A Devoção Mariana no Brasil

INTRODUÇÃO
Desde o século III a história do cristianismo dá destaque à Maria como modelo de vida cristã. O Concílio de Éfeso em 431 declarou o dogma de “Mãe de Deus”. Ela é intercessora e imagem concreta da esperança cristã. Junto do Filho está sempre a Mãe. É uma intuição mais popular que oficial, pois a figura da mãe toca profundamente a existência humana, razão pela qual Maria muitas vezes antecipa e comunica o Evangelho do Filho na história da humanidade.
No presente artigo abordaremos a história da devoção mariana no Brasil. Começaremos pelos chamados descobridores portugueses que trouxeram esta devoção ao Brasil, depois abordaremos a devoção nos povos nativos e nos negros escravizados. No segundo capítulo queremos estudar alguns títulos da Mãe de Deus e os cultos respectivos, a saber, Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora do Círio de Nazaré, Iemanjá, Nossa Senhora Aparecida e as devoções marianas que chegam ao Brasil nos séculos XIX e XX. Por fim, discorreremos sobre a libertação que vem pelas mãos de Maria, ou seja, a incidência social-politico-religiosa das devoções, perguntando-se por que Maria é sinal de libertação para os povos brasileiros?, o que a devoção mariana no Brasil tem a contribuir no momento social-político-religioso atual?, e quais os desafios de uma teologia e uma pastoral mariana na atualidade brasileira?.
Desejamos apresentar este estudo breve, conscientes de que haveria muito mais a se dizer, no intuito de entender não só a devoção mariana no Brasil, mas o catolicismo histórico brasileiro, uma vez que este não é compreensível sem a figura mariana. A bibliografia que segue mostra a riqueza deste tema e a vastidão de conteúdo a ser aprofundado.

A história da devoção mariana no Brasil é tecida por fé, beleza, dor, esperança, fantasia, interesses, sincretismo, rivalidades, parcerias, sonhos e muitas outras coisas que poderíamos citar. São vários os sujeitos, as situações, os anseios. Sobretudo é uma história humana matizada pelo ideal divino da Mãe, que está muito presente no cultural brasileiro.


O Brasil foi colonizado pelos portugueses que chegaram pela primeira vez em 22 de abril de 1500, liderados por Pedro Álvares Cabral. Ele “trazia na armada duas imagens da Virgem: um quadro de Nossa Senhora da Piedade, perante o qual era celebrada diariamente a Missa, e um outro de Nossa Senhora da Esperança” (BOFF, 1995, p.12). Assim, a devoção mariana chegava ao Brasil e a nova terra era batizada pelos portugueses com o nome cristão de Ilha de Vera Cruz.
Maria sempre foi um referencial na fé cristã portuguesa, tanto que a nação era denominada popularmente “Terra de Santa Maria” (COSTA, 2004, p.176). Dom Afonso Henriques, fundador da dinastia portuguesa (1139), consagrou Portugal, bem como seus sucessores e súditos, à Mãe de Deus, em 1142. Muitas Igrejas foram erigidas naquele país por causa de conquistas atribuídas à Maria. Assim ocorreu por conta de D. João I, o Grande, que “dedicou a Santa Maria da Batalha um santuário com mosteiro anexo em ação de graças pela vitória sobre o domínio de Castela, em Aljubarrota, em 14 de agosto de 1385” (BOFF, 1995, p.10). Igualmente decretou que todas as catedrais fossem dedicadas a Assunta por causa de tal vitória.
O Infante D. Henrique, filho de D. João I, “erigiu a capela de Nossa Senhora de Belém, diante de cuja imagem os navegadores Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e tantos outros se ajoelharam antes de enfrentarem os perigos do mar” (BOFF, 1995, p.10). No século XVII D. Manuel substituiu o monumental Mosteiro de S. Jerônimo dedicando-o à Virgem pela descoberta do “Caminho das Índias” (BOFF, 1995, p.10). Quando Portugal restaura sua independência dos espanhóis, D. João IV ratifica o patronato da Virgem da Conceição sobre todos os reinos de Portugal. D. João V elevará o culto da Virgem a um esplendor dantes nunca visto.
E por ocasião da colonização, não fizeram diferente. Tomaram Maria como patrona. Os lugares onde chegavam geralmente eram batizados com um nome em referência a ela. As igrejas recebiam, muitas vezes, um nome mariano. Temos como exemplo a Mesquita de Ceuta conquistada em 1415. Nela foi introduzida a imagem da Virgem da Assunção, dita Nossa Senhora Conquistadora. Todas as vitórias dos portugueses contra os mouros e negros foram atribuídas às intervenções de Maria (BOFF, 2006, p.180). Ela era mais que intercessora para os portugueses, era uma combatente ao lado deles.
Do outro lado da Colonização na América tal devoção alcançava os mesmos patamares. Cristovão Colombo, espanhol, chamado de “descobridor da América” tinha enorme devoção à Virgem. Fazia os navegadores rezarem a ela nas expedições. Ao descer à nova terra fez trazer um estandarte com as efígies de Jesus e Maria, deu nome a segunda ilha que aportou, Bahamas, de Concepción e sua nave capitânia se chamava Santa Maria. Na segunda viagem, em 1494, construiu em Santo Domingo a primeira igreja da América Latina, dedicando-a a Cristo e à Virgem Maria (BOFF, 2006, p.219-220).


Em toda América Latina a devoção mariana foi introduzida, seja pelos descobridores seja pelos colonizadores, como inerente ao cristianismo e à cultura que traziam. O principal título no início é o de Conquistadora,[1] principalmente dado pelos espanhóis. Eles “traziam a Virgem às terras da América com as características da teologia da Contra-reforma”, mas chegando “às novas praias Maria adquire imediatamente uma nova e original expressão”, a de Conquistadora (GONZALES, 1992, p.34). Disso resulta uma imagem ambígua para o indígena nativo. De um lado ela poderia ser a mãe que ampara e cuida, semelhante às deusas e heroínas de seus mitos e crenças; de outro, Maria surgia como símbolo de quem os atacava. A Conquistadora aparecia como advogada e apoio das tropas crentes que a ela atribuíam suas vitórias (GONZALES, 1992, p. 38).
Eis porque no início da Evangelização da América e do Brasil a figura de Maria encontrou dificuldades. A Conquistadora não era aceita e nem poderia. Assim, os indígenas, muitas vezes, a consideravam como uma outra deusa, sendo que quando se deram conta do que estava ocorrendo (a conquista e colonização), entenderam aquilo como uma luta de deuses. Como Maria estava em quase todos os estandartes dos estrangeiros, não era difícil identifica-la como deusa inimiga. Um fato ilustrativo é o assassinato dos padres Roque Gonzáles e Afonso Rodrigues em Caaró por um grupo de nativos liderados pelo pajé cacique Nheçu, um líder guarani que possuía autoridade máxima na região do atual município de Roque Gonzales, Rio Grande do Sul, e redondezas. A imagem que ele levava foi encontrada rasgada ao meio, sinal da antipatia indígena à imagem (GONZALES, 1992, p.40-41).
Certo é que a devoção à Maria na América Latina e no Brasil “possui uma longa história que se inicia com a Mãe dos conquistadores europeus e chega até à Senhora dos índios em Guadalupe e à Senhora Aparecida dos negros no Brasil” (GONÇALVES, 1998, p.279). Percebemos que nos países de conquista espanhola e escravidão indígena a relação dos nativos com Maria ganhou perspectiva maior. O grande ícone é a imagem de Guadalupe que se estampou na tilma do índio Juan Diego (1531). No Brasil foi com a cultura negra que isso ocorreu, uma vez que a imagem de Aparecida, a Mãe dos brasileiros, é negra. Em ambos os casos passou-se “de um modelo de imposição cultural a um modelo de inculturação da mensagem salvífica” (GONÇALVES, 1998, p.279).
É preciso dizer que a Virgem de Aparecida também tem traços indígenas e não está em oposição ou contradição coma Virgem de Guadalupe:
Pode-se afirmar com séria base histórica que a tradição de Nossa Senhora Aparecida representa no Brasil a tradição latino-americana de Nossa Senhora de Guadalupe, largamente difundida no Brasil no período da união das coroas espanhola e portuguesa, entre 1580 e 1640 (HAUCK, 1989, p.13).
Há que se destacar que Aparecida é uma imagem surgida das águas, assim como a vida dos povos nativos e de suas deusas lendariamente provém da água, como recorda a pesquisadora Lucy Penna (2010): os índios Carajás, do rio Araguaia, têm o mesmo mito. Antes de serem homens eram peixes, o aruanã”.


