profundas de seus filhos e filhas (BOFF, 1995, p.30-32). Assim, mesmo que
“o culto da Aparecida tenha se transferido, aos poucos, das mãos do povo para o
clero, passando pelo controle do Estado, esse povo, todavia, sempre conservou
certa autonomia de iniciativa e desenvolvimento em relação ao clero na sua
devoção à Aparecida” (BOFF, 1995, p.37).
O
Papa Francisco tem uma devoção particular a Virgem Mãe. Na sua visita ao Brasil
em 2013 por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, beijou e abraçou muitas
vezes a imagem de Aparecida. Aonde ele ia, lá estava a imagem da Mãe dos brasileiros.
Nas saídas e chegadas de suas viagens pastorais, assim como fez no dia seguinte
à sua eleição, visita a basílica de Santa Maria Maior para pedir a benção da
Mãe de Deus.
2.7 Devoções Marianas
que chegam ao Brasil nos séculos XIX e XX
O
século XX marca a chegada de novas devoções a Mãe de Deus. São trazidas por
missionários no intuito de “purificar” o sincretismo em torno das Nossas
Senhoras tradicionais no Brasil. São imagens e títulos europeus. No século XIX
na Europa ‘quando a sociedade moderna começou a sofrer uma crise depois da
outra, iniciou-se também a “era das aparições marianas”’ (BOFF, 2006, p.594). Elas
obtiveram, por exemplo, a aprovação dos papas. Pio IX (1846-1878) “foi um
defensor da causa da devoção a Maria como um antídoto ao racionalismo liberal e
proclamou o dogma da Imaculada Conceição em 1854” (KEELER; GRIMBLY, 2007,
p.153). O papa Pio XII (1939-1958) consagrou o mundo ao Imaculado Coração de
Maria e proclamou o dogma da Assunção de corpo e alma de Maria ao céu em 1954,
declarando ainda, este ano como mariano em comemoração ao 100º aniversário do
dogma da Imaculada Conceição (KEELER; GRIMBLY, 2007, p.154).
Nossa
Senhora das Graças ou aparição da medalha milagrosa em 1830 (França), Nossa
Senhora da Salette em 1846 (França), Nossa Senhora de Lourdes em 1858 (França)
e Nossa Senhora de Fátima em 1917 (Portugal) são as devoções que mais chegaram
ao Brasil nesta época. Embora não pertença aos séculos XIX e XX, Nossa Senhora
do Caravaggio (Itália, 1432)
faz parte do mesmo movimento de novas devoções, principalmente no Rio Grande do
Sul. Grande devoção possui o Imaculado Coração de Maria, trazido pelas
Congregações que surgem na ou sob influência da Igreja europeia que luta contra
o racionalismo do movimento iluminista e modernista. Depois temos Nossa Senhora
de Schoenstatt, a Mãe Peregrina que chega à muitas casas pela visita das
“capelinhas” (BORIN, 2013, p.120).
Elas
não possuem o caráter híbrido ou sincrético brasileiro das demais devoções por
nós citadas. Estão dentro do movimento pós vaticano de “purificar” a fé do
povo. São imagens brancas, de tez serena e rural. Estão ligadas à questões como
a saúde, a paz mundial, a piedade devocional, a união da família, a eucaristia,
a condenação do mundo socialista e comunista, a própria Igreja, aos pobres, na
maioria crianças e analfabetas. Pureza e beleza são sempre atributos, e o fim
trágico do mundo, caso não haja conversão, faz parte da mensagem da maioria
destas devoções (MENEZES, 2011). Isto tudo tem grande aceitação no meio
popular. Destarte, a Igreja oficial investiu bastante na disseminação de tais
devoções marianas. As congregações tomaram estas novas devoções e as puseram
como distintivo de sua presença. O Papa João Paulo tinha seu lema “Totus Tuus” e a letra M no seu brasão
pontifício em referência a Maria, a qual atribuiu sua defesa no atentado a
balas que sofreu na praça São Pedro – no caso, à Nossa Senhora de Fátima. Isso
cooperou muito para que Fátima se tornasse um fenômeno mundial. Ela também foi
a principal devoção de Pio XII (KEELER; GRIMBLY, 2007, p.154).
