História da Idade Media

 
Estimados, o texto que segue é um resumo da Obra "A Idade Média. Nascimento do Ocidente" de Hilário Franco Júnior. A História é uma ciência que muito me atrai, pois possibilita entender o caminho percorrido pela humanidade (ou parte dela) até nossos dias. Sabemos das implicâncias que contar a história implica, mas, mesmo assim, omitir o pouco que é possível saber dela não nos parece virtuoso.

A Idade Media vem sendo redescoberta dentro do seu valor histórico para toda a humanidade. Outrora considerada como Idade das Trevas, emerge agora com seu rosto genuíno, nem melhor, nem pior que outras épocas, mas simplesmente como uma época, com homens e acontecimentos próprios dos homens. “O período tradicionalmente conhecido como Idade Média abrange cerca de um milênio, durante o qual um conjunto de caracteres marcantes e específicos criou uma personalidade histórica própria, que nos permite falar dela diferencialmente em relação a outras épocas” (p.11).  Definir seu início e término não é tão necessário, nem mesmo fácil. “Já se falou em 476 (deposição do último imperador romano), 392 (oficialização do cristianismo) ou 330 (reconhecimento da liberdade do culto aos cristãos) como ponto de partida da Idade Média. Para seu término já se pensou em 1453 (queda de Constantinopla e fim da Guerra dos Cem Anos), 1492 (descoberta da América) e 1517 (início da Reforma Protestante)” (p.11).  Enfim, o que realmente importa são as suas características peculiares e próprias.
Idade Média: “o termo expressava um desprezo indisfarçado pelos séculos localizados entre a Antiguidade Clássica e o próprio século XVI” (p.17). Para o século XVII “os séculos medievais’ também eram vistos como de barbárie, ignorância e superstição. Os protestantes criticavam-nos como época da supremacia da Igreja Católica. Os homens ligados às poderosas monarquias absolutistas lamentavam aquele período de reis fracos, de fragmentação política. Os burgueses capitalistas desprezavam tais séculos de limitada atividade comercial. Os intelectuais racionalistas deploravam aquela cultura muito ligada a valores espirituais” (p.18). A Idade Média não estava interessada na sua história. Viviam com a ideia da história cíclica ou da história linear com fim escatológico, por isso, não temiam o seu findar. Como acreditavam estar vivendo na era moderna, não se interessavam muito por caracterizar o passado, sendo que aquilo que tinham era o melhor. De modo mais geral, não tinham horas bem determinadas, nem meses ou anos, pelo menos até 1582, com o calendário gregoriano (p.23).
A história demográfica medieval é a história da presença e da remoção dos obstáculos que impediam a multiplicação de sua espécie (p.25). Hoje se sabe que houve um aumento populacional na Idade Média Central. A Idade Media em geral foi marcada por um acentuado movimento migratório que era 1) habitual, 2) colonial, 3) por motivos extraordinários (pestes, catástrofes climáticas, ...) e 4) migrações itinerantes, sem instalações (p.28-29). Depois do movimento migratório, o segundo indício do crescimento populacional são os arroteamentos realizados nos territórios do interior da Cristandade (p.29). Terceiro indício: “aumento do preço da terra e do trigo” (p.29). As transformações ocorridas pela arquitetura religiosa, principalmente no que se refere ao tamanho, são mais um indício da densidade demográfica (p.30). Um quinto indício da expansão demográfica do Ocidente cristão está no “acentuado crescimento da população urbana naquele período” (p.31). A peste contribui, em seguida, para a diminuição da população (cerca de 30%) no século XIV, que voltou a mesma quantia apenas no século XVI.