Os europeus não se contentaram com a tentativa de escravização indígena. Seus interesses capitalistas eram exigentes. Procuraram para além do oceano mão de obra escrava resistente, uma vez que os indígenas nem sempre correspondiam às suas expectativas. O tráfico negreiro na América Latina chega a seu auge entre 1700 a 1760. Dos seis milhões de negros traficados, 31% tinham como destino o Brasil. Hoornaert (1977, p. 258) afirma que a escravização negra no Brasil era funcional. O sistema colonial não subsistiria sem o tráfico negreiro, bem como, a vida social brasileira é incompreensível sem levar em conta as relações sociais e econômicas senhor/escravo.
O tráfico de pessoas negras sustentava os negócios da coroa portuguesa e, suscitou na Inglaterra, a ânsia de aumentar sua fonte de renda. Assim, o monopólio português perde espaço e a Inglaterra consolida-se em 1713, como nova potência marítima no negócio da escravização. Os negros tinham seus deuses e crenças na África, mas agora são subjulgados a crerem no Deus cristão e a serem devotos de sua mãe branca. Há resistência, primeiramente, depois vem o sincretismo que consistiu no disfarce que os escravos precisavam usar: “eles invocavam as suas divindades sob o nome de santos católicos e dançavam suas danças sagradas como se fossem formas de diversão. Dessa maneira, fingiam abraçar a proposta cristã, porém, no íntimo, continuavam religiosamente africanos” (BOFF, 1995, p.51).
Essa é a raiz do que também se chama de hibridismo cutural-religioso. Maria se torna a Iemanjá dos africanos (BOFF, 2006, p.568). Desse hibridismo vão beber também os brancos. A “experiência religiosa brasileira mostra que os ritos africanos e católicos acabavam se mesclando, sendo um locus de sobrevivência para os povos subjugados” (ARAGÃO, 2013, p.4). Destaca Aragão (2013, p.5-6) que os santos católicos caiam no gosto dos negros por dois quesitos: a cor de pele e o martírio, a cor de pele os irmanava com a África e o martírio com o sofrimento no Brasil[2]. A Virgem Maria aparecerá como negra brasileira apenas em 1717 com a imagem da Imaculada Conceição Aparecida. Ela é venerada de modo carinhoso e com uma adesão impressionante, mas também de modo híbrido:
Em algumas cidades brasileiras, as devoções a Santa Ifigênia e São Elesbão se confundem com a adoração a Nossa Senhora do Rosário, que foi amplamente difundida dentro das irmandades de homens pretos no Brasil colonial. Nas festas promovidas pelas irmandades dos homens leigos e de cor, junto aos ritos de culto católico a Virgem do Rosário, vislumbrasse elementos na festa vinculados à cultura hibrida religiosa, com distribuição de comida, danças e tambores (ARAGÃO, 2013, p.8).
Com Nossa Senhora Aparecida outro capítulo se inicia na devoção mariana brasileira. Ele surge negra, seu primeiro milagre é a libertação das algemas de um negro escravizado. Marca um novo momento para a cultura católica neste chão. Aponta para a identidade deste povo formado pela cultura portuguesa, indígena e africana; por isso se diz que “o povo brasileiro não é apenas latino; é, mais precisamente, índio-afro-latino” (BOFF, 1995, p.7) e mariano.




A piedade popular mariana é um fenômeno dinâmico e atual. Entendemos este termo nas vias que apresenta Clodovis Boff (2006, p.550-559): uma piedade que é de todo o povo, que é dos pobres, e não-oficial; caracterizada pelo sentimento, pela exuberância, pela expressividade, pela vitalidade e pelo caráter maravilhoso. Os títulos da Mãe de Deus nascem de acordo com a experiência do povo com ela. Por isso, tem características muito singulares a partir do contexto, da cultura e da geografia onde nascem as devoções. Na América Latina e Caribe, de modo geral, desenvolveu-se um curso próprio de tal piedade, em confronto com a Europa (BOFF, 2006, p.565). O Brasil não demorou a ter seu modo particular de venerar a Mãe de Deus, caracterizando-a pelos títulos e modo de homenageá-los.

2.1 Primeiros títulos e as ideologias presentes


A devoção à Virgem Maria “chega ao Brasil, na bagagem dos missionários, como mecanismo a ser utilizado na evangelização dos povos indígenas e dos próprios negros” (ARGELOZZI, 1997, p. 33). Como já mencionamos, eles traziam imagens. As imagens sempre foram usadas pelo cristianismo católico como o evangelho dos iletrados. Carlos Alberto Steil (2001, p.21-22) é da opinião de que a
devoção de imagens é central para o catolicismo tradicional. São na verdade, o lugar onde o invisível se torna acessível e palpável. Da mesma forma como os corpos humanos são depositários das almas invisíveis, as imagens são os corpos dos santos. Através das imagens se estabelece uma comunicação entre os vivos e os mortos. Fundado no dogma da comunhão dos santos, esse modelo de catolicismo cria uma cosmologia em que as fronteiras entre a vida e a morte são continuamente ultrapassadas sem necessariamente a mediação de agentes especializados. A relação entre os santos e os fiéis são pessoais e baseadas no princípio da proteção e lealdade. Cada fiel tem seu santo protetor, ou seu padrinho celestial, que em contrapartida lhe pede lealdade. Muitos estudiosos da cultura brasileira têm mostrado como esse modelo relacional não apenas serviu de base para legitimar as relações de dominação na sociedade senhorial no Brasil, mas permanece ainda hoje como um elemento cultural de longa duração que subjaz às relações de clientelismo e patronagem ainda hoje tão presentes na política brasileira.
As imagens não possuíam o mesmo significado para os indígenas e negros como possuía para os portugueses. Mas pouco a pouco vão se tornando um meio pelo qual se pode conhecer a verdade vivida no Brasil. Sim, “os santos além de sacralizar a vida brasileira e lhe conferir estatuto de cristandade, revelam a formação do Brasil nos seus caminhos reais” (HOORNAERT, 1992, p.351). É através de imagens que Maria chega e permanece nestas terras. A história mostrará que a piedade as valorizará muito, tratando-as, em muitos casos, como as próprias pessoas nelas representadas, no caso, a Virgem Mãe do Céu. A seguir apresentaremos alguns títulos e cultos, escolhidos sob o critério da abrangência popular que possuem, uma vez que seria demasiadamente extensivo debruçar-se sobre todos.

A devoção a Imaculada Conceição provém de Portugal. Ela era considerada sua verdadeira rainha (BOFF, 1995, p.24-26). E foi a devoção a ela a principal característica do legado que a piedade oficial e popular lusa nos deixou (PIVA, 2004, p.182). A imagem da Padroeira do Brasil é a da Imaculada[3], mas Aparecida e Imaculada são festas distintas. A Imaculada Conceição de Maria promulgado dogma pelo Papa Pio IX em sua bula Ineffabilis Deus em 8 de Dezembro de 1854 é para o imaginário popular a imagem de beleza e pureza ideal. Também o é pelo catolicismo oficial que, desde meados dos setecentos trocou a imagem da Conquistadora passando a um viés moralizador e civilizatório, com bastante relevância na imagem da Imaculada.
A identidade portuguesa e luso-brasileira se manteve e mantém em união com este símbolo religioso. No Brasil, Imaculada e Conceição querem dizer a mesma coisa e identifica a mãe de Deus. Este título se faz presente em quase todo país. São mais de 530 paróquias a ela deixadas, sendo que há estados que a tem como padroeira (PIVA, 2004, p.183). A Imaculada é também a imagem indígena de Guadalupe e negra de Aparecida. Permanece como “ícone da humanidade reconciliada consigo mesma e com sua origem e destino, é estrela da evangelização, é aurora do mundo futuro, é força revolucionária, não só da história de Portugal e do Brasil, mas da humanidade” (PIVA, 2004, p.199).