Nenhuma
das devoções que citamos suplantou às tradicionais brasileiras. Elas foram
incorporadas a realidade mariana católica do Brasil. Mesmo assim, marca um novo
momento na história, com sua singularidade e importância. Não é propriamente a
imagem ou o nome que encanta o povo, mas a história e a figura da Mãe de Deus.
É preciso considerar isto para não fazer julgamentos fora do contesto. Maria
cativa, Maria traduz o evangelho. Em cada momento da história ela se faz
presente. O povo a acolhe e a escuta.
O
povo ama Maria como mãe. Sabe que Maria os ama como filhos. O povo não aceita
que ofendam sua mãe. Intui que a mãe não quer o mesmo para os filhos. Na
relação afetiva a concretização nasce. Assim, Maria se torna ícone de toda
luta, até mesmo, como já vimos, quando tais lutas se mostram emblemáticas. Clodovis
Boff (2006, p.574-589) destaca no campo das aparições marianas, por exemplo,
que elas apresentam um especial poder de convocação das multidões, é fator de
mobilização patriótica, símbolo de resistência e libertação, pilar da
democracia social e da catolicidade da Igreja, que sempre traz uma metodologia
pacífica ante outras propostas violentas e que é, inclusive, estímulo para
mulheres humildes entrarem na política.
O mesmo autor salienta que a
presença de Maria, principalmente nas aparições, constituem autênticos “fatos
sociais” pela afluência das multidões, compostas de devotos, mas também de
curiosos, pela intervenção do poder público, objetivando manter a ordem ou
mesmo reprimir o evento ou até manipular o sentido da aparição, pela
infraestrutura de serviços que surge para responder demandas das multidões que
aí acorrem, pela atividade econômica que as aparições geram, desde o quiosque
ao complexo hoteleiro, pela publicidade, que amplifica este fenômeno religioso,
implicando toda a sociedade, pela polêmica que as aparições costumam levantar
na opinião pública, envolvendo jornalistas, médicos, psicólogos, juízes,
políticos, sem falar nos padres, bispos e teólogos (BOFF, 2006, p.591-592).
3.1 Por
que Maria é sinal de libertação para os povos brasileiros?
Para
o Brasil índio-negro-mestiço Maria é libertadora, é lutadora e companheira de
jornada. Talvez, Aparecida seja o ícone de tudo o que recordamos acima. Mas
também é verdade que outras maneiras desta devoção acontecer possuem igual
importância. O terço numa família pobre do interior, a grutinha no meio da
favela, a medalhinha no bolso do operário é símbolo de uma força social
surpreendente. Não é simples devoção, é a presença da Senhora do Céu no
cotidiano de sorrisos, canções, lágrimas e suor de um povo que aprendeu a se
denominar “Povo de Deus” que tem a Mãe de Deus como sua mãe. Ela se chama
Maria, Nossa Senhora, Mãe do céu. Aqui somos mais irmãos. É, além de tudo, um
ponto de união, pois é uma característica. O povo católico ter “em relação a
Maria uma identificação profunda, que lhe faz dizer: Ela é nós. A razão disso é
a sorte comum que aproxima o povo da Virgem: uma vida simples, anônima e
sofrida” (BOFF, 2006, p.565).
Este
tema de Maria como libertadora surge nas Comunidades Eclesiais de Base. É a realidade
reconhecida na linguagem. Na história dos brasileiros excluídos, dos negros e
nativos escravizados, da descriminação da mulher, da marginalização dos pobres,
do jovem marginalizado e da criança condenada a crescer num mundo desigual e
opressor, Maria sempre foi libertadora. O Magnífica já expressa isto (Lc
1,46-55). As CEBs fazem ecoar a Maria libertadora principalmente pelos cantos
religiosos populares, faz emergir sua imagem bíblica e destaca a mulher popular
que foi a Virgem de Nazaré (BOFF, 1995, p.75-92). Sua sorte é a nossa, tanto na
luta quanto na vitória. Maria é sinal de esperança, certeza da presença de Deus
e valorização da humanidade.
