Teologia da Libertação


O que faz com que uma reflexão cresça, conquiste respeito e se torne símbolo de um movimento capaz de reunir pessoas de várias nacionalidades e práticas? Será a sua aceitação ou contestação no meio em que nasceu e ao público a que se dirige? Será a proposta que apresenta ou nega? Ou ainda: será pelo fato de se fazer símbolo do grito que surge na última hora em favor de quem jamais fora ouvido?
Marcada por uma história muito dinâmica de aceitação e repulsa, reprimendas e incentivos, a Teologia da Libertação ganhou forças à medida que apresentou um a reflexão teológica pé-no-chão e que correspondia aos anseios da América Latina. Nascida em uma realidade sofrida, marcada pela opressão do sistema capitalista, dos países ricos, das ditaduras militares e pela insensibilidade cultural nas várias dimensões da sociedade, com destaque para a ação litúrgica e dogmática da Igreja, esta teologia mostra-se forte por corresponder aos anseios das massas sofrida.
Teologia da Libertação parece ser uma expressão que pode englobar uma proposta nova no campo teológico e social. Tornou-se a síntese do ideal de fazer e refletir teológico da América Latina, expandindo-se para todo o mundo como um fenômeno histórico. O ressoar desta expressão ainda causa desprezo e temor em alguns ambientes, em outros continua sendo sinal de esperança e considerado o melhor veículo para atualizar a reflexão da mensagem divina para as realidades vigentes.
No presente texto, abordaremos a história, o método, as novidades, as respostas, a opção a atualidade e as novas questões da Teologia da Libertação. Não pretendemos dizer tudo. Isto seria impossível. Buscamos apenas refletir o que consideramos como essencial para uma comunhão com este jeito de ser e fazer teologia.

SURGIMENTO DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO


O surgimento é algo que impressiona o ser humano. Junto com o desaparecimento, é o polo onde a atenção se volta quando alguém quer compreender mais profundamente qualquer coisa. Eis a razão de ressaltarmos o nascer e o pôr do sol, o nascer e o morrer de um ser humano, a nascente e o desaguar de um rio, a primeira e última nota de uma música. Parecemos crer que o surgimento de alguma coisa é como aquela semente que possui as informações e nutrientes necessários para o desenvolvimento de uma árvore. Perguntar-se pelo princípio de algo é ir em busca de sua essência, de sua identidade rústica, real, franca.

A Teologia da Libertação possui um berço cercado pela opressão e o sofrimento de muitas pessoas[1]. É a Teologia Cristã que ao se encontrar neste berço começa a sentir sufocada pelas contradições e dá um grito em busca da libertação, pretendendo encontrar na reflexão da fé, uma saída pra as questões sociais e eclesiais que justificavam a opressão dos pobres e oprimidos do Terceiro Mundo.[2] É assim que
a teologia da libertação nasce no final dos anos 60[3], como expressão viva de uma experiência de fé libertadora. Ela não traduz uma reflexão deslocada, mas surge sempre num segundo momento, enquanto expressão articulada de um processo histórico  marcado pela pobreza, esperança e busca libertadora. Não há como compreender a TdL fora do “humus eclesial e social” que marcou o continente latino-americano  a partir do final dos anos 50. Ela não é só reflexo de uma fé libertadora, mas exercício sistematizado de reflexão e aprofundamento desta fé. (TEIXEIRA, 2006, p. 28).

A América Latina possui uma história de sofrimento e opressão desde a colonização europeia. As etnias que compõem esta parte do globo terrestre foram sempre divididas entre dominados e dominantes. Os dominantes, claro, sempre foram uma minoria que impuseram escravidão, exploração e alienação aos menos favorecidos. Indígenas, negros, mulheres e operários foram vistos como instrumento de produção e manipulação, sem direitos e com o dever de sustentar os poderes vigentes. Toda esta realidade foi marcada, a partir de 1500, pela religiosidade cristã. O evangelho era pregado todas as semanas e o pão amargo da opressão tendo que ser engolido por grande parte da população.

Diante de tudo isto, ansiava-se uma libertação. A América Latina queria viver.[4] Para isto precisava romper com as cadeias que a aprisionavam.[5] Mas por onde começar? Quem poderia quebrar o primeiro grilhão? Qual grade deveria ser a primeira a ser derrubada provocando um raio de luz que iluminasse o interior desta realidade de prisão e suscitasse naqueles que se encontravam presos, uma vontade resoluta de entrar na marcha de libertação? Pode-se dizer que havia este murmúrio crescente nos bastidores da realidade latino americana.

Segundo L. Boff (2012), no Brasil, a ideia de libertação foi elaborada, primeiro, por Paulo Freire, no campo da Educação. Depois, nos grupos de esquerda. A Igreja Católica seguiu estes passos elaborando a libertação na perspectiva teológica. A primeira grande obra deste novo método de fazer teologia foi a de Gustavo Gutierrez, Teologia da Libertação, cujo nome tornou-se o denominador de todo movimento que se seguiu. O autor afirma: “Falar de teologia da libertação é buscar resposta para a pergunta: que relação existe entre a salvação e o processo histórico de libertação do homem?” (GUTIÉRREZ, 1979, p. 49). Antes disso ele também mencionou: ‘Trata-se de retomar os grandes temas da vida cristã na radical mudança de perspectiva e dentro da nova problemática levantada por esse compromisso. Isto é, o que busca a chamada “teologia da libertação”’(GUTIÉRREZ, 1979, p.9).

Contexto eclesial que possibilitou o surgimento da Teologia da Libertação 


Na década de sessenta a Igreja viveu um momento de grande expectativas que se confirmou com o início, desenvolvimento e conclusão do Concílio Vaticano II. Em 1958 fora escolhido o Papa João XXIII, um papa de transição que levou a Igreja a outra grande transição: da idade média para o mundo moderno.

O Concílio foi uma revolução na Igreja. Diz-se que o Papa João XXIII afirmara no início de seu Pontificado: "quero abrir as janelas da Igreja para que possamos olhar para fora, e para que as pessoas possam olhar para dentro" (DIONNE, 2011). Se fora este o desejo dele, o Concílio cumpriu seu papel. Ao encerrá-lo, o Papa Paulo VI (1985, p. 506) trouxe presente em sua homilia que

nunca talvez, como no tempo deste Concílio, a Igreja se sentiu na necessidade de conhecer, avizinhar, julgar retamente, penetrar, servir e transmitir a mensagem evangélica, e, por assim dizer, atingir a sociedade humana que a rodeia, seguindo-a na sua rápida e contínua mudança. Esta atitude, nascida pelo fato de a Igreja, no passado e, sobretudo neste século, ter estado ausente e afastada da civilização profana, esta atitude, sempre inspirada pela essencial missão salvadora da Igreja, esteve presente eficaz e continuamente no Concílio.
  O Concílio colocou a Igreja dentro do vagão da história. Um vagão puxado pela locomotiva da modernidade. Neste vagão a Igreja vinha dialogar com o homem moderno, pois queria ser um sinal vivo de esperança e do amor de Deus para com o homem atual, seus clamores e suas dores. Portanto,
foi o Concílio que nos abriu o caminho da ‘volta às fontes’; que nos ensinou que a tradição só é tradição se for viva e se fizer viver; que, por isso mesmo, não se pode separar a palavra de Deus do ‘hoje’ no qual tem de ressoar ser acolhida. E assim nos fez tomar consciência de que o ‘mundo’ faz parte do ser da Igreja (...) sem essa nova percepção do mundo e dos seus problemas como parte da missão evangelizadora da Igreja, não teriam sido possíveis as ‘teologias do mundo’ ou as ‘teologias das realidades terrestres’ que surgiram depois do Concílio e, de maneira própria e original entre nós, a ‘teologia da libertação’ (SUSIN, 2000, p.53).
Depois do Concílio, veio a Conferência de Medellin[6] (1968), a segunda do episcopado latino americano e caribenho, que pode ser entendida como a transposição do Concílio para esta realidade e uma verdadeira revitalização da Igreja, gerada nestes contextos.
Leonardo Boff assim caracteriza este momento:
O fruto maior da Assembléia da Conferência Episcopal Latino-Americana (CELAM) em 1968 foi ter dado à luz a Igreja latino-americana como latino-americana. Os Documentos de Medellín representam o "ato de fundação" da Igreja da América Latina (AL) a partir e em função de seus povos e de suas culturas. (Aqui, para nos conformar com o falar de Medellín, dizemos sempre e apenas "América Latina", mas compreendendo também nessa designação todo o Caribe). Esses textos constituem a "carta magna" da Igreja do Continente (BOFF, 1998, p. 568).
Junto surgem as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)[7] e todo um novo contexto de Igreja. Onze anos depois é realizada a Terceira Conferência do episcopado latino americano e caribenho (1979) em Puebla. Esta, segundo L. Boff
representou a confirmação das intuições fecundas de Medellín, amadurecidas que foram na década sucessiva. Aquilo que em Medellín era apenas esboçado, em Puebla é dito de maneira clara. Os traços que iriam definir em seguida o perfil teológico-pastoral da Igreja do continente, como veremos mais abaixo e que desde Puebla são chamados por todos e claramente de "opção pelos pobres", "teologia da libertação" e "Comunidades Eclesiais de Base", estão em Medellín bem presentes, mas aí não estão ainda claramente delineados e nem explicitamente designados (1998, p. 572).