Naquilo que se chama de Idade Média Central verifica-se que ela “provocou importantes mudanças nos elementos que tinham caracterizado a fase anterior. Em primeiro lugar, a passagem da agricultura dominial para a senhorial” (p.47) que consistia na divisão de áreas concedidas a senhores feudais, sendo que antes tudo estava sobre domínio do Império. O senhorio era base econômica do feudo e o feudo a manifestação politico-militar do senhorio. “O senhorio era um território, que dava ao seu detentor poderes econômicos (senhorio fundiário) ou jurídico fiscais (senhorio banal), muitas vezes, ambos ao mesmo tempo. O feudo, uma cessão de direitos, geralmente, mas não, necessariamente, sobre um senhorio” (p.49). Uma segunda transformação importante ocorrida nos séculos XI-XIII foi, “a partir de uma existência de um excedente agrícola, o revigoramento do comércio” (p.50). A terceira transformação econômica da Idade Media Central foi a Revolução Industrial Medieval (p.53) que “nas cidades estavam organizadas em associações profissionais que chamamos corporações de ofício” e nelas as “confrarias, isto é, associações profissionais de pessoas para culto do santo patrono para caridade recíproca entre seus membros” (p.54). Por último, a pregação que a Igreja fez de dois princípios: “o distributivo e do de equilíbrio. O primeiro preocupava-se com a repartição das riquezas e da renda” e o segundo “pretendia tornar justas as relações econômicas entre os homens, daí sua preocupação coma usura e o preço justo” (p. 57).
A Idade Media Central foi uma época de mudanças, “de expansão econômica, o que levou parte da historiografia por muito tempo a falar num ‘capitalismo medieval’” (p.58). Mas melhor expressão para esta época pode ser “premissas do capitalismo” coexistindo com outros sistemas. A Baixa Idade Média inaugurou um período de crise generalizada (p.59) onde “verificaram-se, pelo menos, cinco períodos de fome generalizada em quase todo o Ocidente, cada um deles de anos” (p.60).  A situação é tão séria que o “século XIV e a primeira metade do século XV foi uma fase de crise conjuntural, que provocaria, porém, abalos estruturais. Dela sairia a economia moderna” (p.61).
Até aqui observamos um certo ‘imperialismo’ da História Econômica. Mas nem sempre seria assim, pois na mesma Idade Media ao domínio do econômico contrapôs-se uma “pretensa supremacia da História Social” (p.62). “Os primeiros séculos medievais conheceram uma cristalização da hierarquia social, fenômeno que na verdade já se desenvolvia anteriormente, mas que se completou apenas no século IV” (p.62). As camadas medias urbanas viam-se esmagadas por dois fatores. O primeiro deles, o processo de ruralização da sociedade romana, “resultava de sua contradição básica” (p.63). O segundo fator era “um pesado conjunto de impostos que o Estado cobrava para tentar manter a própria vida citadina” (p.64). Emerge, com o recuo da escravidão, um novo tipo de trabalhador rural, o colono. “O colonus era juridicamente um homem livre, mas verdadeiro escravo da terra” (p.65). Não podia vender ou abandonar seu lote, mas também ninguém poderia tirar seu lote.
Neste contexto a sociedade passou a ter dois polos: a dos proprietários fundiários de um lado e os camponeses despossuídos de outro (p.67). Entre os fundiários tinham pequenos e médios proprietários, a aristocracia laica (composta por famílias que há muito detinham grandes latifúndios), a aristocracia eclesiástica (já no séc. V, depois do Estado Romano, a Igreja era a maior proprietária de terras do Ocidente e no século IX, detinha uma terça parte das terras cultiváveis do Ocidente cristão) (p.67-68). No outro extremo da sociedade estavam os trabalhadores: os assalariados, os colonos e os escravos (em decréscimo) (p.69).
Quanto à Idade Média Central, o estudo de suas relações sociais nos remete diretamente a um dos mais controvertidos temas da historiografia contemporânea: o do feudalismo (p.70). Feudalismo “é uma totalidade histórica da qual o feudo foi apenas um elemento” (p.71). Este nome “designa um tipo de sociedade com formas próprias de organização econômica, política, social, cultural” (p.70). A Igreja teve papel central neste tipo de organização legitimando “as relações horizontais sacralizando o contrato feudo-vassálico e as verticais justificando a dependência servil” (p.71). Este tipo de organização gerou miséria e, consequentemente, muito descontentamento. Surgem as Cruzadas. Pretendiam aliviar tal tensão. Mas com as derrotas elas ofuscaram a autoridade moral dos clérigos e as legitimações pregadas podem ser contestadas (p.78). Muitos iam para as Cruzadas para aumentarem suas posses, outros para adquirirem, mas a maioria retornava só com a honra de ter lutado, sem nenhum ganho material. A aristocracia caia. Surgiam os movimentos campesinos buscando a distribuição comunal das terras (p.79), bem como aparece um segmento burguês nas cidades, sendo este, antifeudal (p.80).
