O Sacramento da Penitência e o ato da Confissão


Para nós não é novidade a preocupação, a hesitação e o medo da confissão de nossos catequizandos. Nos planejamentos para a Primeira Eucaristia tudo vai muito bem, com grandes expectativas e perguntas alegres e variadas da parte deles. Mas, basta tocar no assunto da confissão e eles parecem dar um passo atrás, o empolgamento cessa. Se pudessem, não a fariam, não se confessariam. Até nós, às vezes, também pensamos: “É, nem sei se eles tem pecados pra se confessarem,... talvez, se não fosse preciso se confessar, seria mais fácil,... será que não teria como o padre dar a absolvição a todos de uma vez só?...” Sim, muitos de nós não tem tanta familiaridade com este sacramento e ainda se sente desconfortável. Isso não é erro, faz parte do processo de amadurecimento na fé, não há porque ter vergonha de admitir, mas precisamos crescer. Um modo de fazer isto é rezando, exercitando-se no sacramento e refletindo. Vou agora então, oferecer uma reflexão simples, elencando alguns pontos, que talvez possam nos ajudar na orientação de nossos amados catequizandos e a nós mesmos.

1)      A confissão faz parte do Sacramento da Penitência, mas não é todo ele. O Sacramento da Penitência envolve: preparação, oração, exame de consciência, arrependimento, confissão, absolvição e reparação. Enfocamos muito o fato da confissão, mas na verdade, em cada passo, Cristo está agindo com sua Misericórdia e Compaixão. Misericórdia significa: ter o coração nas misérias – imagine uma mãe que corre para tirar o filho do meio de uma poça de lamas. Ela se suja com a sujeira do filho. A diferença é que a mãe não vai, de forma alguma, ingerir aquela lama, já a criança pode até se afogar. Com Deus é assim também. Ele une seu coração à nossas misérias para nos resgatar, mas nunca o pecado é maior do que seu amor. Compaixão significa: sofrer junto, (compadecer-se, padecer com). É isto ai: o processo de sofrimento de cada pessoa em pecado é assumido por Deus. Deus sofre com a gente, mas seu sofrimento possui dimensão redentora, como um pai que sofre por enviar sua filhinha sozinha para a escola, mas sabe que ela precisa se desafiar para ser sempre mais independente. Então ele sofre junto com ela, mesmo fazendo cara de durão. E até chora escondido... mas não desiste de insistir que ela se desafie. A catequista deve esclarecer que desde o primeiro encontro de catequese, o Sacramento já começou a se realizar – a preparação. Deve mostrar que no exame de consciência é o Espírito de Deus que vem iluminar para que reconheçamos nossas faltas e nos tornemos livres pelo arrependimento e perdão de Deus. Sim, o arrependimento é graça de Deus, a gente sozinho não o faz, é um imã de Deus, que nos atrai porque nos quer unido a Ele. Arrependimento neste contexto significa: “eu não quero mais isso para mim, pois isso me prende. Eu quero possuir a liberdade e a alegria dos filhos de Deus, amar e ser amado no amor de Deus, no amor humano que Deus propõe e impulsiona.” Depois de todo esse processo repleto da graça carinhosa e santificante de Deus é que vem a confissão, que se dá num encontro pessoal, único, sigiloso e fraterno com o padre. O padre como um pai, como um irmão, como um anjo de Deus vai ouvir a confissão, aconselhar o caminho certo e conceder a absolvição, limpar a alma de toda sujeira, quebrar toda algema, toda prisão, aliviar o fardo, vestir a pessoa com a graça de Deus. Depois vai sugerir um ato reparador. Quando a gente estraga alguma coisa, é justo e certo que concertemos, quando podemos. Se esquecemos de dar água à uma planta que está dentro de nossa casa, quando lembramos ou alguém nos chama a atenção, a primeira coisa que fazemos é ir dar água a ela. O perdão de Deus exige ação: que concertemos o quebrado, lembremos o esquecido, cuidemos do debilitado, honremos o compromisso assumido e voltemos à luz. Tudo isso tem que ser acompanhado de oração, que é o diálogo com Deus. Tudo isso é por si só, oração, mas um bom ato de contrição, o pedido da intercessão dos santos, dos anjos e da Virgem Maria, ajuda. Então, que se reze com palavras próprias, com palavras da Igreja, da bíblia, que sempre se reze. Esse sacramento chama-se Penitência porque exige humildade, pequenez da alma e certo “sofrimento”. Quem ama sofre ao perceber que machucou a pessoa amada. Quem quer bem, sofre com o distanciamento, “pena” por não conseguir ver o rosto da pessoa amada. Se não houver esse aspecto para a confissão, ela não se dá em sua plenitude. Entendem então, o que quero dizer? O cansaço vale a pena, só se levou para o lugar onde se queria ir. É uma penitência caminhar, mas é uma graça se a caminhada árdua leva aos braços da pessoa amada.