2.3 Nossa Senhora do Rosário

As Irmandades religiosas[4] assumem no Brasil caráter de festa e diversão, mais do que religiosidade. Queria-se manter a intimidade entre o santo e o devoto, misturando a isso, outras práticas religiosas. Nesse ambiente a devoção a Nossa Senhora do Rosário[5] chega ao Brasil através dos jesuítas ainda no século XVI, sendo fundadas várias confrarias do Rosário entre os escravos dos engenhos, “com o fim de promoverem a piedade e a instrução religiosa de índios e negros” (PACHECO, 2014, p.9-10).
A partir do século XVIII o catolicismo passou a ter como base as irmandades religiosas, ajudando ou em lugar da Igreja, adequando-se ao caráter da religião barroca. A invocação do Rosário na colônia foi particular dos devotos negros, mas devotos brancos que, por vezes, não aceitavam negros em suas irmandades, também praticavam essa devoção (PACHECO, 2014, p. 9-10), e muitas vezes estavam coordenadas por pessoas ligadas à maçonaria.
É preciso ainda dizer que
As confrarias de escravos já foram percebidas pela historiografia como meios de acomodação dos escravos, onde estes seriam doutrinados pelo catolicismo e onde sua vontade pouco valeria. Opondo-se a este argumento, as irmandades foram colocadas como locais de resistência, nos quais não caberia uma convivência pacífica com os brancos da sociedade. Hoje, porém, o estudo destas associações, as entende tanto como locais de doutrinação por parte da Igreja Católica, como meios de resistência cotidiana, percebendo as como um todo, levando em consideração as percepções de todos os grupos nelas envolvidos (BAHY, 2014, p.204).
Assim, fica propício destacar que sobre a égide da Mãe de Deus invocada como Senhora do Rosário, os cristãos de cor negra no Brasil conseguiram um espaço social e religioso que lhes permitia resistir a toda opressão advinda do sistema reinante. Pode-se dizer, ainda,
que as irmandades serviram como ponto de concentração de reivindicações sociais, de construções das igrejas em homenagens aos santos e, principalmente, para assegurar aos africanos, habituados ao culto dos mortos, que cada um de seus membros, mulheres e filhos tivessem uma sepultura e enterros adequados (NORONHA, 2011, p.270).
Mas como entender esta ligação dos negros com Nossa Senhora do Rosário, uma vez que ela era a santa das vitórias dos europeus, assim como a Senhora Conquistadora? Simples. Há um mito fundante, segundo a historiografia: ela teria aparecido no mar diante de negros e brancos. Os brancos tentaram tirar a imagem, mas eles não conseguiram. Os negros pediram para tirar em num grupo de sete, seis homens e uma mulher foram a beira do mar cantar para ela. Cada negro era de uma legião da África. Bateram o tambor e cantaram no ritmo do congo, de Moçambique, de candombe e assim sucessivamente, ao passo que a santa se aproximava. E a santa veio homenagear as três raças, os três ritmos (NORONHA, 2011, p.272-273). Não veio aos brancos, mas veio aos negros. Os brancos a homenagearão como Senhora dos Navegantes. É a mesma senhora do Rosário.
Vânia Noronha (2011, p.273) destaca que
os devotos de Nossa Senhora do Rosário não só acreditam no mito, como dedicam a ela sua vida pessoal e religiosa. Todas as outras dimensões do cotidiano são orientadas por essa opção, ou seja, é a Santa, a Grande-Mãe, quem define seu modus vivendi. Também, a quem ele recorre em situações de necessidade, materiais e/ou espirituais, e em momentos de sofrimento, dor, alegria e júbilo.
  Os brancos e a mestiçagem, com o passar dos anos, mesclam todas as histórias fundantes e a devoção cresce, sem perder suas singularidades, mas também sem excluir, como sempre acontecem com as devoções marianas. Se damos a palavra à fé podemos concluir que a Mãe de Deus é mãe de todos e sempre encontra um forma de se aproximar dos filhos. Nossa Senhora do Rosário é a devoção brasileira que não fica a margem desta perspectiva.

2.4 Nossa Senhora do Círio de Nazaré


  A devoção a Nossa Senhora do Círio de Nazaré é a mais expressiva, em números, do país, pois reúne cerca de dois milhões de fieis (BOFF, 2006, p.579). Acontece em Belém do Pará no norte do Brasil e envolve toda a população. O povo “partindo dos fundos mais extremos da Amazônia e viajando vários dias de barca ou a pé, chegam para a ansiada procissão, que é provavelmente a maior do mundo” (BOFF, 2006, p.579).   É mais que um evento, “a festa do Círio é um fato social total, no mais pleno sentido, pois mobiliza todas as instituições sociais da cidade e é possível notar que a festa move e transforma não apenas os espíritos humanos, mas também a sociedade e a economia” (AMARAL, 1998, p.268).
O Círio venera a Virgem de Nazaré. A devoção tem início
em 1700 com a descoberta da imagem perdida entre  pedras de um riacho por um caboclo chamado Plácido. A devoção a esta imagem encontrada vai se desenvolvendo e trazendo cada vez mais devotos para a região. Em 1790, a devoção passa a ser permitida oficialmente pela Igreja e logo após acontece o primeiro Círio, acompanhado pelo próprio governador da região que, na véspera (conta a história), teria sido curado de uma doença pela Virgem. De lá pra cá, a devoção continuou se desenvolvendo, ganhando novos elementos (como a corda, que aparece no séc. XIX como um instrumento para desatolar a berlinda da imagem de um lamaçal) que tornaram o rito cada vez mais rico e mais complexo, até se tornar o maior evento católico do mundo. Hoje, após muitas mudanças de data nesses mais de 200 anos de acontecimento, o evento celebra-se no segundo domingo de outubro (CONCEIÇÃO, 2012, p.10).

Esta festa nasce como representação de uma identidade. O Brasil a partir do século XX procura enaltecer sua própria cultura, de certo modo até rejeitando os conceitos europeus. Rio de Janeiro e São Paulo ficam como exemplo do que a nação deve ser, mas estados do Norte e Nordeste são destinados à outra ponta da comparação (ALBUQUERQUE JR, 1998, p.45-58). O Círio une, fortalece e evidencia a identidade paraense. É sua principal manifestação, pois traz muita visibilidade para a mesma e faz o papel de oficializar essa identidade (CONCEIÇÃO, 2012, p.11).
Tamanha é a força desta festa mariana que o Círio foi declarado patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade no dia 04 de dezembro de 2013. Eis o texto da UNESCO disponível na internet:
O Comitê para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, que está reunido até 07 de dezembro em Baku (Azerbaijão) em sua 8ª sessão, inscreveu 14 novos bens na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, entre eles a festa do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, realizada em Belém do Pará (Brasil), que é considerada uma das maiores procissões religiosas do mundo (UNESCO, 2013).
Mais uma vez a imagem de Maria está entre o povo, convoca, reúne e anima. Para os olhos dos cientistas pode ser a expressão da força de um mito. Para o povo fiel é a presença da mãe que ajuda a viver de modo mais feliz, mais sereno, mais perto de Deus.