Algo interessante de se notar é que muitas transformações vão acontecendo no pós Cruzadas. A mulher ganha ascensão social, as ordens leigas adquirem força, o individualismo desponta. No campo houve retrocesso demográfico, econômico e a ascensão de uma elite trabalhadora (p.84). Na cidade houve reforço do poder da burguesia e aumento de trabalhadores sem emprego ou mal remunerados, devido ao crescimento de seu número (p.85). Houveram muitas “revoltas urbanas pelo controle do estado, em processo de afirmação, fosse ele comunal, senhorial ou nacional” (p.86).
Na história política medieval pode se constatar essências diferentes em cada fase. Vejamos: “nos séculos IV-VIII a unidade política romana foi substituída pela pluralidade dos reinos germânicos” (p.87). No século IX restabeleceu-se uma relativa unidade com o Império de Carlos Magno. Nos séculos X-XIII o Império tornou-se apenas uma ficção. Nos séculos XIV-XV “aquele processo de revigoramento das monarquias se acentuou muito, graças a uma maior identificação do Estado comum determinado território e suas características étnicas e linguísticas” (p.88). O Império Carolíngio que parecia ter unificado em um único governo logo se fragmentou novamente. Era excessivamente personalizado e fraco estruturalmente. Foi por isso que acabou desembocando numa pluralidade política com os netos de Carlos Magno. Ele não tinha unidade orgânica, promoveu a difusão da vassalagem dando terras e debilitando a fonte do poder monárquico, fundiu poder temporal com poder espiritual na pessoa do Imperador contrapondo-se posturas, e não pode conter as invasões dos séculos IX-X mostrando sua debilidade (p.93). A nobreza ia criando seus próprios impérios e o Império cobria-se de castelos dando origem, no século X, à Europa (p.94). Até o fim da Idade Media Império, Igreja, monarquias, feudalismo e – um pouco mais tarde – as comunas, serão os personagens políticos que manterão a cena (p.94).
A Igreja compreende-se como detentora do poder imperial do Ocidente e rivalizará com o Império, ora menos, ora mais. O imperador, quando coroado pelo Papa, adquirirá caráter sagrado. Em meados do século XIV as assembleias representativas ganham força, pois os monarcas buscam apoio para suas decisões (uma vez que a Igreja se opunha em certas ocasiões) e outras queiram evitar abusos da realeza (p.99).  E este “conceito de representação política é uma das grandes descobertas dos governos medievais” (p.99). Neste caminho surgem as comunas (nas cidades e nas zonas rurais) “uma associação igualitária (quebrando hierarquias internas) e por isso uma ‘conjuração’ contra o exercício dos poderes senhoriais” (p.102). Mas esta também busca um caminho não tão popular, pois quanto mais “escapava ao poder do antigo senhor, mais ela se feudalizava, isto é, usava em benefício próprio (ou seja, de seus dirigentes) a nova condição” (p.103-104). Entre muitos conflitos e enfrentamentos “a tendência era para a afirmação do Estado-nação” (p.106).
A Igreja chega ao seu auge justamente na Idade Media Central. Queria, com a organização da hierarquia eclesiástica, consolidar a recente vitória do cristianismo. Aproximava-se dos poderes políticos por causa de seus interesses, ora mais, ora menos louváveis. Numa terceira fase, quase erigiu uma teocracia que esteve em vias de se concretizar em princípios do século XIII. Mas toda essa ambição terminou na “sua maior crise, a Reforma protestante do século XVI” (p.107-108). A Igreja foi personagem de suma importância neste período da história Ocidental. Há quem diga que da articulação entre romanos e germanos que a Igreja estabeleceu, sairia a Idade Media (p.108).