A teologia encontra solo fecundo neste ambiente e brota como um grito de libertação. Na instância eclesial e religiosa este grito é contra o elitismo clerical, a centralização romana, o tradicionalismo infértil e a pregação alienante. Antes mesmo do Concílio podemos mencionar a Ação Católica com seu método VER-JULGAR-AGIR e a sua proposta para a compreensão crítica da realidade e impulsionou uma ação transformadora. Assim o grito da nova teologia ultrapassa os ambientes eclesiais para chegar à sociedade como um todo.

O próprio termo “libertação” em teologia, nasce neste contexto eclesial e social que descrevemos. O Documento de Medellin é o primeiro a usá-lo.[8] Este encontrou um percurso na Popularum  Progressio (1967) de Paulo VI  que falava de um desenvolvimento integral das nações. Libertação mostrou-se um termo melhor que desenvolvimento integral, uma vez que mostrava menos dependência.  Logo depois o termo aparece na Evangelii Nuntiandi (1975) também do mesmo Papa. Aí, libertação é sinônimo de esforço e luta para superar o que oprime e espezinha os povos. Libertação  como termo vai significar a Salvação de Jesus que se dá na história (GALILEA, 1978, p. 21-23).

Contexto social que possibilitou o surgimento da Teologia da Libertação


O contexto social da América Latina fora marcado, nesta época, pela invasão do capitalismo, aumento da pobreza e o militarismo dominante através de regimes totalitários[9]. O marxismo se desenvolve e faz refletir saídas sociais alternativas ansiadas pela América Latina (GONÇALVES, 2007). O social é pensado por aqueles que não estão no poder. Este pensamento se encontra com o teológico. Deste encontro nasce um modo de pensar em que está a Teologia da Libertação.

Comblin (2000, p. 179) diz que há uma continuidade entre todas as nações latino americanas e que todas passaram mais ou menos pelas mesmas fases, embora não havendo simultaneidade entre todas as nações. Com Fidel (1959-1973), em Cuba, nasceu a ideia de utopia possível através de uma sociedade revolucionária. O continente pobre é instigado a pensar numa vitória possível e isto mexe nas estruturas sociais e, até mesmo, uma cultura nova parece despontar. Os golpes militares (1960-1980) que feriram a democracia das nações, fez surgir outros gritos da população, mais defensivos e resistentes. Não era mais o ideal das políticas socialistas, mas uma luta contra a ideologia militar. Quando estes caem (1980-1990) volta o sonho da sociedade igualitária e justa, e certo compromisso com o a liberdade democrática conhecida, que luta com os sistemas econômicos. E assim, vem o contexto neoliberal com ênfase na comunicação e novamente a ideia de que algo novo estava por vir. Não conseguiremos entender a Teologia da Libertação
fora dessas circunstâncias. Antes de qualquer elaboração sofisticada, ela foi a necessidade vital de pensar teologicamente a experiência viva e concreta da comunidade eclesial. De uma experiência que era, ao mesmo tempo, experiência de Deus e responsabilidade pela realidade humana e social. Mais ainda, de uma tomada de consciência da realidade social inseparável de uma experiência espiritual, isto é, de uma exigência de conversão provocada por uma fidelidade maior ao Deus cristão, ao Deus que, em Jesus Cristo, se tinha feito carne e história humana (PALÀCIO, 2000, p.54).
Embora nascida na América Latina, a Teologia da Libertação não ficou restrita ao território eclesial latino-americano. Seja por sua aceitação ou rejeição, sua proposta espalhou-se pelo mundo tornando-se um referencial do pensar teológico que ilumina outros modos de pensar e viver a fé na Igreja e na sociedade. Como afirma Libânio:
Toda teologia é “situada em algum lugar”, mas não necessariamente “ordenada a esse lugar”. Pois pertence à estrutura mesma da teologia se ao mesmo tempo “universal e particular”, “católica e local”. No fundo, todo diálogo ou mesmo toda distinção entre a universalidade e particularidade de toda teologia. A diferença nas particularidades pode servir para fazer realçar a sua universalidade comum. Assim, a verdadeira Teologia da Libertação lança suas raízes no solo das culturas de nosso continente, mas abre-se em maravilhosos ramos para captar o oxigênio da história e do Espírito, que não são particularidades de ninguém, mas criação de todos – história -, ou dom a todos – Espírito. (1987, p.8).

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: Definição e Proposta


Santo Anselmo definiu teologia como fides quaerens intellectum (a fé buscando entender), a fé que busca conhecer a verdade, a fé que busca a luz (BOFF, 1998, p. 25). A reflexão teológica é a inteligência da fé (GUTIÉRREZ, 1979, p. 15). Crê-se em Deus que se revelou e procura entender de que forma esta fé deve repercutir no cotidiano da vida dos crentes, de acordo com sua realidade no diferentes âmbitos. “Deus é o objeto desta ciência” (LIBÂNIO, 1996, p.106). Assim, a teologia é um esforço humano para fazer e apresentar respostas às questões da fé que permeiam a vida dos fiéis, por isso pode se falar em diferentes teologias, uma vez que mudam as fontes que regulam a fé, os lugares e realidades.

No fundo, existe uma certeza que motiva a teologia: Deus revelou-se a nós. A partir da revelação há uma palavra a ser dada, uma realidade a ser refletida, respostas a serem procuradas. Neste desafio se aventura esta ciência sem deixar ao mesmo tempo, de ser fé. Teologia é palavra de homens para homens. Deus também fala na palavra humana. Este homem que fala a partir da intelecção de sua fé procura traduzir o mistério de Deus, consciente de que sua fala é deficiente no que concerne à pessoa de Deus.

Liberdade e libertação

É sempre difícil dar a definição de algo sem roubar ou acrescentar-lhe algo.[10] No entanto, falar de algo é sempre definir. Sobre Teologia falamos acima. Resta-nos falar sobre liberdade e libertação antes de procurar definir Teologia da Libertação.

Liberdade é um conceito amplamente estudado e discutido em todos os tempos.  A razão disso está no homem, que buscando a compreensão de si e do universo, pergunta pela liberdade, tal como um sedento, que não pode esquivar-se da ânsia pelo saciar de sua sede[11]. O homem quer viver do modo mais livre que lhe for possível, por isso se pergunta pela liberdade, tanto individual, como coletiva. Disso decorre uma imensa variedade de compreensões acerca do assunto[12]. Vale mencionar que a pergunta pela liberdade vem sempre posterior ao desejo de libertação (ARENDT, 1998, p.23). Tal libertação vê a cadeia específica e o que é preciso para rompê-la[13]. Por isso, em cada situação há um modo próprio de buscar a libertação e entender o que seja a liberdade.

Apesar de não haver consenso quanto à definição de liberdade, religiões, culturas e civilizações, com suas leis, regimentos e crenças se fundamentaram e construíram seus códigos morais e éticos sempre a considerando como critério indispensável. Também, instrumentos de poder e de domínio se fixaram gerando guerras, atos desumanos e até mesmo atos heroicos em favor do bem comum.

O Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano (1998, p.605ss) traz o conceito liberdade como tendo três significados, apresentados como fundamentais, e que corresponderiam a três concepções que se sobrepuseram ao longo de sua história. Apresenta elencando que
a primeira é a liberdade absoluta, ou seja, incondicional e, portanto, sem limitações nem graus. Assim, é livre aquilo que é causa de si mesmo. Sua primeira expressão encontra-se em Aristóteles. A segunda concepção fundamental identifica liberdade com necessidade. O conceito de liberdade a que se refere é ainda o de causa sui; contudo, como tal, a liberdade é não atribuída à parte, mas ao todo: não ao indivíduo, mas à ordem cósmica ou divina, à Substância, ao Absoluto, ao Estado. A origem dessa concepção está nos estoicos. A terceira concepção apresenta a liberdade como medida de possibilidade. Enquanto as duas primeiras possuem um núcleo conceitual comum, a terceira concepção não recorre a esse núcleo porque entende a liberdade como medida de possibilidade, portanto escolha motivada ou condicionada. Livre, nesse sentido, não é quem é causa sui ou quem se identifica com uma totalidade que é causa sui, mas quem possui, em determinado grau ou medida, determinadas possibilidades. Platão foi o primeiro a enunciar esse conceito.
O cristianismo apresentou a ideia cristã de que todos os batizados são livres[14] na liberdade conquistada por Cristo em sua morte e ressurreição[15]. Esta liberdade se dá em relação ao pecado, raiz de todo mal no mundo. Não é uma liberdade física, social especificamente, mas uma liberdade que é a fonte para a libertação de toda cadeia, fonte para a vida plena (Jo 10, 10). Em Teologia da Libertação, a palavra libertação
pretendia, exatamente, exprimir uma nova consciência histórica, ou seja, um modo novo de compreender a totalidade histórica e, sobretudo,  uma forma nova de se posicionar em relação a ela, que se gestou  a partir da tomada de consciência das desigualdades sociais, culturais, políticas e econômicas que marcam a vida das maiorias em grande parte dos países do mundo (OLIVEIRA, 1998, p. 273).