2.5 Iemanjá


Falar de Iemanjá e de Maria ou de Maria-Iemanjá é falar do sincretismo característico do Brasil. E é preciso tomá-lo positivamente para não fazer um julgamento à moda dos colonizadores. Este fenômeno “mostra como se realizou o encontro entre Maria e a cultura afro-brasileira, ou seja, como se desenvolveu a inculturação da figura de Maria, não somente junto aos ambientes negros do Brasil, mas na instância negra que atravessa toda a cultura brasileira” (BOFF, 1995, p.49). Vale lembrar que a maioria da população brasileira é de origem negra[6], sendo que em algumas regiões esse número é muito maior[7], bem como a presença dos cultos afros, embora as pessoas não se declarem pertencentes a eles[8].
Quem é, pois, Iemanjá? Clodovis Boff (1995, p.54) nos explica que
é uma divindade feminina, da tribo ioruba, cuja cultura desenvolveu-se na chamada “Costa dos escravos”. Teve origem no Sudoeste da Nigéria, mas difundiu-se nos países próximos, como o Benin, Sudão e Costa do Marfim, e, mais tarde, no Brasil e também em Cuba, estendendo-se até os Estados Unidos. Iemanjá é uma figura central na religião ioruba e com certeza a divindade feminina mais importante naquele panteão. É a protetora das religiões afro-brasileiras. É a mãe por excelência. Segundo um mito, muito controvertido, Iemanjá seria a mãe dos “orixás” – divindades que personificam as forças da natureza e ao mesmo tempo estruturas mentais, que se incorporam nos fieis durante o transe do culto.
Nos cultos afro-brasileiros[9] Iemanjá é, assim como Maria, mãe (a etimologia seria “mãe de peixes”), mas não só, pois é a Grande Mãe primordial, virgem que prefere “filhas de santo” virgens; é protetora, de modo especial ligada ao mar; é sedutora, identifica-se com a sereia, gosta de adornos, de beleza e favorece os casos de amor (BOFF, 1995, p.54).
O sincretismo ocorre com Maria principalmente sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição (8 de dezembro); segue Nossa Senhora da Glória ou Assunta (15 de agosto), Nossa Senhora da Candelária ou dos Navegantes (2 de fevereiro), das Dores (15 de setembro) e Aparecida (12 de outubro). O sábado é seu dia como o é de Maria no catolicismo (BOFF, 1995, p.55-56).
Depois de vermos essas relações podemos entender que há algumas formas de olhar para este sincretismo entre a figura feminina do catolicismo e das religiões afro. Como bem coloca Clodovis Boff (1995, p.74) há uma Iemanjá “marianizada” (Candomblé) onde Iemanjá assume características de Maria, uma Iemanjá-Maria (Umbanda) com mistura, mas dentro da lógica e do sistema geral da religião afro, e Maria “iemanjizada” (inculturação) o que estaria remetido à experiências psico-religiosas de católicos e das tentativas de alguns cristãos negros.

2.6 Nossa Senhora Aparecida


A história de Aparecida começa com a passagem em direção a Vila Rica, Minas Gerais, da comitiva do Conde de Assumar, D. Pedro de Almeida e Portugal, Governador da Província de São Paulo e Minas Gerais pela Vila de Guaratinguetá. Convocados pela Câmara de Vereadores, os pescadores Domingos Garcia, João Alves e Filipe Pedroso foram incumbidos de conseguir todo peixe que puderem para a recepção da comitiva. A época não era propícia para pesca e, foi numa das inúmeras tentativas de lançar a rede, que os pescadores apanharam primeiro o corpo da imagem e depois a cabeça e, logo após copiosa pescaria aconteceu (HOORNAERT, 1977, p.350). A imagem ficou na família de Filipe Pedroso até 1745, onde o povo se reunia para rezar.
Em que período da história brasileira estamos? No período mineiro. É a época em que a colonização brasileira tem seu auge. O engenho torna-se o centro da vida econômica e social. O trabalho do escravo no engenho para o senhor torna-se moldura para todas as formas de trabalho (HOORNAERT, 1977, p.379). A tradição de Nossa Senhora Aparecida tem seu início com esta realidade. Daí provém muito de sua força. Aparecida “assinalou o início da nacionalidade brasileira” (BOFF, 2006, p.644), ou seja, “na mesma época em que surgiram as primeiras manifestações do sentido nativista brasileiro – ocasião em que o povo deixou de confundir-se com os portugueses que tinham descoberto e colonizado o País” (PAULINAS, 2006). É preciso ressaltar que a imagem foi encontrada quando
os habitantes do Vale do Paraíba ainda procuravam cicatrizar as feridas deixadas durante a guerra dos Emboabas, mesmo período em que os brasileiros se rebelaram pela primeira vez contra a coroa portuguesa. A revolta ocorreu em decorrência da descoberta de ouro nas Gerais pelos bandeirantes paulistas: a exploração do minério foi liberada a todos, contrariando o que lhes fora prometido. O resultado da luta foi a criação da Capitania de São Paulo e Minas, que teve como primeiro governador o Conde de Assumar (PAULINAS, 2006).

Lucy Penna (2010) aborda esse surgimento como o nascer de um mito e assim se expressa:
Naquela hora, ela foi identificada como uma santa católica. Eles não sabiam qual era a Nossa Senhora e a chamaram Aparecida. Aparece, Aparecida! Não havia esse nome no Brasil nem registro civil de alguma mulher batizada com esse nome. Também não era nenhuma santa de igreja até aquele momento. Então ocorreu a circunstância, a ânsia de eles acreditarem no milagre para salvar sua sobrevivência. Foi nessa condição que nasceu o mito. O mito se torna um sonho coletivo, mas na sua origem pode ter ocorrido com um grupo pequeno de pessoas ou, às vezes, uma pessoa que teve uma experiência que a gente conhece como sendo o encontro com o mistério, uma experiência luminosa, como quem pensa: “Hum, entendi! Pesquei uma santa quebrada, mas é uma santa e ela vai nos ajudar.” Aí vem o mistério, a rede cheia de peixes. E a conjuntura começa a sair do controle racional, porque várias pessoas se aproximam daquele evento e dizem: “Aqui tem um toque de mistério. Vamos rezar, vamos pedir”.
Nossa Senhora da Conceição era o título com que os portugueses veneravam Maria. Em Aparecida, a mesma Senhora é resgatada com tez negra, e possui inúmeras semelhanças com o evento Guadalupe:
A aliança de Nossa Senhora Aparecida, com a de Nossa Senhora de Guadalupe, significa a aliança de Maria com os pobres que vivem na margem do sistema (Tepeyácac ou Guadalupe na cidade do México, o rio Paraíba ou as casas dos pescadores na paróquia de Guaratinguetá no Brasil), no sentido de converter os ricos que vivem no centro do sistema (o bispo de Tenochtitlán na cidade do México, o vigário de Guaratinguetá no Brasil) (HOORNAERT, 1977, p.350).
Os pescadores ficaram cuidando da imagem de Nossa Senhora Aparecida durante vinte oito anos até que em 1745 o vigário da cidade construiu-lhe uma capela. Com isso se reconhecia oficialmente o culto a Senhora Aparecida. Este culto alcançará a dimensão nacional. Do ponto de vista da história, a devoção está no meio de três momentos em que é forte a relação entre Igreja e Estado: o Padroado, onde a Imaculada Conceição era considerada a verdadeira rainha de Portugal, por isso símbolo daquela nação e das terras conquistadas (BOFF, 1995, p.24-26); o conflito entre Igreja-Estado, sendo que a elite se afastava cada vez mais da Igreja embalada pelas ideias modernistas e do positivismo, tentando trocar os santos da Igreja pelos heróis nacionais como Tiradentes e Clotilde de Vaux (imagem feminina símbolo da República) e não conseguindo, abrindo espaço para o crescimento do símbolo Aparecida (BOFF, 1995, p.26-28); o triunfo da identidade mariana da nação na conquista do imaginário popular, sendo que Aparecida representava o povo até mesmo pelos seus traços característicos e semelhantes à população (BOFF, 1995, p.28-30).
Andréa M. F. Q. Alves (2005, p.151-154) chega a conclusão que Aparecida é símbolo do Brasil dentro de uma história que favoreceu e se esforçou pelo “engrandecimento na representação da Imagem” (p.151) que “se justifica, historicamente, pelos diferentes cenários político-sociais do seu vivido, que propiciaram novas articulações entre a Igreja e as partes governantes do Brasil” (p.151). Estas articulações começaram no Padroado, passaram por um Brasil imperial, e chegaram a um Brasil republicano laico, unindo Igreja, com a Imagem de Aparecida, e o Estado, com presidente Getúlio Vargas, em 1931. Destaca o encontro da Imagem em 1717, no início do séc. XX a coroação de Nossa Senhora Aparecida, em 1904, os festejos do ano jubilar da coroação, em 1929 e a oficialização do seu Padroado no Brasil, em 1931 como passos da construção na construção do símbolo nacional Nossa Senhora Aparecida. A autora vê todo esse processo como sendo uma “competição entre Igreja e Estado” onde a Igreja sai como vencedora “apontando outras articulações, que vão se desenvolver no período da República, em decorrência desta ‘vitória’” (p.154).
No olhar do povo, Aparecida marca a intervenção e a presença da Mãe de Deus junto a seus filhos pobres. Unindo-se ao traço sagrado da mãe numa sociedade patriarcal, a Senhora Aparecida vem ser aquela que corresponde às necessidades mais profundas de seus filhos e filhas (BOFF, 1995, p.30-32). Assim, mesmo que “o culto da Aparecida tenha se transferido, aos poucos, das mãos do povo para o clero, passando pelo controle do Estado, esse povo, todavia, sempre conservou certa autonomia de iniciativa e desenvolvimento em relação ao clero na sua devoção à Aparecida” (BOFF, 1995, p.37).
O Papa Francisco tem uma devoção particular a Virgem Mãe. Na sua visita ao Brasil em 2013 por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, beijou e abraçou muitas vezes a imagem de Aparecida. Aonde ele ia, lá estava a imagem da Mãe dos brasileiros. Nas saídas e chegadas de suas viagens pastorais, assim como fez no dia seguinte à sua eleição, visita a basílica de Santa Maria Maior para pedir a benção da Mãe de Deus.