Maria
é sinal de libertação para os povos brasileiros porque se fez brasileira em
Aparecida e nos vários lugares do Brasil. É nossa mãe, nossa irmã e nossa
Senhora. É, antes de tudo, o rosto amoroso de Deus (BOFF, 2006, p.568). Ela não
exclui, mas inclui. Une o povo para a luta em prol da paz, da vida plena. Na
orfandade de referências éticas e amorosas pela qual passa nossa sociedade, ela
é um símbolo vivo no coração do povo. De alguma forma, os filhos querem que a
mãe não se entristeça com suas atitudes e que ela os ajude a aceitar. Maria
cumpre este papel através da fé do povo brasileiro.
Se partíssemos do ponto de vista da
fé, a pergunta que abre este subcapítulo seria dispensável. Isto porque, da
devoção mariana, nada mais se pode esperar que o eco da frase joanina “fazei
tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5) posto na boca de Maria. No entanto, sabemos
que do ponto de vista histórico este relacionamento da Mãe de Deus com o povo
pode sofrer manipulações. Não obstante, a pergunta não fica demasiadamente
complicada. A devoção mariana no Brasil tem a contribuir no momento
social-político-religioso atual o mesmo que cumpriu nos determinados momentos
da história brasileira: de forma libertadora. É claro que estamos tomando o que
entendemos como positivo nesta história.
É
preciso ter consciência de que a influência das aparições de Maria não é
primariamente sociopolítica, mas religiosa; que a influência sociopolítica das
aparições é, sobretudo, de tipo indireto; e que não falta, contudo, às
aparições uma influência sociopolítica direta (BOFF, 2006, p.642-645). Daí que
se percebe que este jeito de Maria intervir na vida social-político-religiosa
do povo e do povo intervir com Maria - talvez até a partir dela – provém da via
da fé:
A importância social e política
que tem a figura da Virgem provém de uma fonte que não é social nem política,
mas precisamente espiritual e soteriológica. A fé cristã – e a doutrina mariana
– tem uma intrínseca dimensão social e política, independente das condições
históricas em que lhe cabe viver e atuar. Ela é fermento de um mundo novo, ou
não é fé cristã (BOFF, 2006, p.707-708).
A
figura de Maria pode nos ajudar na vida política como modelo de integridade
pessoal e comunitária, pode nos ajudar na busca do reconhecimento da dignidade
dos pobres, excluídos, dos marginalizados, das mulheres, das etnias feridas com
o preconceito; do cuidado com o planeta, na busca de um sistema econômico e
político humano, na solidariedade globalizada fundamentada nos direitos
humanos; também no diálogo ecumênico e inter-religioso, na abordagem de uma
evangelização mais humanizada, na construção de uma Igreja mais do evangelho do
que das estruturas (DAp 266-272). E claro, sua intercessão junto ao Filho, que
para os cristão é certa e preciosa. Maria age inspirando[10],
mas muito mais intercedendo, porque a fé crê que ela continua a pedir por todos
na glória. Maria não é só um fenômeno histórico. É, antes de tudo, uma
realidade religiosa, transcendente, soteriológica.
3.3 Quais
os desafios de uma teologia e uma pastoral mariana na atualidade brasileira?
Desde
o princípio da evangelização na América Latina e no Brasil a fé em Deus, a fé em
Jesus
foi imposta a ferro e fogo. Neste contexto perverso,
quem iria ser o símbolo do verdadeiro rosto de Deus – rosto de misericórdia e
salvação? Foi Maria. Ela acabou representando o Deus próximo dos pobres e
vencidos, fazendo do mistério divino algo doméstico e popular. Nessa situação
anômala. Maria acabou servindo de substituto para o Cristo Salvador. Era Ela
quem representava a face graciosa e misericordiosa de Deus. Assim, Ela
preencheu, como pôde, uma função soteriológica (BOFF, 2006, p. 568).
É claro que isso tem suas
incidências pastorais nem sempre positivas ao evangelho. Não que a imagem de
Maria se oponha a de Cristo. A história mesmo comprova o contrário. Mas assim
como está no evangelho, Maria é uma seta para Jesus “fazei tudo o que Ele vos
disser” (Jo 2,5) e não pode ser venerada de forma diferente. Embora seja mãe da
libertação, não é a libertação, a salvação. Seguiremos algumas pistas pastorais
que Clodovis Boff (2006, p.562-569) apresenta.