Num tempo em que o clero se aburguesa e se mistura à administração do Império deixando a orientação espiritual dos fieis, surgem as Ordens monacais: os Beneditinos (534), a Ordem de Cluny (séc.X), os Cistercienses (1098), os Franciscanos e os Dominicanos. Estas Ordens, primeiramente, contestavam a vida pouco cristã dos clérigos, depois algumas foram encarregadas das Cruzadas, um movimento que a Igreja criara para conquistar a “Terra Santa” e manter o poder papal. Outras, como os Franciscanos, tentaram reformar a Igreja num espírito de pobreza e fraternidade (p.111-122). Parece estranho aos nossos tempos, mas “a grande questão da Igreja na Baixa Idade Media foi um prolongamento da antiga disputa entre poder espiritual e poder temporal” (p.123) tendo como posição contrária a este cenário as ordens que mencionamos.  Tão fortes eram as relações entre o “Estado” e a Igreja e as disputas entre ambos que, de 1309 a 1377, o papado se transferiu para Avignon (França) estando sobre um relativo controle da monarquia francesa (p.123). De 1378 a 1417 houve sérias divergências dentro da hierarquia eclesiástica levando ao Cisma do Ocidente. Teve-se dois papas reinantes, um em Roma e o outro em Avignon (chegou-se a ter um  terceiro, inclusive, em Pisa). Assim, no século XIV a Igreja estava desacreditada e a figura do papa mais ainda. Embora se reunificando, não tinha o poder de antes (p.124). A Igreja buscou o poder temporal e foi traída por ele mesmo.
No meio de todas essas situações pode se observar outro aspecto de importância capital: o cultural. “Na primeira Idade Media, as dificuldades da época estabeleceram caracteres culturais que se manteriam, com variações de intensidade, nos séculos seguintes” (p.127). São elas: alargamento do fosso entre a elite culta e a massa inculta; separação entre clérigos e laicos; uma época convulsionada politicamente, enrijecida socialmente, empobrecida economicamente e, síntese disso tudo, limitada pelo seu ‘absolutismo religioso’; ressurgência de técnicas, crenças e mentalidades tradicionais, pré-romanas; (p.127).
A Igreja possuía o monopólio da cultura intelectual. Os clérigos educavam os seus pares em vista do culto, nas escolas monacais e catedráticas (p.128). À população restava cultivar saberes folclóricos. Nos mosteiros havia os copistas que, principalmente em vista da filosofia e teologia, compilavam obras antigas em língua latina. Latim era a língua usada pela Igreja. O povo falava “dialetos derivados do latim bárbaro ou germânico” (p.132). O “Renascimento Carolíngio, fato fundamental para a cultura medieval estabeleceu um texto bíblico único” (p.132) em latim. Ele também “reviu as obras litúrgicas, preparando o fim da diversidade de ritos existentes na Cristandade Latina” (p.132). Com uma Igreja erudita ocorre a folclorização de elementos cristãos e mesmo de simples eventos. O povo encontra explicações mais simples para o que não compreendia. A Igreja combate este folclore que chegou a honrar um cão como santo e delimita que é ela quem faz “história” (p.133-134). É uma característica do feudalismo.
Na arquitetura há primeiramente a arte românica que mistura elementos da cultura vulgar com a eclesial, homens e animais sofrem simbiose nas esculturas, por exemplo. Segue-se o gótico, mais urbano, e procura harmonizar fé e razão (p.135). Na literatura o latim e o vulgar estabelecem a linha divisória entre o erudito e o popular na cultura (p.136) sendo que “a literatura medieval em língua vulgar está mais impregnada de elementos folclóricos do que em qualquer outra época” (p.132). Havia também, a moldagem do tipo de homem a ser imitado. “A literatura criava um tipo ideal que a Igreja esperava ver concretizado nas Cruzadas: o herói tornava-se o correspondente laico do santo” (p.137). A “obra de Dante Alighieri, escrita entre 1307 e 1321, mas de espírito pertencente ao século XIII, é talvez o maior painel existente sobre a Idade Media. Era o grande manifesto da laicização da cultura” (p.140) sintetizando pensamentos anteriores e atuais colocando os personagens da história no Inferno, no Purgatório e no Paraíso.
As universidades tornam-se, pouco a pouco, laicais, sem deixar de existir as grandes universidades eclesiais. Com o tempo também as laicais assumem a ideologia dos Impérios, sendo acessíveis para os nobres, apenas. Teologia era o curso de maior prestígio. Havia também, medicina, direito canônico e civil. A filosofia estava sempre presente (p.141-146). Na teologia e filosofia se destaca Tomás de Aquino. Ele “reinseriu o aristotelismo numa linha cristã, adequando melhor o pensamento da Igreja às novas condições socioculturais da época” (p.146).