2.7 Devoções Marianas que chegam ao Brasil nos séculos XIX e XX


O século XX marca a chegada de novas devoções a Mãe de Deus. São trazidas por missionários no intuito de “purificar” o sincretismo em torno das Nossas Senhoras tradicionais no Brasil. São imagens e títulos europeus. No século XIX na Europa ‘quando a sociedade moderna começou a sofrer uma crise depois da outra, iniciou-se também a “era das aparições marianas”’ (BOFF, 2006, p.594). Elas obtiveram, por exemplo, a aprovação dos papas. Pio IX (1846-1878) “foi um defensor da causa da devoção a Maria como um antídoto ao racionalismo liberal e proclamou o dogma da Imaculada Conceição em 1854” (KEELER; GRIMBLY, 2007, p.153). O papa Pio XII (1939-1958) consagrou o mundo ao Imaculado Coração de Maria e proclamou o dogma da Assunção de corpo e alma de Maria ao céu em 1954, declarando ainda, este ano como mariano em comemoração ao 100º aniversário do dogma da Imaculada Conceição (KEELER; GRIMBLY, 2007, p.154).
Nossa Senhora das Graças ou aparição da medalha milagrosa em 1830 (França), Nossa Senhora da Salette em 1846 (França), Nossa Senhora de Lourdes em 1858 (França) e Nossa Senhora de Fátima em 1917 (Portugal) são as devoções que mais chegaram ao Brasil nesta época. Embora não pertença aos séculos XIX e XX, Nossa Senhora do Caravaggio (Itália, 1432) faz parte do mesmo movimento de novas devoções, principalmente no Rio Grande do Sul. Grande devoção possui o Imaculado Coração de Maria, trazido pelas Congregações que surgem na ou sob influência da Igreja europeia que luta contra o racionalismo do movimento iluminista e modernista. Depois temos Nossa Senhora de Schoenstatt, a Mãe Peregrina que chega à muitas casas pela visita das “capelinhas” (BORIN, 2013, p.120).
Elas não possuem o caráter híbrido ou sincrético brasileiro das demais devoções por nós citadas. Estão dentro do movimento pós vaticano de “purificar” a fé do povo. São imagens brancas, de tez serena e rural. Estão ligadas à questões como a saúde, a paz mundial, a piedade devocional, a união da família, a eucaristia, a condenação do mundo socialista e comunista, a própria Igreja, aos pobres, na maioria crianças e analfabetas. Pureza e beleza são sempre atributos, e o fim trágico do mundo, caso não haja conversão, faz parte da mensagem da maioria destas devoções (MENEZES, 2011). Isto tudo tem grande aceitação no meio popular. Destarte, a Igreja oficial investiu bastante na disseminação de tais devoções marianas. As congregações tomaram estas novas devoções e as puseram como distintivo de sua presença. O Papa João Paulo tinha seu lema “Totus Tuus” e a letra M no seu brasão pontifício em referência a Maria, a qual atribuiu sua defesa no atentado a balas que sofreu na praça São Pedro – no caso, à Nossa Senhora de Fátima. Isso cooperou muito para que Fátima se tornasse um fenômeno mundial. Ela também foi a principal devoção de Pio XII (KEELER; GRIMBLY, 2007, p.154).
Nenhuma das devoções que citamos suplantou às tradicionais brasileiras. Elas foram incorporadas a realidade mariana católica do Brasil. Mesmo assim, marca um novo momento na história, com sua singularidade e importância. Não é propriamente a imagem ou o nome que encanta o povo, mas a história e a figura da Mãe de Deus. É preciso considerar isto para não fazer julgamentos fora do contesto. Maria cativa, Maria traduz o evangelho. Em cada momento da história ela se faz presente. O povo a acolhe e a escuta.




O povo ama Maria como mãe. Sabe que Maria os ama como filhos. O povo não aceita que ofendam sua mãe. Intui que a mãe não quer o mesmo para os filhos. Na relação afetiva a concretização nasce. Assim, Maria se torna ícone de toda luta, até mesmo, como já vimos, quando tais lutas se mostram emblemáticas. Clodovis Boff (2006, p.574-589) destaca no campo das aparições marianas, por exemplo, que elas apresentam um especial poder de convocação das multidões, é fator de mobilização patriótica, símbolo de resistência e libertação, pilar da democracia social e da catolicidade da Igreja, que sempre traz uma metodologia pacífica ante outras propostas violentas e que é, inclusive, estímulo para mulheres humildes entrarem na política.
O mesmo autor salienta que a presença de Maria, principalmente nas aparições, constituem autênticos “fatos sociais” pela afluência das multidões, compostas de devotos, mas também de curiosos, pela intervenção do poder público, objetivando manter a ordem ou mesmo reprimir o evento ou até manipular o sentido da aparição, pela infraestrutura de serviços que surge para responder demandas das multidões que aí acorrem, pela atividade econômica que as aparições geram, desde o quiosque ao complexo hoteleiro, pela publicidade, que amplifica este fenômeno religioso, implicando toda a sociedade, pela polêmica que as aparições costumam levantar na opinião pública, envolvendo jornalistas, médicos, psicólogos, juízes, políticos, sem falar nos padres, bispos e teólogos (BOFF, 2006, p.591-592).

 

3.1 Por que Maria é sinal de libertação para os povos brasileiros?


Para o Brasil índio-negro-mestiço Maria é libertadora, é lutadora e companheira de jornada. Talvez, Aparecida seja o ícone de tudo o que recordamos acima. Mas também é verdade que outras maneiras desta devoção acontecer possuem igual importância. O terço numa família pobre do interior, a grutinha no meio da favela, a medalhinha no bolso do operário é símbolo de uma força social surpreendente. Não é simples devoção, é a presença da Senhora do Céu no cotidiano de sorrisos, canções, lágrimas e suor de um povo que aprendeu a se denominar “Povo de Deus” que tem a Mãe de Deus como sua mãe. Ela se chama Maria, Nossa Senhora, Mãe do céu. Aqui somos mais irmãos. É, além de tudo, um ponto de união, pois é uma característica. O povo católico ter “em relação a Maria uma identificação profunda, que lhe faz dizer: Ela é nós. A razão disso é a sorte comum que aproxima o povo da Virgem: uma vida simples, anônima e sofrida” (BOFF, 2006, p.565).
Este tema de Maria como libertadora surge nas Comunidades Eclesiais de Base. É a realidade reconhecida na linguagem. Na história dos brasileiros excluídos, dos negros e nativos escravizados, da descriminação da mulher, da marginalização dos pobres, do jovem marginalizado e da criança condenada a crescer num mundo desigual e opressor, Maria sempre foi libertadora. O Magnífica já expressa isto (Lc 1,46-55). As CEBs fazem ecoar a Maria libertadora principalmente pelos cantos religiosos populares, faz emergir sua imagem bíblica e destaca a mulher popular que foi a Virgem de Nazaré (BOFF, 1995, p.75-92). Sua sorte é a nossa, tanto na luta quanto na vitória. Maria é sinal de esperança, certeza da presença de Deus e valorização da humanidade.
Maria é sinal de libertação para os povos brasileiros porque se fez brasileira em Aparecida e nos vários lugares do Brasil. É nossa mãe, nossa irmã e nossa Senhora. É, antes de tudo, o rosto amoroso de Deus (BOFF, 2006, p.568). Ela não exclui, mas inclui. Une o povo para a luta em prol da paz, da vida plena. Na orfandade de referências éticas e amorosas pela qual passa nossa sociedade, ela é um símbolo vivo no coração do povo. De alguma forma, os filhos querem que a mãe não se entristeça com suas atitudes e que ela os ajude a aceitar. Maria cumpre este papel através da fé do povo brasileiro.