2)      O medo. Esta característica presente nos adolescentes e que vem do ato da Confissão, no meu modo de entender, surge da interpretação errada que formamos da realização desse sacramento. Para que ele de fato seja um momento de graça na vida de qualquer pessoa, é necessária a convicção do ato Misericordioso de Deus. Nem sempre nos damos conta de que isto, para muitos, não é evidente. Deus ama a cada um em especial, conhece o íntimo e deseja que tudo em nós seja santificado, iluminado por sua graça, fortalecido por sua presença. É preciso falar disso e mostrar com nossos gestos de ternura e responsabilidade.

3)      Ato exigente. Se Deus nos ama, jamais iria instituir algo ruim e nos submeter a isso. A Confissão é algo muito bom, mas sabemos que nem tudo o que é bom necessariamente tem gosto agradável, aparência atrativa, sensação prazerosa. Basta, por exemplo, lembrar, de alguns remédios, injeções, alimentos não saborosos e atraentes... se nos basearmos na primeira impressão, nunca tomaremos tais coisas como boas para nossa vida. A confissão é exigente, não podemos negar, mas é exigência necessária para a purificação. Uma injeção pode doer bastante. Só que há casos em que só uma boa injeção ajuda na recuperação da saúde. A confissão é um momento em que a gente abre a ferida para receber o remédio, por isso é natural a repulsa. Agora, o resultado também sabemos: a pessoa se renova, a alma reconquista a paz, a felicidade encontra espaço na gente, Deus fica contente pela amizade reatada e estreitada, a pessoa retoma sua liberdade para amar mais e mais.

4)      Concepção de que pecado é coisa ultrapassada. Há ainda a ideia de que pecado é coisa do passado, que há erros, mas estes não exigem a conotação do perdão sacramental, basta superar... Nossas crianças não sabem analisar a veracidade destas afirmações, apenas tem tais conceitos na mente, fruto da cultura atual e de uma enxurrada de orientações anticristãs vindas de todas as partes, inclusive de algumas famílias. Gente, anular a concepção de pecado é uma forma de anular outros valores da concepção cristã. Há aí uma intenção de formar um efeito dominó: caindo a concepção de pecado, cai a exigência da caridade, depois da oração, seguida da de compromisso e assim sucessivamente. Já percebemos estes sinais na sociedade? Sim ou não? Sim, né! Não quero orientar que enfoquemos somente o pecado como principal dimensão da penitência, claro que não! Antes de tudo a Misericórdia de Deus! Mas é certo conscientizar sim: sobre o pecado, sobre o inimigo que deseja nos afastar de Deus e sobre a constante vigilância que se deve estar. Pecado não é maior que o amor de Deus, já disse isso, mas a relatividade nesse assunto diminui o sentido do Sacramento da Penitência, por isso é preciso insistir no esclarecimento deste aspecto também.

5)      Confronto com a realidade pessoal e convite à autonomia responsável. Já parou para pensar que a maioria das crianças, na confissão, pela primeira vez, ficarão sozinhas com alguém (uma autoridade – o padre) para falar de seus erros? Que talvez seja a primeira vez que ela se dê conta de que é responsável pelos seus atos? Que realmente há diferença entre o bem e o mal, o certo e o errado? Gente, a confissão, no meu modo de entender, marca um dos maiores passos de amadurecimento de uma criança. É por isso que oriento e insisto na boa preparação a ela. A criança vai receber Jesus Cristo na Eucaristia sabendo que Ele a ama a ponto de antes tê-la perdoado. Vai sabendo a diferença entre Ele e ela. Vai sabendo que é responsável por guardar o corpo do Senhor dentro de si e dentro dos outros. Então a confissão como que “sela” a autonomia iniciante na adolescência. É um passo privilegiado para o crescimento pessoal. Isso se os prepararmos bem para ela e a experiência for como é para ser.