O ser humano, sujeito desta libertação[16], é convidado a construir uma sociedade livre, com direitos e deveres iguais, com igualdade de condições. A fé vem iluminar esta libertação e possibilitar que as pessoas encontrem os instrumentos para a sua própria humanização que acontece na liberdade.

Teologia da Libertação: definição


Na grande obra de Gustavo Gutiérrez, que deu o nome ao novo modo de fazer teologia da América Latina, Teologia da Libertação (1971), o autor define essa teologia como sendo “uma reflexão, à luz da Palavra do Senhor, aceita na fé, sobre o complexo processo de libertação vivido pelos povos neste continente” (GUTIÉRREZ, 1979, p. 48). Boff (1985, p. 12) diz que
Teologia da Libertação representa mais do que simplesmente teologia. Representa a Igreja de todo um continente e uma Igreja envolvida com o processo histórico de um povo. Por trás da Teologia da Libertação há gente, há luta, há vida. Ela é sintoma de um processo, que é ao mesmo tempo eclesial e social. Atrás dela há um povo e não livros. Trata-se da “pequena diferença” que separa a teoria da prática.

Os pobres e marginalizados constituem o lugar teológico deste modo de refletir a fé[17], uma vez que “a TdL pretende responder teologicamente à pergunta da libertação dos povos dependentes em relações aos países centrais, das camadas dependentes diante das estreitas faixas da sociedades ricas e desenvolvidas” (LIBÂNIO, MURAD, 1996, p.163). Por isto apresenta uma crítica à sociedade, à própria Igreja a partir dos pobres, entendido como “os preferidos de Deus”. Esta teologia recebeu este nome, pois “abordava a temática da libertação. Mereceu o nome de teologia porque versava sobre a fé cristã. Surgiu na América Latina, porque aí se encontrou uma Igreja inserida e em reflexão dentro da situação opressora trabalhada por surtos libertários” (LIBÂNIO, MURAD, 1996, p.168).

Teologia da Libertação: proposta


Como toda reflexão, a Teologia da Libertação propõe um caminho. Esta proposta esta alicerçada nos seus princípios e nas suas metas, bem como no caminho por ela mesmo feito. Assim,  
a teologia da libertação nos propõe talvez não tanto novo tema para a reflexão quanto novo modo de fazer teologia. A teologia como reflexão crítica da práxis histórica é assim uma teologia libertadora, teologia da transformação libertadora da história da humanidade, portanto também da porção dela – reunida em ecclesia – que confessa abertamente Cristo. Teologia que não se limita a pensar o mundo, mas procura-se situar-se como um momento do processo através do qual o mundo é transformado: abrindo-se – no protesto ante a dignidade humana pisoteada, na luta contra a espoliação da imensa maioria dos homens, no amor que liberta, na construção de nova sociedade, justa e fraterna – ao dom do reino de Deus (GUTIÉRREZ, 1979, p. 27).
Quis a Teologia da Libertação, oferecer um novo jeito de refletir a fé, com resposta de libertação para os pobres e oprimidos, com uma mística e uma prática enraizadas na realidade.[18] O relacionamento com Deus torna-se mais horizontal do que vertical. A realidade é o outro livro a ser lido, com tanta atenção quanto à Sagrada Escritura. “Sonha com transformações possíveis e com relações humanas nas que o ser humano é amigo de outro ser humano, e não o seu carrasco. A prática social pode transformar o sonho em realidade histórica” (LIBÂNIO; MURAD, 1996, p.168). Isto é sua proposta! ‘Trata-se de retomar os grandes temas da vida cristã na radical mudança de perspectiva e dentro da nova problemática levantada por esse compromisso. É isto o que busca a chamada “teologia da libertação”’ (GUTIÉRREZ, 1979, p.9).
Leonardo Boff (1980, p. 54) escreveu: “temos uma clara opção de fundo: o que deveras interessa não é a teologia da libertação, mas a libertação histórica de nosso povos. Para tal libertação deve servir a teologia da libertação”. Este movimento latino americano não nasce voltado para si. Seus olhos fixos em Cristo e na ação divina encontraram a realidade sub-humana e quiseram transformá-la. Viram que isto não era suficiente. É preciso uma ruptura, uma libertação. Temos um instrumento para isto: a teologia. A fé o povo já tem. Basta que lhe ofereçamos uma compreensão mais profunda, mais ampla e motivadora. Suficiente é mostrar que Deus quer esta libertação, que ele não se acostumou com essa realidade e não se conforma com o status quo opressor, muitas vezes amparado pelas reflexões nas Igrejas. Por isso
A Teologia da Libertação se propõe fazer de todos os cristãos, também dos pobres sócio-históricos, pobres evangélicos; ela procura, à luz dos desafios que os pobres concretos colocam, pensar e agilizar a dimensão libertadora da fé para que já dentro da história se antecipem os frutos do Reino de Deus, que são principalmente o reconhecimento do Pai, a acolhida da filiação divina, a vida e a justiça para todos e a fraternidade universal (BOFF, C. BOFF, L. 2001, p. 81).
            Podemos dizer de diversas formas as propostas da Teologia da Libertação. Sempre haverá mais a comentar. Em síntese é preciso dizer: a Teologia da libertação entendeu que a teologia tradicional não estava correspondendo ao anseio de vida plena do povo pobre latino americano e desafiou-se a fazer isto em comunhão com as realidades mais sofridas, tendo como objetivo ser veículo da graça divina libertadora e promotora da vida. Propôs-se a ser uma teologia para os pobres, a partir dos pobres e com os pobres, a fim de corresponder à sua vocação natural: falar e refletir sobre os sinais de Deus.

MÉTODO DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO


Toda ciência possui um método. Método “é o caminho pelo qual se chega a determinado resultado, ainda que esse caminho não tenha sido fixado de antemão de modo refletido e deliberado” (HEGENBERG, 1976). Pode ser entendido ainda, como “a ordem que se deve impor aos diferentes processos necessários para atingir um determinado fim. É o caminho a seguir para chegar à verdade nas ciências” (JOLIVET, 1979). A teologia é uma ciência. Segundo Trujillo Ferrari (1974, p. 179), “ciência é todo um conjunto de atitudes e de atividades racionais, dirigida ao sistemático conhecimento com objetivo limitado, capaz de ser submetido à verificação”. Em se tratando de Teologia, encontramos um problema quanto à verificabilidade do objeto, uma vez que Deus se compreende pela fé e não por algo material, sujeito a procedimentos verificáveis.

No entanto, o desenvolver da própria ciência trouxe luz a uma visão de conhecimento verdadeiro bem mais amplo do que a maneira rigorosa de fazer ciência. “Uma vez aceita pluralidade de jogos linguísticos, dos diversos saberes, das diferentes maneiras de conduzir o próprio método, de pautar seu rigor teórico e de fazer parte de uma comunidade científica como expressão moderna de ciência, a teologia faz-lhe pleno jus” (LIBÂNIO; MURAD, 1996, p. 88).

            A teologia da Libertação possui um método próprio. Este método é o VER-JULGAR-AGIR. Compreendê-lo é fundamental para compreender esta teologia que traz como ideal refletir a fé com os pés no chão (BOFF, 1984, p.12). O teólogo Clodovis Boff, em sua tese de doutorado sobre o tema da Teologia e prática: teologia do político e suas mediações[19] trouxe contribuições muito decisivas quanto ao método (TEIXEIRA, 2006, p. 27-65). Para ele,
três mediações entravam na construção teórica da TdL: a mediação sócio-analítica (MSA), a mediação hermenêutica (MH) e a mediação prática (MP). O recurso às “mediações” servia amplamente ao projeto proposto por Clodovis Boff de clarear o objeto da TdL, o seu modo específico de apropriação teórica e a relação entre teoria e práxis. Mas para tanto, deveria ser superada a visão limitada e estática de teologia, entendida como “depósito” de conhecimentos, em favor de uma visão mais dinâmica, ou seja, de teologia processual, de teologia como prática teórica. Um postulado fundamental regia toda a discussão e mostrava a plausibilidade da extensão do campo teórico da teologia: de que o não teológico pode tornar-se teológico mediante uma operação teológica determinada. Justificava-se, assim, a validade da dinâmica teológica da TdL, que tinha por objeto material uma realidade não-teológica, o Político, mas que mediante um processo teórico específico ganharia uma apropriação teológica. (TORRES; TEIXEIRA; EGGERT; SAMPAIO (orgs.). 2006 p. 28).