Se partíssemos do ponto de vista da fé, a pergunta que abre este subcapítulo seria dispensável. Isto porque, da devoção mariana, nada mais se pode esperar que o eco da frase joanina “fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5) posto na boca de Maria. No entanto, sabemos que do ponto de vista histórico este relacionamento da Mãe de Deus com o povo pode sofrer manipulações. Não obstante, a pergunta não fica demasiadamente complicada. A devoção mariana no Brasil tem a contribuir no momento social-político-religioso atual o mesmo que cumpriu nos determinados momentos da história brasileira: de forma libertadora. É claro que estamos tomando o que entendemos como positivo nesta história.
É preciso ter consciência de que a influência das aparições de Maria não é primariamente sociopolítica, mas religiosa; que a influência sociopolítica das aparições é, sobretudo, de tipo indireto; e que não falta, contudo, às aparições uma influência sociopolítica direta (BOFF, 2006, p.642-645). Daí que se percebe que este jeito de Maria intervir na vida social-político-religiosa do povo e do povo intervir com Maria - talvez até a partir dela – provém da via da fé:
A importância social e política que tem a figura da Virgem provém de uma fonte que não é social nem política, mas precisamente espiritual e soteriológica. A fé cristã – e a doutrina mariana – tem uma intrínseca dimensão social e política, independente das condições históricas em que lhe cabe viver e atuar. Ela é fermento de um mundo novo, ou não é fé cristã (BOFF, 2006, p.707-708).
  A figura de Maria pode nos ajudar na vida política como modelo de integridade pessoal e comunitária, pode nos ajudar na busca do reconhecimento da dignidade dos pobres, excluídos, dos marginalizados, das mulheres, das etnias feridas com o preconceito; do cuidado com o planeta, na busca de um sistema econômico e político humano, na solidariedade globalizada fundamentada nos direitos humanos; também no diálogo ecumênico e inter-religioso, na abordagem de uma evangelização mais humanizada, na construção de uma Igreja mais do evangelho do que das estruturas (DAp 266-272). E claro, sua intercessão junto ao Filho, que para os cristão é certa e preciosa. Maria age inspirando[10], mas muito mais intercedendo, porque a fé crê que ela continua a pedir por todos na glória. Maria não é só um fenômeno histórico. É, antes de tudo, uma realidade religiosa, transcendente, soteriológica.

3.3 Quais os desafios de uma teologia e uma pastoral mariana na atualidade brasileira?


Desde o princípio da evangelização na América Latina e no Brasil a fé em Deus, a fé em Jesus
foi imposta a ferro e fogo. Neste contexto perverso, quem iria ser o símbolo do verdadeiro rosto de Deus – rosto de misericórdia e salvação? Foi Maria. Ela acabou representando o Deus próximo dos pobres e vencidos, fazendo do mistério divino algo doméstico e popular. Nessa situação anômala. Maria acabou servindo de substituto para o Cristo Salvador. Era Ela quem representava a face graciosa e misericordiosa de Deus. Assim, Ela preencheu, como pôde, uma função soteriológica (BOFF, 2006, p. 568).
É claro que isso tem suas incidências pastorais nem sempre positivas ao evangelho. Não que a imagem de Maria se oponha a de Cristo. A história mesmo comprova o contrário. Mas assim como está no evangelho, Maria é uma seta para Jesus “fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5) e não pode ser venerada de forma diferente. Embora seja mãe da libertação, não é a libertação, a salvação. Seguiremos algumas pistas pastorais que Clodovis Boff (2006, p.562-569) apresenta.
Três pontos iniciais são necessários: 1) não destruir a piedade popular, isto seria violência, mas trabalhá-la na linha do evangelho, inculturá-la; 2) não se omitir diante da piedade popular mariana, mas evangelizá-la; 3) não usar esta piedade tão-somente para objetivos exteriores, mas tomar os elementos libertadores desta religiosidade e aplicá-los ao bem de cada pessoa e do povo, da Igreja também (BOFF, 2006, p.283-284).
Em linhas práticas para desenvolver uma devoção cristã mariológica sem distorção, o que se deve fazer? Primeiro, a) partir daquilo que Boff (2006, p.584) chama de “índole visceral da piedade popular”, ou seja, “o estovo emotivo profundo”, pois Maria está ligada ao campo afetivo do povo brasileiro. Isto seria violência caso ignorado. Simplesmente trabalhá-la na linha do evangelho; b) usar a Bíblia, pôr o povo em contato com a Palavra de Deus a fim de localizar Maria no plano da salvação e como Mãe do Salvador (BOFF, 2006, p.585); c) cristocentrar a piedade popular mariana, em outras palavras, evangelizá-la (BOFF, 2006, p.585); d) apresentar Maria como exemplo, ícone do seguimento de Cristo, da vida ética e comunitária (BOFF, 2006, p.586); e) tomar a realidade e confrontá-la com esta piedade (BOFF, 2006, p.587); f) como Maria atrai multidões, é necessário articular atividades (a pastoral) de massa com a pastoral da comunidade onde, de fato, a vida acontece (BOFF, 2006, p.588); e, por fim, g) criar uma nova linguagem, dando títulos a Maria e se dirigindo a ela com palavras, hinos e iconografias que se entrelacem com os anseios e a libertação do povo (BOFF, 2006, p.589).


CONCLUSÃO


Os portugueses, devotos piedosos de Nossa Senhora, trouxeram a devoção mariana ao Brasil. Ela era a Senhora Conquistadora que os protegeria dos perigos do mar e dos bárbaros de todas as terras. Os povos nativos a receberam como mãe benigna, mas logo viram que ela era o símbolo da crueldade e ambição dos descobridores. Isso não suprimiu a relação entre eles e ela. A figura da Mãe se torna a melhor tradução do evangelho. Os negros trazidos como escravos têm em Maria um modelo de resistência e um caminho para sua organização. Ela não se nega ao sincretismo, mas desponta como a mãe de todos.
Assim, nasce um culto à Mãe de Deus em solo brasileiro. Negros, índios e portugueses se referirão à mãe de Deus com títulos e práticas devocionais das mais variadas. Nós escolhemos alguns títulos para abordarmos. Nossa Senhora da Imaculada Conceição foi a imagem de pureza e esperança dos portugueses e dos povos em geral em nossa pátria. Nossa Senhora do Rosário é a Mãe das vitórias portuguesas que se torna a mãe dos negros, que os ouve, os reúne em Irmandades e Confrarias e os ajuda a manterem sua identidade e uma participação religiosa-politico-social independente. Nossa Senhora do Círio de Nazaré é a maior festa religiosa do mundo e marca essencialmente a cultura do norte do país, conferindo-lhe identidade e protagonismo. Iemanjá é a deusa africana que sincretiza-se com Maria e possibilita que os negros venerem as duas ao mesmo tempo. Nossa Senhora Aparecida é a padroeira do Brasil, a Imaculada que possibilitou o emergir de uma identidade verdadeiramente brasileira.  Nossa Senhora das Graças, da Salette, de Lourdes, de Fátima, do Caravaggio, de Schoenstatt e o Imaculado Coração de Maria, são devoções que chegam nos séculos XIX e XX e marcam um novo momento da devoção brasileira. Está a serviço de “purificação” do catolicismo. Mesmo assim, o povo as abraça sem renegar as tradições mais antigas. É a mesma mãe, por isso o carinho e o respeito são os mesmos.
Ontem e hoje na história do Brasil colonizado Maria tem sido figura de libertação. Mesmo perante quem quis fazer dela um instrumento de dominação vê-se que tal devoção de caráter doméstico e popular foi além e virou o jogo da história. Maria é sinal de libertação ainda hoje porque aponta para os aspectos mais humanos da existência de uma sociedade. Como mãe ela chega onde outros não chegam. Diante de sua imagem das mais variadas matizes vê-se a compaixão, a bondade, a intervenção de uma mãe lutadora e amorosa.
Em nosso momento social-político-religioso atual a devoção mariana pode continuar sendo fator de libertação da sociedade como referência de fé e de ação conjunta na transformação social. Como intercessora e como figura histórica, Maria age no consciente das pessoas e no acontecer da história como estrela que ilumina e dá esperança na noite escura e que não tem resistência em se ofuscar diante da luz de Deus, da luz do dia da qual ela é sinal escatológico. Este dia é o Reino de Deus sonhado e buscado pelo povo cristão brasileiro.
Eis que, pois, é preciso tê-la sempre presente na pastoral e na teologia comprometida com a história. Há que se cuidar de não destruir a piedade popular, de não se omitir diante da piedade popular mariana, mas evangelizá-la e de não usar esta piedade tão-somente para objetivos exteriores, mas tomar os elementos libertadores desta religiosidade e aplicá-los ao bem de cada pessoa e do povo, da Igreja também (BOFF, 2006, p. 283-284). Maria deve ser buscada nos traços bíblicos, mas também culturais deste povo, de forma cristocêntrica e discipular. Não lhe deve ser ocultado sua esfera moral e maternal, nem a realidade deve ser suplantada diante da devoção. A linguagem e a vida comunitária devem ser focalizadas, quando não criadas e recriadas, de um jeito doméstico e familiar afim de que as comunidades e grupos se fortaleçam na construção do Reino. Tudo isso aparece como desafio e como possibilidade. O crente ou o devoto sabe que a Maria intercede por ele, por sua comunidade, pela Igreja, pela humanidade. Assim segue confiante e lutando, rezando e cantando o “doce nome de Maria” nas “estradas da vida”.