6)      A punição. A educação em casa geralmente se dá por punição e recompensa. Mas, esta não é a lógica de Cristo. As crianças geralmente não separam isso. “Se eu contar para o padre, o que ele vai fazer?” Esse aspecto tem que ser trabalhado com paciência e insistência. Deus sempre educa, mas nunca castiga, mostra o caminho novo, nunca amarra a pessoa, abraça, jamais esbofeteia. Da mesma forma agem aqueles que são discípulos-missionários Dele. A parábola do filho pródigo é bem propícia, pois ajuda a entender o que é o perdão que Deus concede e a passagem da mulher adúltera que seria apedrejada, dá o toque da confiança de Deus.

7)      Confiança de Deus. Eis outra ênfase necessária por parte das catequistas: Deus, com o perdão, expressa sua confiança na criança, na pessoa que se arrependeu. É como se Ele considerasse a gente como uma fonte sempre capaz de jorrar bem mais a água cristalina do amor, da alegria, do bem. Mesmo que algumas vezes jorremos água enlameada, Deus que conhece o nosso coração sabe que somos bons e confia de novo a graça de jorrar o bem e para o bem. Porque ama, perdoa. Perdoa porque confia e confiando, cura. O Sacramento da Penitência também cura, não podemos esquecer disso. Deus não só perdoa, mas socorre com a graça da cura seus filhos amados, tira os canais de lama que sujam a fonte. Essa cura não é de uma hora para outra, embora para Deus nada seja impossível. Geralmente ela se dá pela conversão da pessoa, que é o primeiro e grande sinal da cura divina. Mas há doenças que o perdão cura, que a graça do sacramento concede, mais ou menos como a cura dos leprosos a quem Jesus pediu para irem caminhando até o sacerdote e no caminho eles foram percebendo que as feridas iam desaparecendo e a pele ia sendo rejuvenescida. O Sacramento da Penitência cura, porque combate e vence a infecção do mal e implanta o sopro do Espírito Santo.

8)      A penitência que o padre vai dar. Mais um grande medo dos catequizandos que remonta ao apresentado no ponto seis dessa reflexão. A penitência ou orientação do padre depois da confissão dos pecados é encarada como “punição” pelo pecado cometido. Mas não é isso, trata-se do ato reparador que mencionamos no ponto primeiro. Então, precisamos falar com eles sobre o que é “a penitência que o padre dá”. Pode ser uma oração, para expressar o diálogo reatado com Deus, uma ação para restabelecer a amizade com o próximo, um ato de caridade para vincular-se ao amor de Deus que é mais ação do que palavras ou idéias. Não é uma imposição arbitrária, mas um convite à união de coração e de ação com Deus.

9)      O feio que precisa ser mostrado. Gostamos de falar das coisas boas que acontecem em nossa vida, não é? Sim gostamos! Pois é, mas agora, na confissão, é hora de mostrar que na vida não há só luz. Há partes que são trevas. No mundo dos holofotes privilegia-se o que reluz e esconde-se o obscuro – “tudo o que é bonito é para se mostrar” e o que é feio se disfarça. Na confissão nada se disfarça, mas se encara de frente, com coragem, simplicidade e confiança. A criança precisa criar consciência que para Deus tudo tem valor e não só o que é bonito, como constantemente ela percebe. Ele, claro, quer que tudo brilhe e que todos conheçam cada dia mais o perfeito que há na gente, mas Ele se preocupa conosco, a ponto de nos chamar em segredo, através de um ministro seu, afim de que nós lhe mostremos nossa vida e que ele traga a luz para que esse lugar da vida seja iluminado. Você sabe que nada pode ser aceso com chamas naturais onde não há oxigênio, pois o fogo se dá justamente na queima de oxigênio. Deus, com o perdão que só o padre pode conceder, quebra as paredes que privam o oxigênio de entrar e então sua graça pode ser acesa em nós novamente. É preciso sim, mostrar o que não é bonito, para que Deus o transforme. Lembre-se que as flores mais belas e perfumadas nascem em meio ao esterco. O Sacramento da Penitência quer ensinar isso também.

10)  A ideia de que Deus perdoa sem necessidade da confissão sacramental. Dizem muitas pessoas para nossos catequizandos: “Deus nos perdoa sem precisar da confissão ao padre. Ele sabe do que fazemos e sua misericórdia não tem limites”. A Igreja sabe que a dimensão do perdão divino é ilimitada, mas foi Cristo que pediu que a gente fizesse assim. Não basta pedir perdão a Deus, isso cheira a egoísmo. É preciso pedir perdão à comunidade que sofre com nosso pecado também. Mas você não vai falar a todo mundo de seus pecados, então o padre que é o principal responsável pela comunidade te ouve e te perdoa, também em nome dela. No princípio da Igreja, todos se reuniam e confessavam seus pecados comunitariamente, pedindo perdão e perdoando, com a presença do presbítero que oferecia sacramentalmente o perdão. Com o tempo isso deixou de ser viável e então as confissões passaram a ser mais pessoais, embora essa prática também já existisse. A confissão pessoal estimula a sinceridade para com Deus em todos os âmbitos da vida, inclusive aqueles morais muito particulares ou então de dúvidas em que a gente cometeria um mal maior se partilhasse com todos e alimentaria esse mal se não partilhasse com ninguém.