Três
pontos iniciais são necessários: 1) não destruir a piedade popular, isto seria
violência, mas trabalhá-la na linha do evangelho, inculturá-la; 2) não se
omitir diante da piedade popular mariana, mas evangelizá-la; 3) não usar esta piedade
tão-somente para objetivos exteriores, mas tomar os elementos libertadores
desta religiosidade e aplicá-los ao bem de cada pessoa e do povo, da Igreja
também (BOFF, 2006, p.283-284).
Em
linhas práticas para desenvolver uma devoção cristã mariológica sem distorção,
o que se deve fazer? Primeiro, a) partir daquilo que Boff (2006, p.584) chama
de “índole visceral da piedade popular”, ou seja, “o estovo emotivo profundo”,
pois Maria está ligada ao campo afetivo do povo brasileiro. Isto seria
violência caso ignorado. Simplesmente trabalhá-la na linha do evangelho; b)
usar a Bíblia, pôr o povo em contato com a Palavra de Deus a fim de localizar
Maria no plano da salvação e como Mãe do Salvador (BOFF, 2006, p.585); c)
cristocentrar a piedade popular mariana, em outras palavras, evangelizá-la
(BOFF, 2006, p.585); d) apresentar Maria como exemplo, ícone do seguimento de
Cristo, da vida ética e comunitária (BOFF, 2006, p.586); e) tomar a realidade e
confrontá-la com esta piedade (BOFF, 2006, p.587); f) como Maria atrai
multidões, é necessário articular atividades (a pastoral) de massa com a
pastoral da comunidade onde, de fato, a vida acontece (BOFF, 2006, p.588); e,
por fim, g) criar uma nova linguagem, dando títulos a Maria e se dirigindo a
ela com palavras, hinos e iconografias que se entrelacem com os anseios e a libertação
do povo (BOFF, 2006, p.589).
CONCLUSÃO
Os
portugueses, devotos piedosos de Nossa Senhora, trouxeram a devoção mariana ao
Brasil. Ela era a Senhora Conquistadora que os protegeria dos perigos do mar e
dos bárbaros de todas as terras. Os povos nativos a receberam como mãe benigna,
mas logo viram que ela era o símbolo da crueldade e ambição dos descobridores.
Isso não suprimiu a relação entre eles e ela. A figura da Mãe se torna a melhor
tradução do evangelho. Os negros trazidos como escravos têm em Maria um modelo
de resistência e um caminho para sua organização. Ela não se nega ao
sincretismo, mas desponta como a mãe de todos.
Assim,
nasce um culto à Mãe de Deus em solo brasileiro. Negros, índios e portugueses
se referirão à mãe de Deus com títulos e práticas devocionais das mais
variadas. Nós escolhemos alguns títulos para abordarmos. Nossa Senhora da
Imaculada Conceição foi a imagem de pureza e esperança dos portugueses e dos
povos em geral em nossa pátria. Nossa Senhora do Rosário é a Mãe das vitórias
portuguesas que se torna a mãe dos negros, que os ouve, os reúne em Irmandades
e Confrarias e os ajuda a manterem sua identidade e uma participação
religiosa-politico-social independente. Nossa Senhora do Círio de Nazaré é a
maior festa religiosa do mundo e marca essencialmente a cultura do norte do
país, conferindo-lhe identidade e protagonismo. Iemanjá é a deusa africana que
sincretiza-se com Maria e possibilita que os negros venerem as duas ao mesmo
tempo. Nossa Senhora Aparecida é a padroeira do Brasil, a Imaculada que
possibilitou o emergir de uma identidade verdadeiramente brasileira. Nossa Senhora das Graças, da Salette, de
Lourdes, de Fátima, do Caravaggio, de Schoenstatt e o Imaculado Coração de
Maria, são devoções que chegam nos séculos XIX e XX e marcam um novo momento da
devoção brasileira. Está a serviço de “purificação” do catolicismo. Mesmo
assim, o povo as abraça sem renegar as tradições mais antigas. É a mesma mãe,
por isso o carinho e o respeito são os mesmos.
Ontem
e hoje na história do Brasil colonizado Maria tem sido figura de libertação.