Junto aos aspectos que fomos entendendo até aqui se junta o pano de fundo mental, ou seja, “o nível mais estável, mais imóvel das sociedades” (p.149). A história está envolta em acontecimentos certificáveis no percurso do tempo, mas é apenas uma face da história. É o pensamento de cada época e de cada grupo social que movimenta o acontecer na história. Podemos chamar também de conteúdo imaginário de cada população, tão expresso nas imagens que a mesma produz.
Referente à Idade Media é importantíssimo perceber que os homens desta época tinham uma visão sobrenatural do Universo, centrada em Deus. O “referencial de todas as coisas era o sagrado, fenômeno psicossocial típico de sociedades agrárias” (p. 150). Antes de tudo, a Divindade representava uma segurança psicológica (p. 151) e envolvia todas as fases da vida das pessoas. Práticas mágicas eram muito presentes. A Igreja institucional agia e também outras pessoas que eram denominadas bruxas, feiticeiras (p. 154). O clero lutava contra todas as práticas religiosas que não estivessem sob autoridade da Igreja.   Havia, neste quadro, a magia divina (dos santos) e a diabólica (dos feiticeiros e bruxas). Era um mundo de símbolos e significados onde o próprio homem era um símbolo (p. 158). Resumindo: “o simbolismo era a forma de expressão do homem medieval padrão, o caminho para a exteriorização de seus sentimentos mais profundos” (p.160) e onde o homem medievo se encontrava.
Todo esse modo de ver o mundo era tão importante a ponto de eles considerarem que “não existiam forças e elementos éticos neutros: todos tinham uma relação com o conflito cósmico do bem e do mal e participavam da história universal da redenção” (p.160). O homem era o soldado de Deus na terra. A Guerra Santa foi um modo que a Igreja Medieval assumiu para estabelecer a paz universal, por exemplo. Isso soa estranho ao homem pós-moderno. Entretanto, não cabe a nós julgar, embora não concordemos. “O belicismo da mentalidade medieval decorria da presença constante daquelas encarnações, benéficas e maléficas, que prolongavam no palco terreno a luta que envolvia todo o universo” (p.160) e isto não se pode ignorar. O que eles empreendiam, o faziam crendo ser estava à vontade de Deus. “O Cristianismo guerreiro da idade Media só pode ser considerado ‘contraditório’ por uma análise anacrônica” (p.160).
A Igreja também tentou dirigir a vida sexual das pessoas. Passou a pregar uma ascese de todo o corpo. Para a maioria dos medievais a santidade se dava numa vida monacal ou eremita. Para os demais, a peregrinação aos lugares santos cumpria esta função (p.162). As Cruzadas se inserem neste contexto de ascese. As pessoas combatiam belicamente contra si mesmas, para extinguir as forças do mal que as tentavam. Isto atingiu seu auge na Baixa Idade Media com o movimento dos flagelantes (p.163). Deste belicismo derivou o contratualismo que consistia em relações com o espiritual em forma de trocas recíprocas de graças e favores. Foi feito de maneira coletiva até o século XII e depois derivou para a esfera individual. (p.165). As procissões aos santuários são um exemplo (p.166).
Quanta coisa para se revisitar! A Idade Media possui um significado em si mesma. A modernidade muitas vezes, por meio de seus representantes, orgulhosamente, se dizia ter superado sua precedente, mas a verdade é que ela continuou os passos da Idade Media como é comum na história. Assim se aplica muito bem a imagem de que os tempos modernos é o filho ingrato da Idade Media (p.171). Renascimento, Protestantismo, Descobrimentos, Centralização Política no soberano do Estado (quatro movimentos que se convencionou considerar inauguradores da Modernidade) são de fato medievais (p.171), gerados no seio deste tempo. Também o chamado Antigo Regime (monarquia absolutista, sociedade estamental, capitalismo comercial) tiveram suas raízes nestes séculos (p.172). Da mesma forma as “características que a civilização  ocidental atualmente se atribui – democracia no plano político-social, racionalismo no econômico-científico, universalismo no mental-cultural – têm origens medievais” (p.174). Resta-nos lembrar da religiosidade cristã encontrando-se com a racionalidade. Também do materialismo resultante da ciência e do pragmatismo que o desenvolvimento experimental vai proporcionando. Conclui-se, pois, que a Idade Media está mais presente nas épocas que lhe sucederam do que se admite. E que entre a tendência a exaltá-la ou condená-la, vale buscar uma terceira via: compreendê-la.

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