FALE DISSO E DESSA FORMA, E IREI TE ESCUTAR: inferências de um jovem Religioso
O jovem
religioso deste novo milênio é alguém diferente do que a história da vida
religiosa normalmente conheceu. Aberto ao diálogo, mas desconfiado da intenção
dos interlocutores, aprendeu a pipocar sobre as pedras do rio que levam à outra
margem. A ânsia pela vida feliz, traduzida como sucesso, se embaralha nas
projeções da cultura atual e se confronta com a proposta evangélica,
diluindo-se no espelho embaçado da formação humana vigente. Nunca se teve
tantas oportunidades, alternativas, informações, propostas e ameaças como na
atualidade. Isso instiga e seduz, mas também confunde, cansa e ilude.
A correnteza
não existe mais quando se pensa em vida religiosa consagrada. Para ser fiel é
preciso nadar muito. Outrora, ser religioso dava possibilidade de muitas
coisas, inclusive a do estudo e da ação eficaz e reconhecida em favor da sua
comunidade. Os religiosos bodas de pérola e de rubi podem nos atestar isso. O
religioso não era “mais um”, mas era “o” religioso. Da mesma forma acontecia
com os advogados, professores, médicos, engenheiros e políticos. Entretanto,
numa sociedade tecnicista e científica, tais campos de atuação ganharam
destaque em detrimento do espiritual-religioso. Por mais que existam muitos
advogados, médicos, professores, engenheiros, políticos, estes, porque
considerados cientistas, são incentivados a atuarem no mundo para produzir na
lógica mercantil.[1]
Religiosos não oferecem muita matéria, ensina a corrente capitalista.
Religiosos tem vida triste, porque o prazer, o poder e o ter são colocados
abaixo de uma hipótese[2],
Deus. Infelizmente, ainda não se inventou uma vacina que protejam os jovens
religiosos destas ideias. Para alguns isso pode parecer relativismo e
fragmentada formação humana e religiosa. Para nós é o ringue existencial, um
ringue construído numa sociedade líquida e em mudança de época. Sair do ringue
não melhora a situação. Entende agora, o porquê alguns jovens não se
desenrolam?
Se alguém quer
dialogar com o jovem religioso contemporâneo precisa levar em conta tudo isso.
Precisa, sobretudo, deixar-se surpreender por ele e estar disposto a mudar de
assunto quando ele começar a mexer no celular ou no computador. Saiba que o
jovem religioso pensa muito rápido e em muitas coisas paralelamente. Ele foi
treinado para isso quando, em casa, assistia desenhos animados enquanto os pais
trabalhavam. Não ignore isto, mas também não se aprisione. Leve em conta que se
ele disser que está cansado, não estará mentindo, embora tenha permanecido sem
fazer muitas atividades fatigantes. E considere os conflitos familiares dele. O
desligamento familiar que acontecia há uns trinta anos não ocorre mais. Esta é uma
ideia com cheirinho de ultrapassada.
Se você que dialogar comigo, fale disso:
Ø do
sentido da vida consagrada. Compartilhe suas reais experiências e sentimentos,
aponte horizontes, não simplesmente cobre resultados, mas fale da heroicidade
do esforço;
Ø das
propostas, deixe as proibições para o meu pensamento lógico;
Ø sobre
o que se espera da gente. Não me deixe imaginando. Não fale de protótipos.
Esmiúce os projetos da congregação e da Igreja e deixe espaço para apresentar o
novo;
Ø sobre
onde e como eu posso fazer a diferença;
Ø sobre
os projetos de outrora e deixe-me expressar as decepções para com eles; até
mesmo minha incompreensão;
Ø sobre
o quando você (a congregação) me quer bem e a razão pela qual assim me quer.
Faço parte de uma geração com afetividade em carência. Todos queremos ser
amados e bem queridos. Lugares e propostas que deixam isto claro me cativam;
Ø sobre
os “modelos” de nossa congregação em diversas ocasiões e idades, para que eu
possa confrontar-me e responder a pergunta: eu quero ser assim?;
Ø sobre
o significado dos Votos na perspectiva temporal: “Para a vida toda” - o que
isto significa?.
E fale dessa forma:
Ø com
carinho e abertura, num diálogo livre, aberto, sem retaliação. Não traga uma
herança muito pesada e cobradora. Fale com filmes, com slides, com
brincadeiras, com dinâmicas e com o coração. Simplesmente fale. Simplesmente
ouça;
Ø rezando
minhas dores e minhas alegrias, respeitando meu silêncio, exigindo de acordo
com meu potencial. Fale crendo em mim;
Ø com
pausas a cada 15 minutos, com novidades, com atenção e alegria. Fale
apaixonadamente, com entusiasmo, e quando eu me entusiasmar aproveite para me
fazer falar.
Quando alguém
falar com um jovem religioso deverá considerar que “pecados” ou desvios que há
três décadas para se efetivarem precisavam ser buscados, hoje precisam ser
evitados. A toda hora jogam imagens sensuais, propagandas que geram angústia
pelo ter, histórias de manipulação e dominação como protótipos da realização
pessoal. O jovem que opta pelo caminho de Jesus precisa se defender. Ajude-o. Proponha
mais que proíba. E ele, ao teu convite, responderá:
irei te escutar.
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