11)  A desculpa dos pecados do padre. Ah... mas, o padre também é pecador! Sim, ele é! Mas Cristo que age através dele, não. O padre Zezinho faz a seguinte comparação: se você está dirigindo numa avenida movimentada e chega próximo a um farol que está suspendido por um poste de madeira que se encontra podre. Só pelo fato de o poste estar podre você vai deixar de seguir a orientação do semáforo? Não, né? Porque as consequências podem ser muito ruins e, uma coisa é o semáforo, outra o poste que o sustenta. Claro que seria melhor que os dois estivessem em boas condições, mas o poste não anula o sinal do semáforo, nem a importância do que sinaliza. Do mesmo modo, os pecados do padre não anulam a graça de perdoar que ele recebeu de Deus, por meio da Igreja. Quem perdoa é Deus, o padre é instrumento do perdão de Deus, não é a fonte, mas o canal por onde a doce e refrescante água chega à casa interior de cada pessoa e de toda comunidade.

12)   O perdão não é mais considerado como um valor e muito menos o ato de pedir perdão. Essa é uma verdade dolorida e muito presente na sociedade. O perdão tem sido mostrado como sinônimo de fraqueza e não como valor. Pedir perdão, para a ideologia capitalista vigente é acovardar-se, é ser bobo, mostrar-se inferior. O perdão passa a ser visto como um modo político de manter relações que convenha à pessoa, mas não como um ato divino humanamente assumido. “Posso até perdoar, mas você tem que me dar algo em troca”, dizem muitos, e a lição do amor-gratuidade se ignora. Quantos, ao assistirem nos filmes Cristo sendo julgado e condenado, desejariam que Ele acabasse com todos, mais ou menos como fez as autoridades dos EUA na execução de Osama Bin Laden. O Papa João Paulo II, por exemplo, pediu às nações ricas que perdoassem as dívidas dos países pobres, mas muitos diziam que isto não era viável, nem possível, mesmo aplaudindo o Santo Padre quando perdoou Ali Agca, o homem que atirou nele e quando pediu perdão pelos erros da Igreja. Elogiaram, mas não quiseram ouvir o velhinho no desafio a uma convivência fraterna, que necessariamente exige perdão. Então, pessoal, precisamos mais do que nunca, mostrar o valor do perdão – o perdão de Deus, o perdão entre as pessoas. Jesus mostrou que perdoar e pedir perdão, é estar disposto a mudar, a crescer, a humanizar-se e tornar-se semelhante ao Pai Eterno. Mais famílias permanecerão unidas, mais amizades resistirão, mais comunidades se fortalecerão se cultivarmos o perdão. É grande aquele que perdoa, tem controle de suas emoções, de seus sentimentos, tem visão dos fatos que vai além dos erros. Nada o faz parar, pois sua meta é o amor. Ama sem limites e vence os espinhos. Pede perdão, perdoa e vive, vive livre e feliz. O perdão de Deus é a coisa mais importante perante o pecado e Ele passa pelo perdão a si mesmo, aos outros e pelo Sacramento da Penitência – é isso que ensina a Igreja. Tem valor primordial o perdão na nossa fé. Com ele somos melhores. Ele nos faz filhos de Deus e não senhores do Senhor, nos leva aos braços do Pai e nos tira do chiqueiro ocupado pelo rancor, pelo ódio, pelo ressentimento, pelo sentimento de vingança, e tudo mais que nos impede de sorrir, viver e trabalhar pelo bem.

Bom, gente, esse texto surgiu da minha reflexão como catequista e orientador nesta paróquia. Não é algo terminado, nem exatamente certo, mas cheio da vontade de vos ajudar. Espero que ele possa contribuir em vossa vida e missão. Desejo que o Sacramento da Penitência seja realmente um momento de conversão, santificação e renovação na caminhada de fidelidade ao Bom Deus. Que Ele vos abençoe. Amém!

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