Mesmo perante quem quis fazer dela um instrumento de dominação vê-se que tal
devoção de caráter doméstico e popular foi além e virou o jogo da história. Maria
é sinal de libertação ainda hoje porque aponta para os aspectos mais humanos da
existência de uma sociedade. Como mãe ela chega onde outros não chegam. Diante
de sua imagem das mais variadas matizes vê-se a compaixão, a bondade, a
intervenção de uma mãe lutadora e amorosa.
Em
nosso momento social-político-religioso atual a devoção mariana pode continuar
sendo fator de libertação da sociedade como referência de fé e de ação conjunta
na transformação social. Como intercessora e como figura histórica, Maria age
no consciente das pessoas e no acontecer da história como estrela que ilumina e
dá esperança na noite escura e que não tem resistência em se ofuscar diante da
luz de Deus, da luz do dia da qual ela é sinal escatológico. Este dia é o Reino
de Deus sonhado e buscado pelo povo cristão brasileiro.
Eis
que, pois, é preciso tê-la sempre presente na pastoral e na teologia
comprometida com a história. Há que se cuidar de não destruir a piedade
popular, de não se omitir diante da piedade popular mariana, mas evangelizá-la
e de não usar esta piedade tão-somente para objetivos exteriores, mas tomar os
elementos libertadores desta religiosidade e aplicá-los ao bem de cada pessoa e
do povo, da Igreja também (BOFF, 2006, p. 283-284). Maria deve ser buscada nos
traços bíblicos, mas também culturais deste povo, de forma cristocêntrica e
discipular. Não lhe deve ser ocultado sua esfera moral e maternal, nem a
realidade deve ser suplantada diante da devoção. A linguagem e a vida
comunitária devem ser focalizadas, quando não criadas e recriadas, de um jeito
doméstico e familiar afim de que as comunidades e grupos se fortaleçam na
construção do Reino. Tudo isso aparece como desafio e como possibilidade. O
crente ou o devoto sabe que a Maria intercede por ele, por sua comunidade, pela
Igreja, pela humanidade. Assim segue confiante e lutando, rezando e cantando o
“doce nome de Maria” nas “estradas da vida”.
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Acesso em: 08 set. 2014.
[1]
“Maria foi considerada a grande protetora dos Conquistadores, e isso foi
vivido concomitantemente aos interesses das Coroas espanhola e portuguesa [...].
A conquista era considerada obra da Virgem [...]. Sua guerra é Santa” (GEBARA;
BINGEMER, 1988, p. 147-149).
[2] “Nossa Senhora do Rosário, São
Benedito, Santo Elesbão, Santa Efigênia eram invocações dos negros, não apenas
pela afinidade epidérmica ou pela origem geográfica, mas também pela identidade
com suas agruras. Os ‘santos’ dos brancos, supunha-se não saberia compreender
os dissabores e os sofrimentos dos negros” (BOSCHI, 1986, p.25-26).
[3] Elói Dionísio Piva (2004, p.187-189)
fala que Aparecida é uma “re-evocação” da Imaculada e de uma “nova configuração
da Imaculada para o povo brasileiro, uma configuração que redesperta a
dignidade étnica e social dos que mais tinham sofrido e sofrem, os escravizados
de ontem e de hoje”.
[4]
‘Associações
leigas de cunho católico, as irmandades religiosas possuíam como finalidade o
culto a um santo católico, o aumento desta devoção e a proteção dos seus
irmãos. Segundo Eduardo Hoornaert "o que caracteriza a confraria é a
participação leiga no culto católico”’ (BAHY, 2014, p.201).