            Veremos como é este método e a tarefa a qual se propõe. De início “é preciso que fique claro isto: na raiz do método da Teologia da Libertação se encontra o laço com a prática concreta. É dentro dessa dialética maior de Teoria (da fé) e Práxis (da caridade) que atua a Teologia da Libertação” (BOFF, L.; BOFF, C. 2001, p. 42). Trata-se da sua própria identidade .

Ver

O primeiro passo no processo metodológico da Teologia da Libertação é o VER[20] ou momento pré-teológico (LIBÂNIO; MURAD, 1996, p. 174), ou ainda, o momento da mediação sócio-analítica (MSA)[21]. O teólogo está inserido numa situação social, religiosa, cultural e política que fala por si só. A palavra da fé precisa ir de encontro a esta realidade. Mais do que isso: tem a missão de ler os sinais de Deus nos traços da população e de sua história, muitas vezes marcada pelo sofrimento e a exploração. VER é a atitude do teólogo que recolhe naquilo que pode entender dos fatos e situações, a matéria para seu fazer teológico, por isso é pré. E desse modo,
Ao partir de uma situação na qual se experimenta Deus no pobre e em sua luta, o teólogo vê-se solicitado a conhecer melhor essa situação. Defronta-se com dois caminhos: o caminho da experiência comum, do sentido comum, da observação “imediata” ou o caminho da análise científica da realidade. (LIBÂNIO; MURAD, 1996, p. 174).

A Teologia da Libertação fez uso da análise marxista com elementos que permitem captar a lógica opressora do sistema capitalista. Para a mediação sócio-analítica a reflexão marxista contribui uma vez que leva em conta a luta de classes para a libertação das massas.

A realidade social prepara o chão onde a semente da reflexão teológica germinará. VER é estar sensível à ação de Deus nos movimentos populares, nas manifestações culturais, no grito dos excluídos, na questões apresentadas pelas novas gerações, no movimento da história. O teólogo não faz isto de qualquer forma, mas utilizando de todos os possíveis instrumentos da ciência e do conhecimento existente. É uma relação de empatia fértil para a reflexão teológica. “A mediação sócio-analítica olha para o lado do mundo do oprimido. Procura entender porque o oprimido é oprimido” (BOFF, L.; BOFF, C. 2001, p. 44).

Julgar


O segundo passo no processo metodológico da Teologia da Libertação é o JULGAR ou momento propriamente teológico, ou ainda, o momento da mediação hermenêutica (MH) (TEIXEIRA, 2006, p. 27-65).  Depois de ter se apropriado da mediação sócio analítica, o teólogo precisa interpretar o que VIU, àquilo que a realidade lhe possibilitou compreender. A Teologia da Libertação lhe convoca a conectar-se com a Tradição teológica, com a primazia da fé em relação com a Igreja e a Sagrada Escritura. “A mediação hermenêutica olha para o lado do mundo de Deus. Procura ver qual é o plano divino em relação ao pobre” (BOFF, L.; BOFF, C. 2001, p, 44). É o momento da Razão Teológica. A ciência ganha vida, sem estar presa ao método rigoroso das ciências.

Respeitando a fonte, a própria vida que acontece nas periferias do mercado capitalista e dos acordos multinacionais, seriamente se faz a reflexão através da interpretação e conexão entre a fé e a realidade tal qual é, no intuito de fomentar libertação, crendo na ação divina e correspondência humana. “O momento especificamente teológico consiste em trabalhar a pergunta, levantada pela situação, analisada com mediações sociais, à luz da Revelação divina. A teologia elabora já um dado da realidade devidamente interpretado pelos instrumentos da análise social” (LIBÂNIO; MURAD, 1996, p. 174).

Agir


O terceiro passo no processo metodológico da Teologia da Libertação é o AGIR ou momento práxico, ou ainda, o momento da mediação prática (MP). Aqui temos o cume da proposta da Teologia da Libertação: a prática. “A mediação prática, olha para o lado da ação e tenta descobrir as linhas operativas para superar a opressão de acordo com o plano de Deus” (BOFF, L.; BOFF, C. 2001, p, 45). Tudo o que foi VISTO, que foi JULGADO numa reflexão séria e metódica convoca à uma AÇÃO comprometida na transformação da sociedade. Convoca à uma ação que liberta e possibilita o Reino de Deus. É o momento da ação pastoral, pois
a TdL quer ser uma reflexão crítica da própria prática teológica, das práticas pastorais das comunidades cristãs e das práticas politicas-sociais do cristão e do ser humano como tal. Portanto, temos três níveis de práxis; prática intrateológica, intraeclesial e sociopolítica. A teologia não se pode restringir somente a alguma delas (LIBÂNIO; MURAD, 1996, p. 174).
A prática intrateológica quer referir-se ao dever do teólogo de contribuir com a teologia em si. A intraeclesial faz menção ao dever com a vida da Igreja. O teólogo deve propor e questionar a Igreja para que ela continue intermediando a vida de fé dos fiéis de modo fiel ao Evangelho. E a sociopolítica é a intervenção na própria sociedade com os deveres da fé refletidos em consonância com os acontecimentos sociais. A teologia tem uma palavra à sociedade nas suas mais diversas dimensões. Deus é presente na luta do povo. Ele ouve e fala ao homem real, espoliado e manipulado pelos contratos do capital. Para ser verdadeiramente teologia, faz-se necessário a mediação prática.

OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POBRES


 
Quando uma pessoa ama outra, procura de todos os modos saber as preferencias da amada a fim de lhe agradar e corresponder ao amor recebido. O movimento do amor é de sentimento, inteligência e ação. Se algo ou alguém é preferido da pessoa amada, logo passa ser preferida também do amante.[22] Por isso o amante procura conhecer e estabelecer relação semelhante. O amor não diminui na partilha. O amor não se esgota ao dar de si a alguém mais. Amar é tocar o infinito que se desdobra  cada dia. Quanto mais se ama e se torna oblação no amor, mais amor jorra a fonte do coração, pois o amor é o dom dos dons.

Deus é amor e ama. Seu amor não tem limites, mas tem preferência. Deus prefere os pobres como a mãe prefere o filho frágil. Não é um amor excludente, mas inclusivo. Eis a regra para amar e servir a Deus: vender tudo e dar aos que nada tem, pois estes são preferidos por Deus (Lc 18, 22). Quando Deus  quis vir a terra tomou a condição dos seus preferido e nasceu pobre numa gruta da Judeia deu-nos um recado no que se refere a suas preferências. Sua vida simples e sua atitude missionária no anúncio da Boa Nova e defesa dos pequeninos evidenciaram o carinho de Deus pelos marginalizados e oprimidos.[23] Por fim, sua condenação e morte injusta, colocaram-no entre o último dos homens. Deus, na Cruz, desceu a condição mais pobre possível: nu, faminto, sedento, ferido, abandonado, injustiçado, deteriorado, Cristo comungou da mais triste realidade humana.

A Teologia da Libertação, como toda teologia, é um falar do homem sobre Deus em que reflete seu amor e a busca do amor de Deus. Assim, compreendendo os pobres como preferidos de Deus[24], tal modo de fazer teologia entende que é aí que está o rosto mais original de Deus e onde ressoa sua voz. Portanto,
podemos entender a Teologia da Libertação como aquela reflexão de fé da Igreja que tomou a sério a opção preferencial e solidária com os pobres. É  a partir deles e junto com eles que a Igreja quer atuar de forma libertadora. Esta opção não é interesseira e política, como maneira de a Igreja-instituição se colocar ao lado da força histórica emergente/; as classes populares cada vez mais decisivas na condução da história. Ela o faz em virtude de motivações próprias, inerentes à própria fé cristã (BOFF, L.; BOFF, C. 2001, p. 45).

            Dentre todos as possíveis manifestações de Deus, a Teologia da Libertação faz uma opção: o pobre. Esta opção está fundamentada na própria interpretação teológica de que Deus tem preferência pelos pobres, como afirmamos acima.
 

