Solidão - Periferia Existencial
"Estou
só. E meu coração angustiado. Sinto-me abandonado... Esta solidão que me assola. Não
sei o que acontece comigo. Às vezes estou rodeado de gente. Não é o suficiente.
Às vezes ninguém vem me ver e eu não tenho como ir atrás deles. Então...
então..."
♫ “Meus desassossegos sentam na varanda, pra matear
saudades nesta solidão. Cada por de sol, dói feito uma brasa, queimando
lembranças, no meu coração. Vem a noite aos poucos, alumiar o rancho, com estrelas
frias, que se vão depois. Nada é mais triste, neste mundo louco, que matear com
a ausência, de quem já se foi. Que desgosto o mate, cevado de mágoas, pra
quem não se basta, pra viver tão só. A insônia no catre, vara a madrugada, neste
fim de mundo, que nem Deus tem dó.”♫ (João
Chagas Leite).
“Matear com a solidão!” Muitos têm sentido
isso. Sentem um vazio de afeto e cuidado. A solidão é uma categoria existencial
que deixa as pessoas à margem da vida, do movimento comum da existência. É uma dor
real da qual a comunidade tem muita responsabilidade em ajudar a curar. O
evangelho que acabamos de ouvir nos mostra Jesus enviando os discípulos para
tirar o mundo da solidão, para ir as periferias existenciais. “Periferia existencial”
é uma expressão do Papa Francisco para nos fazer entender que muitas pessoas
encontram-se à margem da vida, sentem-se esquecidos pelos seus. Sua existência
não tem importância, por isso ficam distante dos nossos olhos e de nossa
atenção.
Vou falar de duas solidões: aquela à qual
nós submetemos os outros e aquela à qual nós, tantas vezes, nos encontramos
submetidos.
Com ascensão do novo modelo de sociedade
baseado na produção e lucratividade, diante das crises políticas e econômicas, nós
passamos a viver em função da sobrevivência e acabamos diminuindo o valor do
encontro livre e gratuito para curtir a vida com as pessoas de nossa família e
comunidade. E fomos deixando de lado nossos velhinhos, nossos pobres, nossos
irmãos com depressão, nossos amigos de antes. Mas o Papa diz que é nosso dever
ir às pessoas que estão nesta solidão por causa do abandono dos seus. Ir à
periferia existencial de quem não é visitado, valorizado. Escutar as pessoas,
mesmo que repitam suas histórias. Dar-se a eles. Crianças demais com “os outros”,
com a televisão e tantos meios. Falta humanidade. Falta encontro, falta
gratuidade, falta paciência, falta descobrir o encanto por quem tem nada a nos
oferecer. E sobra, sobra SOLIDÃO. Quantas vezes em casa nós nos trancamos no
quarto e não conversamos com as pessoas. “Como foi o seu dia?” “Você está bem?”
“Estou te sentindo diferente!”
Os preconceitos que carregamos condenam
muitos à solidão. Deixo aquela pessoa de lado porque tem uma coisa nela que eu
acho que a faz inferior. Está errado! Jesus nos enviou, não para condenar as
pessoas, mas para tirá-las da solidão, para entrar em sua casa, para levar a
paz. Qual foi a última casa de uma pessoa muito pobre, ou de outra cor de pele,
de classe social menos favorecida, doente e já com muito esquecimento que você
entrou? Qual foi?
Quantas vezes nós isolamos! Isolamos
pessoas, isolamos instituições, isolamos situações. Cada família tem que
resolver seus problemas sozinha, a Igreja tem que dar conta sozinha, a escola
tem o dever de educar sozinha. Estamos deixando tudo só. Estamos isolando e
ERRANDO o caminho. Sozinha nenhuma instituição resolve seus problemas, nem
mesmo nossas famílias. É em comunhão, em comunicação, em partilha, tirando da
solidão, unindo as mãos que encontraremos as soluções para o que nos aflige.
Não! Não submeta tudo à solidão. É funesto. Faz adoecer nossa sociedade. Cuide
dos seus pais, cuide dos seus avós, cuide de suas crianças. Brinque, conte
histórias, visite, prepare o chimarrão, o cafezinho, escute. Não espere a morte
para fazer homenagens e não espere as homenagens para morrer de amor. Faça
estas coisas gratuitas. Tome o lugar dos “desassossegos que sentam na varanda
pra matear saudade na solidão” e mateie belas lembranças, carinho, respeito e
alegria, mesmo que o outro te partilhe dores e sofrimento, mateie sendo um ser
humano com outro ser humano, tocando-lhe a alma.