[5] ‘Nossa Senhora do Rosário é
o título que foi dado à Mãe de Deus por conta da aparição da Virgem a São
Domingos de Gusmão no ano 1208 quando estava na Igreja de Proulli e recebe Dela
um rosário. São Domingos, motivado a levar o Evangelho a todos e encontrando
muitos desafios, dedicou-se durante três dias à oração e eis que recebeu da
Virgem uma visão na qual lhe apresentava o rosário. [...] A partir daí São
Domingos confeccionou um cordão com as contas divididas nos Pais-Nossos e
Ave-Marias.’ A festa ‘foi instituída pelo Papa Pio V no ano de 1572 com o
título de “Festa da Vitória”, recordando a heroica vitória naval travado pela
Liga Santa contra o império dos Otomanos que ficou conhecida como a Batalha de
Lepanto. A Batalha de Lepanto foi uma forte e heroica investida cristã contra
as forças otomanas. No dia 07 de outubro de 1571, no golfo de Lepanto a
esquadra católica com pouco mais de 200 caravelas enfrentou um poderoso
exército naval sob a proteção de Deus e a intercessão de Nossa Senhora. D. João
da Áustria conduzia a frota e distribuía terços e escapulários aos seus
tripulantes e com voz forte os impulsionava dizendo: “Todos cuidem de cumprir
seu dever. Ponde vossa esperança unicamente no Deus dos Exércitos, que rege e
governa o universo”. O Papa Pio V, devoto de Nossa Senhora pediu que fosse
intensificado a oração do Rosário e todos assim o fizeram. Quando a armada
inimiga assolava a frota de D. João, tiveram a visão de uma Senhora de aspecto
majestoso e ameaçador que por cima dos montes ia ao seu encontro. Assim, os
otomanos dispersaram-se e foram vencidos pela frota de D. João. Ao mesmo tempo,
o Papa tinha uma visão da vitória de seu exército e bradou: “Vamos agradecer a
Jesus Cristo a vitória que acaba de conceder à nossa esquadra”. No ano 1573, o
Papa Gregório XIII alterou o título para “Festa do Santo Rosário”. Esta festa
foi estendida pelo Papa Clemente XII e é celebrada todo dia 7 de outubro de
cada ano.’ (MEDEIROS, 2014).
[6] Pretos e pardos pela primeira vez são maioria no
Brasil ao somarem 97 milhões de pessoas, segundo dados do Censo 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Dos 191 milhões de brasileiros, 47,7% (91
milhões) declararam ser da raça branca, 15 milhões disseram ser pretos, 82
milhões pardos, 2 milhões amarelos e 817 mil indígenas. (IBGE, 2010,
p.1-215).
[7] A população de pardos, por exemplo, é mais comum no
Nordeste e no Norte (com destaque para o Pará, com 69,5% de pardos), enquanto
os negros estão mais presentes nos Estados da região Nordeste, principalmente
na Bahia, onde 17,1% se autodeclararam negros (2,4 milhões de pessoas). (IBGE, 2010, p.1-215).
[8] Os adeptos da umbanda e do
candomblé mantiveram-se em 0,3% em 2010. (IBGE, 2010, p.1-215).
[9] São três os principais cultos
afro-brasileiros: o Candomblé, presente particularmente na Bahia, “que procura
recuperar as suas raízes africanas, especialmente o ioruba ou nagô, e que
desde os anos 80 se esforça para purificar-se do sincretismo” (BOFF, 1995,
p.52); a Umbanda, “sobretudo no Rio de Janeiro, que assume uma atitude
sincrética deliberada em relação não somente ao catolicismo, mas também ao
espiritismo kardecista, às religiões indígenas, como também às correntes
orientais, esotéricas e até maçônicas. A importância numérica dessa religião,
que se considera a única verdadeiramente ‘brasileira’, é indiscutível” (BOFF,
1995, p.52-53); a Quimbanda, “uma forma de religião africana degradada,
disseminada, selvagem, que se utiliza de procedimentos da bruxaria ou magia
negra. É conhecida pelo povo como Macumba,
sendo confundida com nas duas correntes acima citadas” (BOFF, 1995, p.53). O
Candomblé também é chamado Batuque em Porto Alegre, Tambor de Minas em Minas
Gerais e Xangô no Recife. A Umbanda não tem rito de sangue e possui
características indígenas através dos “caboclos”.
[10]
Além da categoria de
“intercessão”, que entende exprimir o “modo mistérico” da ação da Virgem no
mundo social, há a categoria de “inspiração” para entender essa mesma ação em
seu “modo histórico”. A inspiração não oferece apenas estímulo para a ação
criativa, mas também uma referência a valores éticos, aptos a qualificar
moralmente a ação no mundo. (BOFF, 2006, p.710).
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