REFERÊNCIAS


ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez Editora, 1999.
ALVES, Andréa Maria Franklin de Queiroz. Pintando uma imagem Nossa Senhora Aparecida – 1931: Igreja e Estado na Construção de um Símbolo Nacional. 2005. 174 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Curso de Pós-Graduação em História.
AMARAL, Rita C.M.P. Festa à Brasileira: Significados do festejar, no país que “não é sério”. 1998. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – USP, São Paulo, 1998.
ANGELOZZI, Gilberto Aparecido. Aparecida: a senhora dos esquecidos. Petrópolis: Vozes, 1997.
ARAGÃO, Ivan Rêgo. Devoção negra aos santos católicos: identidade, hibridização religiosa e cultural nas celebrações. Revista Brasileira de História das Religiões, n.15, jan/2013. Disponível em: < http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html>. Acesso em: 10 set. 2014.
AZZI, Riolando. A Paixão de Cristo na Tradição Luso-brasileira. REB, vol. 53, março 1993, p. 114.
AZZI, Riolando. Do Bom Jesus sofredor ao Cristo libertador. Um aspecto da evolução da Teologia e da Espiritualidade católica no Brasil. Perspectiva Teológica. Belo Horizonte, n. 18, 1986, p. 215-233.
BAHY, Cristiane Pinto. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos pretos do Arraial de Viamão (1780-1820): fontes primárias e perspectivas de pesquisa. Disponível em: <http://www.humanas.ufpr.br/portal/cedope/files/2011/12/A-Irmandade-de-Nossa-Senhora-do-Ros%C3%A1rio-dos-Pretos-do-Arraial-de-Viam%C3%A3o-1780-1820-Cristiane-Pinto-Bahy.pdf>. Acesso em: 10 set. 2014.
BÍBLIA. Bíblia Sagrada Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1991.
BINGEMER Maria. C.; GEBARA, Ivone. Maria, Mãe de Deus e Mãe dos pobres. Petrópolis: Vozes, 1987 p. 141.
BOFF, Clodovis. Maria na Cultura Brasileira: Aparecida, Iemanjá, Nossa Senhora da Libertação. Petrópolis: Vozes, 1995.
BOFF, Clodovis. Mariologia social. O significado da Virgem para a Sociedade. São Paulo: Paulus, 2006.
BOFF, Clodovis. Nossa Senhora e Iemanjá, Maria na cultura brasileira. Petrópolis: Vozes, 1995.
BORIN, Marta Rosa. As fronteiras do catolicismo e as interfaces com a religiosidade popular: o Movimento Apostólico de Schöenstatt. Revista Brasileira de História das Religiões, Maringá, jan. 2013, p.119-138. Disponível em: <http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdfespecial_2013/7.pdf>. Acesso em: 10 set. 2014.
ANPUH, Maringá (PR) v. V, Edição Especial, jan/2013. ISSN 1983-2850
BOSCHI, Caio César. Os Leigos e o Poder (Irmandades leigas e políticas colonizadoras em Minas Gerais). São Paulo: Ática, 1986.
CALIMAN, Cleto. Teologia e devoção Mariana no Brasil. São Paulo: Paulinas, 1989.
CELAM. Documento de Aparecida. São Paulo: Paulinas, 2007.
CHAMORRO, Graciela. Maria nas culturas e religiões ameríndias. In RIBLA, n. 46 (2003) p. 92ss.
CIPOLINI, Pedro Carlos. A devoção Mariana no Brasil. Teocomunicação, Porto Alegre, n. 1, jan./abr. 2010, p. 36-43.Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index. php/teo/article/viewFile/7774/5519>. Acesso em: 09 set. 2014.
CONCEIÇÃO, Wellington da Silva. O Círio de Nazaré e seu valor simbólico na formação e manutenção da identidade regional paraense.  Sacrilegens, Juiz de Fora, v. 9, n.2, p. 4-14, jul dez/2012. Disponível em: <http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2013/03/9-2-2.pdf>. Acesso em: 09 set. 2014.
CELAM. Documento de Aparecida. São Paulo: Paulinas, 2007.
DOCUMENTOS DO CONCÍLIO VATICANO II.          Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/index_po.htm> Acesso em: 23 ago. 2013.
DUSSEL, Enrique. (org) Historia Liberationis: 500 anos de história da Igreja na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1992.
FRANCISCO. Homilias. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/francesco/index_po.htm> Acesso em: 23 ago. 2013.
GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes. Liberationis Mysterium: o projeto sistemático da Teologia da Libertação analisado à luz da Regula Fidei. RCT, n. 22, jan/mar-1998, p. 105.
GONZALES, Antônio Dorado. A mariologia popular latino-americana. São Paulo: Loyola, 1992.
HAUCK, J. F. Visão histórica da devoção Mariana no Brasil. In: CALIMAN, Cleto (Org.).  Teologia e devoção Mariana no Brasil. São Paulo: CNBB/Paulinas, 1989, p. 68.
HAUCK, João F. (org). História da Igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do povo. Segunda época.  Petrópolis: Vozes, 1985.
HOORNAERT, Eduardo. A Igreja no Brasil-colônia (1550-1800). 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1982.
HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do povo. Petrópolis: Vozes, 1977.
HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil: história da Igreja no Brasil. Primeira época. II/1. Petrópolis: Vozes, 1992.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico. Rio de Janeiro, 2010 p.1-215. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/94/cd_2010_religiao_deficiencia.pdf> Acesso em: 09 set. 2014.
KEELER, Helen; GRIMBLY, Susan. 101 coisas que todos deveriam saber sobre o catolicismo: crença, prática, costumes e tradições. São Paulo: Pensamento, 2007.
MATOS, Henrique Cristiano José. Nossa História: 500 anos de presença da Igreja Católica No Brasil – Tomos I-III. São Paulo, Paulinas, 2001.
MATOS, Keila; SOZA, Miriam Matúlio de; GOMES, Rosângela da Silva. O multiculturalismo e o hibridismo religioso brasileiros. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 19, n. 5/6, maio/jun. 2009. p. 475-484.
MEDEIROS, Fabiano Farias de. Nossa Senhora do Rosário. Disponível em: <http://www.zenit.org/pt/articles/nossa-senhora-do-rosario> Acesso em: 07 out. 2014.
MEGALE, Nilza. Botelho. As 112 invocações da Virgem Maria no Brasil, história, folclore e iconografia. Petrópolis: Vozes, 1980.
MENEZES, Kalliany Moreira . A “última hora”: Doutrinas e crenças escatológicas católicas No final do século XX. Disponível em: < http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300577922_ARQUIVO_UltimaHoraKallianyMenezes.pdf> Acesso em: 07 out. 2014.
NORONHA, Vânia. Reinado de Nossa Senhora do Rosário. Horizonte, Belo Horizonte, v. 9, n. 21, p. 268-283, abr./jun. 2011.
PACHECO, Paulo Henrique Silva. A origem branca da devoção negra do Rosário. Revista Tempo de Conquista. Disponível em: <http://revistatempodeconquista.com.br/documents/RTC3/PAULOHENRIQUEPACHECO.pdf> Acesso em: 09 set. 2014.
PELIKAN, Jaroslav. Maria através dos séculos: seu papel na história da cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
PENNA, Lucy. Nossa Senhora Aparecida - A madona negra brasileira. Revista Planeta, São Paulo, n. 452, maio/2010. Disponível em: <http://revistaplaneta.terra.com.br/secao/entrevista/nossa-senhora-aparecida-a-madona-negra-brasileira>  Acesso em: 09 de Set. de 2014.
PIVA, Elói Dionísio. A Imaculada na piedade popular luso-brasileira. In: COSTA, Sandro Roberto (Org.). Imaculada Maria do povo, Maria de Deus. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 173-199.
RAMOS, Luciano. Aparecida, Senhora dos brasileiros. A história de uma devoção na origem de um povo. São Paulo: Paulinas, 2004.
PAULINAS, Editora. Aparecida: de onde nasce nosso orgulho de ser brasileiro. Disponível em: < http://www.paulinas.org.br/sala_imprensa/pt-br/?system=news&action=read&id=1105&page=25>. Acesso em: 11 out. 2014.
STEIL, Carlos Alberto. Aparições marianas contemporâneas e carismatismo católico. In: SANCHIS, Pierre (Org.). Fiéis & Cidadãos: percursos de sincretismo no Brasil. Rio de Janeiro: EdUerj, 2001. p. 117-146.
UNESCO. Círio de Nazaré entra para a Lista do Patrimônio Imaterial da Humanidade. Disponível em: <http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/cirio_de_nazare_is_inscribed_in_the_intangible_cultural_heritage_list/#.VA-43sJdV5A>. Acesso em: 08 set. 2014.