O pobre


 Mas de que pobre estamos falando? Quem é este que tem a preferência de Deus. Onde está? Que rosto tem? Como podemos identificá-lo? Segundo Leonardo e Clodovis Boff (2001, p. 77-81) há dois sentidos para o que denominamos pobre: o sócio-econômico e o espiritual. O primeiro “é todo aquele que é carente ou privado dos meios necessários para a subsistência (comida, vestuário, moradia, saúde básica, instrução elementar e trabalho” (p. 77). O segundo diz respeito a todo aquele que, “embora não seja um pobre sócio econômico, por amor e solidariedade aos pobres sócio-econômicos se faz um deles para junto com eles lutar contra a pobreza injusta e juntos buscarem a libertação e a justiça” (p.80). Pobreza,
no Terceiro Mundo, significa, de fato, estar perto da morte lenta produzida pelas estruturas injustas e opressoras, e da morte violenta originada pela opressão contra os pobres e pelas guerras que são produzidas em países pobres justamente quando estes querem se libertar de sua pobreza. Pobreza é, então, a negação formal e a privação do mínimo a que a humanidade aspira e sobre o que gira toda a história: a vida (SOBRINO, 1994, p. 52-53). 
Em Mateus 6, 33 está expresso a missão de todo cristão: “buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça”. Assim toda atividade do cristão deve-se configurar a esta convocação de Jesus.[25] Com a teologia não é diferente. Sonha-se e se abre caminhos para que o Reino de Deus esteja presente em cada situação. Não há o Reino sem a justiça que igualmente deve ser buscada. Justiça em terras sofridas se chama liberdade, democracia, direito à terra, moradia digna, alimentação, saúde, escola, segurança, trabalho. Por isso uma teologia que se comprometa com o Reino de Deus deve promover à vida do pobre e libertar a sociedade das cadeias do egoísmo e do materialismo para que todos vivam e vivam plenamente (Jo 10, 10). O pobre é sinal deste reino pois clama uma atitude concreta dos cristãos[26] e onde
faz-se a experiência do Reino de Deus. E é este Reino que nos impõe exigências de esperança, de práticas de caridades libertadoras, de decisões urgentes e inadiáveis. (...) O pobre enquanto amado de Deus é sinal do do Reino, que está perto, aí onde está o pobre; o pobre é também sinal da distância, do ainda não do Reino, pois sua existência denúncia o pecado, a injustiça, a falta de fraternidade. Na sua paradoxal condição – amado de Deus e fruto da injustiça, o pobre mediatiza a experiência de Deus da vida. Pois o Deus da vida se faz próximo do povo para que ele viva, e a não-vida do pobre revela pela via do contraste a Deus como vida (LIBÂNIO, 1987, p. 111).
Solidarizar-se com o pobre é cultuar e comungar com Cristo (BOFF, L.; BOFF, C. 2001, p. 74). Como em o 25, 31-46, Cristo diz: “sou eu quem sofro”. No pobre está Cristo como filho de Deus desfigurado, como “humilhado e ofendido” do sentimento popular, como negro, o índio e a mulher (Cf. BOFF, L.; BOFF, C. 2001, p.
51-55). A pobreza. seja como vicio, como atraso, como opressão é o chão onde germina a fidelidade evangélica. Com os pobres e nos pobres é possível fazer uma experiência profunda e fecunda de Deus, por isso “a TdL lança suas raízes e haure sua inspiração última na experiência espiritual de Deus como o Deus dos pobres e na experiência do pobre, como lugar de encontro com Deus, como mediação privilegiada de Deus” (LIBÂNIO, 1987, p. 115).[27] É uma teologia latino americana
elaborada num contexto cristão de pobreza, de dependência, de subdesenvolvimento. Sua preocupação básica é a justiça, a libertação dos oprimidos. Seu interlocutor não é primariamente o não-crente (o povo latino-americano mantém uma forte religiosidade), mas sim o 'não-homem', aquele que a marginalização e a miséria mantêm numa situação subumana (GALILEA, 1978, p. 17).
Esta escolha tem uma missão: dignificar a vida do pobre e com ele buscar libertação. Não é uma opção para si mesma que faz a Teologia, mas para o Reino de Deus e a promoção do pobre, a promoção da vida.

Igreja dos pobres

 

Para a Teologia da Libertação, os pobres estão no centro (FAUS, 2000, p.193). Assim, ela quer propor que a Igreja seja uma Igreja dos Pobres que

pode significar duas coisas: ou que a comunidade dos cristãos se compromete com a libertação dos pobres, mas a partir de uma situação mais “confortável”, exterior ao mundo dos pobres e dos marginalizados; ou que a Igreja entrega sua mensagem de libertação “a partir” dos pobres, inserida ela mesma entre eles (GALILEA, 1978, p. 66).
O Atos dos Apóstolos mostra este comprometimento da Igreja nascente com os pobres. A Igreja é pobre, vive como pobre.[28] Por isso em Gálatas 2, 10, Paulo fala da única recomendação dos Apóstolos a ele:
Por isso, Tiago, Pedro e João, considerados como colunas, reconheceram a graça que me fora concedida, estenderam a mão a mim e a Barnabé em sinal de comunhão: nós trabalharíamos com os pagãos, e eles com os circuncidados. Eles pediram apenas que nos lembrássemos dos pobres, e isso eu tenho procurado fazer com muito cuidado.

É a partir dos pobres que nascem novos ministérios[29], que muda-se a configuração da comunidade, que se organizam mobilizações[30]. Em Efésios 4, 28b está explícito o compromisso do cristão com o pobre: “ocupe-se trabalhando com as próprias mãos em algo útil e tenha assim o que repartir com os pobres. Dar atenção ao pobre é a identidade da religião cristã: Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição[31], e manter-se livre da corrupção do mundo” (Tg 1, 27). Em Puebla a Igreja latino-americana retoma o discurso sobre a opção preferencial pelo pobre. Ao fazer isto
a Conferência de Puebla assumiu a herança de Medellín criando a expressão "opção preferencial pelos pobres", exatamente estas três palavras - pobre, preferência, opção - remeteu aos três conceitos distintos de pobreza material, pobreza espiritual e pobreza como compromisso. A missão da Igreja latino-americana vai se definindo então, em torno desse eixo fundamental: uma missão a partir dos pobres (das vítimas da pobreza), que anuncia a Palavra que se fez carne nos pobres, realizada por uma Igreja existencialmente pobre. Isso se expressa também na estrutura das três grandes partes do Documento de Medellín: promoção humana, evangelização e Igreja (RASCHIETTI, 2008, p. 17).
A Igreja de Cristo é a Igreja dos pobres. Sua preocupação é a evangelização. Evangelizar e proclamar a ressurreição. Ressurreição é a libertação da morte e de tudo o que impede a vida de viver. Ressurreição é a vida resgatada por Deus das trevas a que foi submetida. Optar pelo pobre "é condição necessária e irrenunciável do caráter evangélico da ação da Igreja" (CNBB, 2008, 194). Optar pelo pobre é optar pela ressurreição.

A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO: ATUALIDADE E PERSPECTIVAS



A Teologia da Libertação completou quarenta anos em 2011. Já não é uma criança, nem uma jovem da qual pode se esperar qualquer coisa. Está amadurecida. Teve a receptividade própria da novidade, hora calorosa, hora destrutiva. Dentro e fora da Igreja, a Teologia da Libertação foi elogiada e atacada e assim amadureceu, pois exigiu de seus pensadores e expoentes uma atitude fiel aos princípios que a fazem surgir. Hoje é reconhecida como corrente teológica com fundamentos e propostas claras, fundamentadas e objetivas. Continua sofrendo as mesmas represálias por certos setores da Igreja. Como afirmara Epicuro, “os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades” (GAGO, 2012). Foi por viver todas estas tormentas e manter-se dinâmica que a Teologia da Libertação continua viva, atuante e reconhecida. Ao contrário do que alguns afirmam,
A Teologia da Libertação não morreu. Ela é atualmente mais urgente do que quando surgiu no final dos anos 60 do século XX. Apenas ficou mais invisível pois saiu do foco das polêmicas que interessam a opinião pública. Enquanto existirem neste mundo pobres e oprimidos haverá pessoas, cristãos e Igrejas que farão suas as dores que afligem a pele dos pobres, suas as angústias que lhes entristecem a alma e seus os golpes que lhes atingem o coração. Estes atualizarão os sentimentos que Jesus teve para com a humanidade sofredora (BOFF, 2011).
            É verdade que uma nova geração de estudantes de teologia e de teólogos parece buscar o sentido para a reflexão da fé em outras fontes como a liturgia romana, a dogmática católica, o Magistério atual. A própria fé do povo comum teve mudanças expressivas. As pessoas de nossas comunidades estão tendo como referencia  religiosos e pregadores que outrora não se tinha. A própria relação de fé comunitária nas grandes cidades tornou-se diferente. Se reúne para o futebol, se reúne para os shows de artistas promovidos pela mídia, se reúne em romarias piedosas, mas não se reúne em lutas populares, em romarias do trabalhador (por exemplo), em encontros bíblicos, em celebrações nas comunidades pequenas das periferias. A teologia é afetada por isso, não há como fugir.