Agora, vamos pensar naquela solidão que
você e eu nos encontramos muitas vezes. Solidão é
um sentimento no qual uma pessoa sente uma profunda sensação de vazio e
isolamento. É uma dor de verdade. Quando a gente não encontra mais a amizade, o
carinho, o respeito, a companhia de alguém que nos preencha. Quando as relações
se tornam superficiais e a gente não se sente contemplado. E muitas vezes nós
somos os culpados, porque temos medo de nos dar nas relações, porque estamos
convivendo como eternos carentes, porque nos preocupamos em manter aparências e
desenvolver papéis que nos cabiam. Porque nunca soubemos valorizar quem estava
próximo com ternura e gratidão. E hoje os que estão perto da gente aprenderam
muito bem, por isso também não nos dão isso. Pais e mães que só souberam ser
enérgicos e se preocuparam com o pão de cada dia. Mas, “não só de pão vive o
homem”. De afeto e carinho também. E os filhos estão devolvendo como
aprenderam. Quantas vezes, rodeados por tanta gente e nos sentimos só. Porque
nós temos muitos que nos acompanham, mas quando vamos procurar alguém para lhe
falar de nossas misérias, para mostrar que não somos só vitória, que temos
pecados e falhas, não encontramos ninguém. E isto é estar só na multidão.
O medo de dar-se, de arriscar nas relações
nos deixa só. Quanta gente só porque não tem coragem
de comunicar o que sente, ficando a comunicação num nível superficial,
ilusório, que não tira ninguém da solidão! Quanta
gente na solidão por causa de um amor que não deu certo! Quanta gente na
solidão por causa de alguém que morreu, “mateando com a ausência de quem já se
foi”! Deixa partir quem se foi e faça-lhe uma homenagem reconquistando tua
felicidade!
E muitos, depois de passar por todas as
fazes, começa a culpar Deus: “De mim, nem Deus tem dó!”. Mas se tem uma coisa
da qual devemos ter certeza é essa: nenhum mal que chega a nós vem das mãos de
Deus! Nenhum mal que chega a nós vem das mãos de Deus! Nenhum!
O
que faço, então, padre, para sair dessa solidão que me angustia? Faça o
caminho de volta. É o mesmo que te fez chegar neste sentimento de solidão, mas,
agora, ao contrário. Comece com uma decisão. Depois, desenvolva teus
talentos, a inteligência e as habilidades, alargando o próprio mundo e
adquirindo elementos que permitirão entrar em contato com outros mundos. Participe
de grupos, não se isole em casa. Assuma um trabalho pastoral na Igreja. Além
disso, busque dentro de si mesmo alegria e espontaneidade, que, com certeza,
atrairão a amizade e companhia das outras pessoas. Cara de azedo, reclamações,
fazer-se de coitadinho não atrai ninguém. Não seja mendigo de afetos. Seja
protagonista da sua história. Isto sim, atrai as pessoas. Pare de xingar! Pare
de reclamar! Pare de pôr defeitos nos que os outros fazem! Pare de ficar
contando desgraças. Pare de se achar o último do mundo! Isso exorciza a
solidão. E faça o bem! Descubra seu lugar no mundo!
Que cada pôr do sol não doa feito uma
brasa queimando lembranças em seu coração. Nosso Padroeiro Santo Antônio foi um
dos mais fieis discípulos de Cristo. Nós não estamos esquecidos ao ocaso. Deus
está conosco, caminha conosco, nos ajuda. Vamos com Ele às periferias
existenciais e exorcizemos a solidão que nos assola. Egoísmo traz solidão,
marasmo também. Sejamos missionários da paz de Deus, da companhia perene do
Senhor, do seu amor. Nos asilos, prisões, hospitais, nas casas de muitos falta
o milagre de uma visita, de uma conversa, de uma presença. E você é este milagre.
Vá às periferias existências onde reside as trevas da solidão e leve a luz de
Jesus Cristo, o calor de Cristo. Ajudar custa o que você pode. O que você não
pode é deixar de ajudar.
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