[1]  “Maria foi considerada a grande protetora dos Conquistadores, e isso foi vivido concomitantemente aos interesses das Coroas espanhola e portuguesa [...]. A conquista era considerada obra da Virgem [...]. Sua guerra é Santa” (GEBARA; BINGEMER, 1988, p. 147-149).
[2] “Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santo Elesbão, Santa Efigênia eram invocações dos negros, não apenas pela afinidade epidérmica ou pela origem geográfica, mas também pela identidade com suas agruras. Os ‘santos’ dos brancos, supunha-se não saberia compreender os dissabores e os sofrimentos dos negros” (BOSCHI, 1986, p.25-26).
[3] Elói Dionísio Piva (2004, p.187-189) fala que Aparecida é uma “re-evocação” da Imaculada e de uma “nova configuração da Imaculada para o povo brasileiro, uma configuração que redesperta a dignidade étnica e social dos que mais tinham sofrido e sofrem, os escravizados de ontem e de hoje”.
[4]Associações leigas de cunho católico, as irmandades religiosas possuíam como finalidade o culto a um santo católico, o aumento desta devoção e a proteção dos seus irmãos. Segundo Eduardo Hoornaert "o que caracteriza a confraria é a participação leiga no culto católico”’ (BAHY, 2014, p.201).
[5] ‘Nossa Senhora do Rosário é o título que foi dado à Mãe de Deus por conta da aparição da Virgem a São Domingos de Gusmão no ano 1208 quando estava na Igreja de Proulli e recebe Dela um rosário. São Domingos, motivado a levar o Evangelho a todos e encontrando muitos desafios, dedicou-se durante três dias à oração e eis que recebeu da Virgem uma visão na qual lhe apresentava o rosário. [...] A partir daí São Domingos confeccionou um cordão com as contas divididas nos Pais-Nossos e Ave-Marias.’ A festa ‘foi instituída pelo Papa Pio V no ano de 1572 com o título de “Festa da Vitória”, recordando a heroica vitória naval travado pela Liga Santa contra o império dos Otomanos que ficou conhecida como a Batalha de Lepanto. A Batalha de Lepanto foi uma forte e heroica investida cristã contra as forças otomanas. No dia 07 de outubro de 1571, no golfo de Lepanto a esquadra católica com pouco mais de 200 caravelas enfrentou um poderoso exército naval sob a proteção de Deus e a intercessão de Nossa Senhora. D. João da Áustria conduzia a frota e distribuía terços e escapulários aos seus tripulantes e com voz forte os impulsionava dizendo: “Todos cuidem de cumprir seu dever. Ponde vossa esperança unicamente no Deus dos Exércitos, que rege e governa o universo”. O Papa Pio V, devoto de Nossa Senhora pediu que fosse intensificado a oração do Rosário e todos assim o fizeram. Quando a armada inimiga assolava a frota de D. João, tiveram a visão de uma Senhora de aspecto majestoso e ameaçador que por cima dos montes ia ao seu encontro. Assim, os otomanos dispersaram-se e foram vencidos pela frota de D. João. Ao mesmo tempo, o Papa tinha uma visão da vitória de seu exército e bradou: “Vamos agradecer a Jesus Cristo a vitória que acaba de conceder à nossa esquadra”. No ano 1573, o Papa Gregório XIII alterou o título para “Festa do Santo Rosário”. Esta festa foi estendida pelo Papa Clemente XII e é celebrada todo dia 7 de outubro de cada ano.’ (MEDEIROS, 2014).
[6] Pretos e pardos pela primeira vez são maioria no Brasil ao somarem 97 milhões de pessoas, segundo dados do Censo 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dos 191 milhões de brasileiros, 47,7% (91 milhões) declararam ser da raça branca, 15 milhões disseram ser pretos, 82 milhões pardos, 2 milhões amarelos e 817 mil indígenas. (IBGE, 2010, p.1-215).
[7] A população de pardos, por exemplo, é mais comum no Nordeste e no Norte (com destaque para o Pará, com 69,5% de pardos), enquanto os negros estão mais presentes nos Estados da região Nordeste, principalmente na Bahia, onde 17,1% se autodeclararam negros (2,4 milhões de pessoas). (IBGE, 2010, p.1-215).
[8] Os adeptos da umbanda e do candomblé mantiveram-se em 0,3% em 2010. (IBGE, 2010, p.1-215).
[9] São três os principais cultos afro-brasileiros: o Candomblé, presente particularmente na Bahia, “que procura recuperar as suas raízes africanas, especialmente o ioruba ou nagô, e que desde os anos 80 se esforça para purificar-se do sincretismo” (BOFF, 1995, p.52); a Umbanda, “sobretudo no Rio de Janeiro, que assume uma atitude sincrética deliberada em relação não somente ao catolicismo, mas também ao espiritismo kardecista, às religiões indígenas, como também às correntes orientais, esotéricas e até maçônicas. A importância numérica dessa religião, que se considera a única verdadeiramente ‘brasileira’, é indiscutível” (BOFF, 1995, p.52-53); a Quimbanda, “uma forma de religião africana degradada, disseminada, selvagem, que se utiliza de procedimentos da bruxaria ou magia negra. É conhecida pelo povo como Macumba, sendo confundida com nas duas correntes acima citadas” (BOFF, 1995, p.53). O Candomblé também é chamado Batuque em Porto Alegre, Tambor de Minas em Minas Gerais e Xangô no Recife. A Umbanda não tem rito de sangue e possui características indígenas através dos “caboclos”.
[10] Além da categoria de “intercessão”, que entende exprimir o “modo mistérico” da ação da Virgem no mundo social, há a categoria de “inspiração” para entender essa mesma ação em seu “modo histórico”. A inspiração não oferece apenas estímulo para a ação criativa, mas também uma referência a valores éticos, aptos a qualificar moralmente a ação no mundo. (BOFF, 2006, p.710).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Dinâmica sobre Vocações

Dinâmica da Flor de Papel (recolhida pelo autor)

Dinâmica de Semana Santa para Grupos de Jovens