            A mídia não fala mais, uma vez que não é o assunto midiático do momento. Há um consenso ideológico e induzido de que aquilo que não é mostrado na mídia, está morto. Tudo isso faz parte de uma luta contra as propostas desta Teologia. Se ninguém que está na liderança da sociedade a valoriza, está pronta a morrer. É diante deste quadro que nos perguntamos: qual é o futuro da Teologia da Libertação? L. Boff responde:
Ela tem o futuro que está reservado aos pobres e oprimidos. Enquanto estes persistirem há mil razões para que haja um pensamento rebelde, indignado e compassivo que se recusa aceitar tal crueldade e impiedade e se empenhará pela libertação integral. Ela não terá lugar dentro do atual sistema capitalista, máquina produtora de pobreza e de opressão. Ela só poderá existir na forma de resistência, sob perseguições, difamações e martírios (BOFF, 2011).
Leonardo Boff também fala sobre o futuro da Teologia da Libertação dentro da Igreja Católica Romana, âmbito em que sempre encontrou grande represarias. Assim se expressa o autor

Mantido o atual sistema, cujo eixo estruturador é a sacra potestas, o poder sagrado, centralizado somente na hierarquia, ela só poderá ser uma teologia no cativeiro e relegada à marginalidade. Ela é disfuncional ao pensamento oficial e ao modo como a Igreja se organiza hierarquicamente: de um lado o corpo clerical que detém o poder sagrado, a palavra e a direção, e do outro, o corpo laical, sem poder, obrigado a ouvir e a obedecer. Na esteira do Concílio Vaticano II, a Teologia da Libertação se baseia num conceito de Igreja comunhão, rede de comunidades Povo de Deus e poder sagrado como serviço. (...) Mas na Igreja instituição, apesar de suas graves limitações, sempre há pessoas, homens e mulheres, padres, religiosos e religiosas e bispos que se deixam tocar pelos crucificados da história e se abrem ao chamado do Cristo libertador. Não apenas socorrem os pobres, mas se colocam do lado deles e com eles caminham buscando formas alternativas de viver e de expressar a fé (BOFF, 2011).

            Assim a Teologia da Libertação mostra-se profética e se abre à outras perspectivas. Silenciada oficialmente por algum tempo na Igreja Católica Romana, encontrou espaços em outras Igrejas ecumênicas que tem a mesma opção preferencial pelos pobres. Vive e dinamiza a vida a partir da fé nas bases populares, nos religiosos sem fama, nas lideranças leigas que habitam o mesmo chão de seus companheiros. Claro,

se alguém quiser encontrar a Teologia a Libertação não vá às faculdades e institutos de teologia. Ai encontrará fragmentos e poucos representantes. Mas vá às bases populares. Ai é seu lugar natural e ai viceja vigorosamente. Ela está reforçando o surgimento de um outro modelo de Igreja mais comunitário, evangélico. Compreenderá que no binômio Teologia da Libertação, o decisivo não é a Teologia, mas a Libertação real e histórica, porque esta e não aquela é um dos bens do Reino de Deus (BOFF, 2011).
            É este tipo de visão que faz a Teologia da libertação não perder sua vocação fundante. O que é importa, no fim de tudo, não é Teologia da Libertação, mas a libertação da Teologia presa à cavernosidade dos interesses particulares. O Reino é dom universal, por isso na sua construção não podem prevalecer interesses alheios a ele. Com os pés no chão de cada realidade, passa-se a refletir na busca dos mesmos horizontes. Assim a genuína Teologia da Libertação acontece no movimento da vida sofrida em busca de libertação, de vida plena conforme o Evangelho de Cristo Jesus.

 


Debates atuais

Recentemente, uma publicação do Frei Clodovis Boff intitulada “Teologia da Libertação e volta ao fundamento” surpreendeu os atuais expoentes desta Teologia e os teólogos como um todo. Surpreendeu pelo fato de ser ele, um dos que mais escreveu e fundamentou as opções e reflexões da Teologia da Libertação, estar criticando-a. Neste artigo da Revista Eclesiástica Brasileira (REB), em agosto de 2007, C. Boff afirma:

Quer-se mostrar aqui que a Teologia da Libertação partiu bem, mas, devido à sua ambigüidade epistemológica, acabou se desencaminhando: colocou os pobres em lugar de Cristo. Dessa inversão de fundo resultou um segundo equívoco: instrumentalização da fé “para” a libertação. Erros fatais, por comprometerem os bons frutos desta oportuna teologia. Numa segunda parte, expõe-se a lógica da Conferência de Aparecida, que ajuda aquela teologia a “voltar ao fundamento”: arrancar de Cristo e, a partir daí, resgatar os pobres”.

O teólogo critica, em suma, três pontos que ele entendeu como assumidos na Teologia da Libertação: o primado dos pobres, a instrumentalização da fé e a pouca importância da transcendência. O que já se esperava, aconteceu. Tais colocações suscitaram reação por parte de teólogos da Libertação que se mostraram contrários à tal opinião. Luiz Carlos Susin e Érico Hammes responderam:
Em réplica, aqui sustentamos que o pobre não é apenas uma decorrência cristológica, mas antes um “lugar teológico” privilegiado para compreender Cristo e Deus do ponto de vista da teologia cristã, inclusive seu teste de veracidade. O artigo debate também a metodologia de Clodovis, que segue uma lógica linear, de sabor escolástico, e não considera suficientemente a complexidade do círculo hermenêutico e a tradição bíblica que obriga a incorporar o paradoxo e o escândalo da quenose como categoria bíblica. Por fim, a categoria de quenose não pode se ater a uma memória textual, mas entra em círculo hermenêutico com a quenose atual dos pobres e de todos os que estão em situação de vulnerabilidade, aos quais é dado o Reino de Deus (2008, p. 277-278)
Leonardo Boff, respondeu em outro longo artigo, tentando refutar as afirmações feitas pelo irmão Clodovis Boff, e afirmou:
Minha suspeita é de que as criticas suscitadas por Clodovis Boff à Teologia da Libertação forneçam às autoridades eclesiásticas locais e romanas as armas para condená-la novamente e, quem sabe, bani-la definitivamente do espaço eclesial. Como as criticas devastadoras provém de dentro, de um de seus mais reconhecidos formuladores, elas podem prestar-se a tal intento infeliz. A impressão que sua argumentação provoca é de alguém que se despediu e já emigrou da Teologia da Libertação, daquela 'realmente existente' que, na verdade, é a única que existe e se pratica nas Igrejas. Esta teologia é atacada em seu núcleo definidor porque cometeu, segundo ele, um 'erro de princípio, grave para não dizer fatal...falha 'mortal' que, levada a termo, termina pela morte da Teologia da Libertação' (REB 1004 e 1006). (...) Tais acusações são de grande monta e nos lembram os textos acusatórios de figadais inimigos da Teologia da Libertação dos anos 80 do século XX (BOFF, 2008, p. 701-702).
            Clodovis pôde escrever uma réplica às afirmações dos teólogos da Libertação que atacaram seu artigo. Nela sustenta que "o fundamento da teologia é e só pode ser Cristo e não outro, mesmo o pobre". Além disso, segundo ele, permanece e se confirma, na base da Teologia da Libertação, "uma perigosa e nefasta ambigüidade", e, por isso, "é preciso repropor a TdL, assentando-a, sem equívocos, no fundamento da fé" (BOFF, 2008, p. 892-927).

Todo esse movimento mostra a vida que corre nas veias da Teologia da Libertação. Na dialética dos argumentos, a favor e contra, ela segue seu percurso propondo o saber da fé como algo que brota do chão, do coração, da inteligência, das mãos e dos pés de quem ousa fazer a experiência de fraternidade entre os pobres, no meio do mundo. Convoca a Igreja e pensar e repensar sua prática, no intuito de que o Reino de Deus seja sempre prioridade.


Conflitos recentes em torno da Teologia da Libertação


A relação entre teólogos e a Igreja nem sempre foi tranquila. De um lado vê-se a Igreja com a missão de conduzir os fiéis e, por isso sempre cautelosa, vigia qual pastora do rebanho do Mestre; de outro, os teólogos querendo trazer à luz, um novo modo de viver e pensar a fé em consonância com a realidade. Em muitos casos, sob a ideia de cautela, a Igreja deixou na penumbra sua missão de ser sinal e instrumento do Reino de Deus. Os teólogos então, com maestria e sensibilidade buscam acender luzes. A reação por parte da hierarquia Romana, por vezes, foi severa.

Alguns conflitos: em 2007 tivemos a teóloga Elizabeth Johnson com a obra Em busca do Deus vivo. Esta obra foi levada por alguns bispos, à Comissão para a Doutrina da Fé da Conferência dos Bispos dos EUA. Em março de 2011, a Comissão emitiu uma nota em que se afirma que o livro de Johnson está cheio de "distorções, ambiguidades e erros”. Em 2010, a mesma Comissão criticou o trabalho de dois teólogos norte-americanos, Todd A. Salzman e Michael Lawler, pelo livro A pessoa sexual. Roger Haight, com a obra Jesus, Símbolo de Deus, também recebeu a mesma reprimenda que o proibiu de ensinar e publicar obras teológicas. Em fevereiro de 2011, um grupo de mais de 270 teólogos alemães publicou um memorando intitulado Igreja 2011: Um reinício necessário afirmando que a Igreja tem uma desesperada necessidade de "reformas profundas e radicais" e convocam a Igreja institucional a desenvolver "a coragem da autocrítica". (ROSS; WILFRED, 2012).

Na Espanha, José Antonio Pagola, com a obra Jesus. Aproximação histórica, também sofreu a severidade da Cúria Romana. Recordamos ainda, de Ivone Gebara, silenciada em 1995, do jesuíta Jon Sobrino, sentenciado em 2007, de Tissa Balasuriya, Hans Küng, Charles Curran, Roger Haight, Edward Schillebeeckx, Juan José Tamayo, Tony Flannery, Sean Fagan, Owen O’Sullivan Gerry Moloney entre outros (ROSS; WILFRED, 2012).

Temos também o caso de Andres Torres Queiruga (BEDOYA, 2012). Trata-se de uma notificação de 20 páginas, publicada no dia 03 de março desde 2012, em que a Comissão para a Doutrina da Fé da Conferência Episcopal Espanhola afirma que o teólogo apresenta sete erros doutrinais e por isso lhe tira o direito de ensinar teologia (GONZÁLEZ; RICO, 2012). Ele manifestou-se triste e não atendido no seu pedido de diálogo (STRAZZARI, 2012). O segundo diz respeito à teóloga Ir. Margaret Farley. A Congregação para a Doutrina da Fé condenou sua obra Apenas amor: Um marco para a ética sexual cristã, afirmando que o livro "não pode ser usado como uma expressão válida da doutrina católica" (LEVADA; LADARIA, 2012) porque discorda do magistério hierárquico em assuntos como masturbação, atos homossexuais, uniões homossexuais, indissolubilidade do casamento, divórcio e segundo casamento (FILTEAU, 2012).
            Os conflitos parecem se encaminhar de um modo diferente com o Papa Francisco a frente da Igreja. De fato, a verdade que se almeja não pode vir do autoritarismo, mas da reflexão dialogada. O saber da fé precisa ser um saber que brota do brusco da vida e não de uma ditadura à margem. Também é necessário saber que a Igreja precisa cuidar do tesouro evangélico e não pode aplaudir toda reflexão. Parece-nos, pois, que aceitação ou retaliação encontra seus maiores obstáculos na questão do método como são aplicadas. Francisco nos aponta para o diálogo, meio em que realmente a teologia.
CONCLUSÃO
Não se reconhece a força, a veracidade e a importância de algo apenas pelo fato de se mostrar relevante em algum momento da história. O cristianismo, por exemplo, foi encarado no início de sua história como mais uma doutrina ou mais um movimento com data marcada para morrer. Mas não aconteceu assim. Isto porque tinha algo a dizer às pessoas e era verdadeiro o que propunha. Sua força não estava nas armas, no poder imperial, nas revoluções violentas, em uma tradição, mas um caminho de vida, de liberdade, de respostas às questões que incomodavam no fundo da existência da humanidade. Assim, passou-se o tempo, morreram os reis, os perseguidores, os sistemas, até mesmo os Apóstolos e o cristianismo continuo vivo e sempre crescente. “O que tem de ser, tem força”, afirmamos na introdução deste trabalho, o que dissera o poeta.
            Mais de quarenta anos se passaram desde o início da Teologia da Libertação. Muita coisa aconteceu. A América Latina e o Caribe não são os mesmos de trinta anos atrás. A Igreja caminhou enquanto o mundo pisou no acelerador. Tivemos a ascendência da esquerda no governo de muitos de nossos países. Muitas leis foram promulgadas em benefícios dos indígenas, negros, desempregados, das mulheres, das crianças, dos jovens. Vimos religiosos e leigos serem assassinados por causa do Evangelho Libertador, vimos propostas que não deram certo, gente que mudou de lado quando assumiu o poder e tivemos até a mudança de Papa. No meio de tudo isto, continua vigorosos a Teologia da Libertação. É fato de que ainda não é bem aceita no meio romano, que muitos teólogos não souberam trilhar o caminho que esta teologia propunha, que alguns até pregaram sua morte. Apenas especulação. A Teologia da Libertação fez a Igreja latino-americana se destacar no mundo como Igreja dos pobres e com os pobres. Fez a Igreja toda pensar. Pensar através dos mais pequeninos. Pensar com o coração e a inteligência de Cristo
 
Mas não é vocação da Teologia da Libertação aquietar-se. Se conquistou muita coisa na Igreja e na sociedade, há um tanto ainda para ser discutido com seriedade. Os desafios da realidade atual são muitos. Nossa realidade está sendo descristianizada, nossos pobres sofrem outros tipos de abandono, como tanto recordo o Papa Francisco. É preciso pensar e propor mais para a vivência fiel da fé. É preciso libertar.
            Entre tudo isto, olhamos para a Teologia da Libertação como um sinal de esperança. Cremos que ela é dom do Espírito Santo dado a Igreja e por isso buscamos compreendê-la. Estudar sobre este tema gigantesco, encanta, inquieta, desafia. Acima de tudo, convoca a uma atitude: ser protagonista nesta história. Quiséramos poder ter a mesma fidelidade, coragem, dinamismo e ousadia dos precursores deste modo de fazer teologia. Oxalá pudéssemos dar o passo decisivo neste campo: passar do discurso para a prática; à luz da fé, pensar Deus e a realidade povo sofredor, refletir Deus nesta realidade e falar de Deus, apenas depois de o tê-lo ouvido na voz de quem nunca pode falar!

REFERÊNCIAS


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[1] “O que tomou a palavra é o sofrimento originado por uma pobreza em massa, cruel, injusta, estrutural e duradoura no Terceiro mundo. E dessa pobreza se diz, além disso, que irrompeu, quer dizer, que não se chegou a ter notícia dela ou a declará-la como o fato maior por pura reflexão ou análise, mas porque ela mesma tomou a palavra em forma de clamor inocultável, “claro, crescente, impetuoso e, em alguns casos, ameaçador”, como diz Puebla (n.89). O fato maior tem, portanto, um conteúdo objetivo: a pobreza; mas esse conteúdo, porque irrompeu, corresponde hoje inevitavelmente ao sujeito e não permite que ele seja mero espectador. Para a teologia da libertação isto significa que confrontar-se com a realidade é confrontar-se com essa pobreza e que esse confrontamento não é optativo e sim inevitável” (SOBRINO, 1994, p. 49).
[2] Cf. GALILEA, 1978, p.17.
[3] Há uma reflexão feita por Benjamim Forcano, sobre o surgimento da Teologia da Libertação, que nos faz refletir. Diz ele: “a Teologia da Libertação (TdL) não começou nos anos 70. Em 1492 acontece o chamado ‘descobrimento' da América Latina; e, em 1511, um frei dominicano, Antônio de Montesinos, em nome de sua comunidade e ante as autoridades da Isla La Española (hoje República Dominicana), disse, com referência aos indígenas e ao tratamento que estes recebiam: "Por acaso, não são homens?. Foi a primeira pergunta de uma história de libertação, como muito bem explicou o professor Reyes Mate, em conferência sobre esse tema. Podemos, então, dizer que a história da TdL começou há 500 anos, em 11 de dezembro de 1511. (FORCANO, 2012).
[4] “Libertação exprime, em primeiro lugar, as aspirações das classes sociais e dos povos oprimidos, e sublinha o aspecto conflituoso do processo econômico, social e político que os opõe às classes opressoras e aos povos opulentos” (GUTIÉRREZ, 1979, p. 44).
[5]A busca da libertação do subcontinente vai mais longe que a superação da dependência econômica, social e política. Consiste, mais profundamente, em ver o devir da humanidade como um processo de emancipação do homem ao longo da história, orientado para uma sociedade qualitativamente diferente, na qual se sinta o homem livre de toda servidão, seja o artífice de seu próprio destino” (GUTIÉRREZ, 1979, p. 87).
[6] Medelín constitui o foi o verdadeiro "divisor de águas" na história da igreja do Continente, de tal modo que se pode falar do "antes de Medellín" e do "depois do Medellín" (BOFF, 1998, p. 570).
[7] “As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) (...) são fruto da "opção pelos pobres" feita pela Igreja do Continente e a instância operativa da Teologia da Libertação. As CEBs nasceram logo nos inícios dos anos 60, portanto, antes de Medellín, mas essa Assembléia as legitimou e generalizou. Para Medellín, a "Comunidade de base" é uma "comunidade local ou ambiental, que corresponde à realidade de um grupo homogêneo e que tenha uma dimensão tal que permita o trato pessoal fraterno entre seus membros"(n. 10). Trata-se do "primeiro e fundamental núcleo eclesial", "célula de estruturação eclesial e foco de evangelização" e "fator primordial de promoção humana e desenvolvimento" (n. 10). A partir das "Comunidades Cristãs de Base" (é assim que então vêm chamadas), redefine a paróquia, que passa a ser "um conjunto pastoral unificador das Comunidades de base" (n. 13).” (BOFF, 1998, p. 575).
[8] “Podemos afirmar seguramente que a ídéia de teologia da libertação adquirem estatuto eclesial na Conferência de Medellin.” (GALILEA, 1978, p. 22).
[9] “As ditaduras, que surgiram no Continente a partir dos meados dos anos 60 e de que os grupos dominantes lançaram mão para sustar o ascendente movimento popular, foram um elemento precipitador no sentido de as igrejas de cada país buscarem seu próprio caminho. De fato, quase todos os países da América Latina, nas décadas de 60 e 70, caíram sob regimes militares violentos: o Brasil em 1964, a Argentina em 1966, a Bolívia em 1971, o Uruguai e o Chile em 1973, o Peru em 1975, o Equador, em 1976 e assim por diante. E não falemos ainda das ditaduras, então já "crônicas", como as de Strossner, no Paraguai, de Duvalier no Haiti, de Somoza em Nicarágua, de Duvalier em Santo Domingo, e das poucas e fracas democracias, como as da Colômbia e da Venezuela” (BOFF, 1998, p. 569).
[10] Nenhum tema é apenas o que aparece na forma linguística que o expressa. Há sempre algo mais oculto, mais profundo, cuja explicação se faz indispensável à sua compreensão geral. Desta forma, escrever sobre um tema implica em buscar, tanto quanto possível, romper as aparências enganosas que podem conduzir-nos a uma distorcida visão de si mesmo. Isto significa que temos de realizar o esforço difícil de desembaraçá-lo destas aparências para apanhá-lo como fenômeno dando-se numa realidade concreta” (FREIRE, 1981, p.96).
[11] Sartre expressou algo similar ao dizer: "Estou condenado, a existir para sempre para além da minha essência, para além dos móbiles e dos motivos do meu ato: eu estou condenado a ser livre" (SARTRE, 1998, p.595).
[12]  Que basicamente se evidenciam, com mais ênfase, em dois pólos divergentes: o determinismo e o livre-arbítrio. (Cf. DIAS, 2004, p.91) “O determinismo é a opinião de que todos os acontecimentos são causados (...) o acontecimento está de tal modo ligado a outro fato precedente, que, a menos que essa tivesse ocorrido, aquele também não teria acontecido.” (BLANSHARD, 1964, p.19) “Por livre-arbítrio se entende normalmente a capacidade do indivíduo deliberar livremente. Deliberar livremente foi uma condição já apontada por Aristóteles, denominada por ‘agir voluntário’.” (NAPOLI, 2009, p.73-88). “A noção de livre-arbítrio é baseada na autonomia da vontade como faculdade da alma, que é livre para assentir em uma coisa, ou um desejo, entre vários. (REZENDE, 2006, p.20).
[13] “A liberdade está ligada ao seu oposto, aos mais variados tipos de escravidão e servidão.” (DIAS, 2004, p.9).
[14] Do pecado, principalmente, pois para os cristãos, essa libertação só poderia ser concedida por Deus.
[15] Cf. Hebreus 9, 11-14, Romanos 6, 6-11 e João 8, 32 (BÍBLIA SAGRADA Edição Pastoral, 1991).
[16] “Libertação é libertação do oprimido. Por isso a Teologia da Libertação deve começar por se debruçar sobre as condições reais em que se encontra o oprimido, de qualquer ordem ele seja” (BOFF, C. BOFF, L. 2001, p. 45).
[17](...) a partir do lugar “teológico dos pobres”, se entende melhor quem é Cristo. O filho de Deus não só deu preferência aos mais necessitados de cura, da dignidade e de justiça, mas identificou-se com os pequeninos, de Belém á Cruz, e até o dia do juízo final, conforme Mt 25. (...) A partir do ‘lugar teológico dos pobres’ se entende melhor quem é o ser humano. (...) A partir do ‘lugar teológico dos pobres’ se entende melhor a essência e a identidade da Igreja servidora... A partir do ‘lugar teológico dos pobres’ se entende melhor que é Deus, seu modo de atuar, de ser, e inclusive seus sentimentos e prioridades” (SUSIN, 2007, p. 328-329).
[18] Antes de existir como teoria teológica, a libertação foi uma prática pastoral e social. A Pastoral social dos inícios dos anos 60, testemunhada pelos Bispos proféticos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), pelos Leigos comprometidos da Ação Católica Brasileira (ACB) e pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), foram, por assim dizer, a "teologia da libertação em ato I" (BOFF, 1998, p. 573).
[19] BOFF, Clodovis.  Teologia e prática. Teologia do político e suas mediações. Petrópolis: Vozes, 1978.
[20] Denominação mais simples e de cunho pastoral.
[21] Cf. BOFF, Clodovis.  Teologia e prática. Teologia do político e suas mediações. Petrópolis: Vozes, 1978.
[22] É neste sentido que afirma o Documento de Puebla (nº 1142) “A nossa Igreja deve ser a Igreja dos pobres”.
[23] "Assim como Cristo consumou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, assim a Igreja é chamada a seguir o mesmo caminho... Cristo Jesus... ‘despojou-se a si mesmo, tomando a condição de servo’ e por nossa causa ‘fez-se pobre embora fosse rico’, da mesma maneira a Igreja... não foi instituída para buscar a glória terrestre, mas para proclamar, também com seu próprio exemplo, a humildade e a abnegação.
Cristo foi enviado pelo Pai para ‘evangelizar os pobres, sanar os contritos de coração’, ‘procurar e salvar o que tinha perecido’, semelhantemente a Igreja cerca de amor todos os afligidos pela fraqueza humana, reconhece mesmo nos pobres e sofredores a imagem de seu Fundador, pobre e sofredor. Faz o possível para imitar-lhes a pobreza e neles procura servir a Cristo" (LG, 8).
[24] A Teologia da Libertação tem sua experiência espiritual fundante no pobre (LIBÂNIO, 1887, p. 103).
[25] “A atividade pública de Jesus centrou-se no anúncio do Reino de Deus (...). Mas como Jesus entendesse que o Reino era de preferência para os pobres, sua prática entrou objetivamente em conflito com as autoridades de seu povo, autoridades cujo poder repousava sobre uma lei religiosa (...) Não era intenção dele tomar o poder, mas usar a força dos fracos para desmascarar a falsidade da legitimação religiosa para o poder do templo e dos fariseus (...). Jesus reconhecia que somente a força de Deus dava sentido a uma política que partisse dos pobres e dos fracos” (PIXLEY, BOFF, 1986 p.37-169).
[27] Jon Sobrino faz uma afirmação radical. Diz ele: “Fora dos pobres não há Salvação!”
[28]Neste contexto, uma Igreja pobre, que faz a opção pelos pobres “denuncia a carência injusta dos bens deste mundo e o pecado que a engendra; prega e vive a pobreza espiritual como atitude de infância espiritual e abertura para o Senhor; compromete-se ela mesma com a pobreza material” (DM, Pobreza da Igreja, 5). Por isso que “a pobreza da Igreja e de seus membros na América Latina deve ser sinal e compromisso: sinal do valor inestimável do pobre aos olhos de Deus; compromisso de solidariedade com os que sofrem” (DM, Pobreza da Igreja, 7).” In: RASCHIETTI, 2008, p. 17.
[29] A instituição do Diaconato, por exemplo (At, 6, 1-6).
[31] Itálico nosso. O órfão e a viúva são sinônimos do pobre mais pobre, sem direitos e amparos da sociedade.

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