A visão teológica de São João Crisóstomo sobre o pobre
INTRODUÇÃO
Um dos versículos mais controvertidos da Sagrada Escritura é o oitavo do capítulo doze do evangelho de João “pobre sempre os tereis”. Ele já gerou muitas interpretações, pois o tema do pobre nunca foi algo de segunda categoria para a Igreja. Dentre aqueles que defenderam o primado do pobre está João Crisóstomo, Doutor da Eucaristia e Padre da Igreja.
No presente texto procuraremos apresentar alguns
dos dados mais significativos de sua vida, bem como o de seu ensinamento.
Debruçar-nos-emos na questão do pobre para aprofundar a
visão teológica de São João Crisóstomo sobre o pobre,
entrelaçando-a com o Concílio Vaticano II e a pontificado de Francisco.
Conscientes
de que muito há para se dizer, não nos estendemos em delongas, nem mesmo temos
a pretensão de dizer o pensamento deste Santo Padre de forma completa. O “Boca
de Ouro” parece ser compreensível de qualquer forma. Assim, este trabalho se
insere dentro da compreensão da seriedade do tema dos pobres e encontra em João
Crisóstomo um claro farol para iluminar a construção teológica nos Santos
Padres e a teologia da Igreja.
1 SÃO JOÃO CRISÓSTOMO
Crisóstomo foi aquele que entre os padres da Igreja do
Oriente deixou obra mais vasta. Um homem de fé, cultura e personalidade
decidida; um presbítero zeloso e paterno, um bispo competente e pastor à imagem
de Cristo; um pregador destemido e talentoso, verdadeiro profeta à imagem do
Antigo Testamento.
João de Antioquia, chamado Crisóstomo (boca de ouro), nasceu
em Antioquia por volta do ano 344 ou 350 (DROBNER, 1994, p. 339), numa família
nobre. Seu pai era Segundo, principal comandante das tropas do Império do
Oriente. Sua mãe, Antusa, cristã de grande virtude, ficou viúva aos vinte anos.
Dedicou-se à caridade e à educação dos filhos. Não se casou novamente. João
recebeu sólida educação (estudos primários, filosofia e retórica) com o célebre
filósofo Libânio. Não gostava muito das teorias especulativas, mas sim das
questões práticas. Levava, como certa vez afirmou, “uma vida tranquila e fácil”
(MEULENBERG, 1994, p. 33).
Aos 25 anos, por influência do amigo Basílio, converteu-se
ao cristianismo, recebendo o batismo das mãos de São Melécio, bispo de Antioquia.
Tinha dezesseis anos (TOMAZ, 2002, p.8). Depois, frequentou, de 367 a 372, o asceterio, uma espécie de seminário de
Antioquia. Alguns dos seus jovens colegas se tornaram, depois, Bispos. No asceterio esteve “sob a guia do famoso exegeta
Diodoro de Tarso que iniciou João na exegese histórico-literária,
característica da tradição antioquena” (BENTO XVI, 2007a). Aventurou-se na vida monástica nas montanhas
de Antioquia. Seu espírito buscava experiências místicas. Depois de dois anos
retornou e foi ordenado diácono (381), ministério a que se dedicou por cinco
anos, organizando e conduzindo serviço social da Igreja em Antioquia. Foi nesta
missão que conheceu a pobreza de sua cidade e a vida dos sofridos (MEULENBERG,
1994, p. 33), pelos quais se apaixonará reconhecendo neles o próprio Cristo. É
um novo homem que emerge face ao sofrimento dos seus. Este novo modo de ver a
vida cristã influenciará seu presbiterado e seu episcopado.
Flaviano, sucessor do bispo Melécio o ordenou presbítero em
28 de fevereiro de 386 (DROBNER, 1994, p. 339). O bispo o encarregou da
pregação, ofício que executou na sua própria ordenação. Além de pregar,
visitava e se envolvia na vida dos cristãos auxiliando-os em suas necessidades.
Hammam (1980, p. 194) afirma que este foi o período mais feliz da vida do
santo. A maior produção teológica e exegética se inclui neste tempo (TOMAZ,
2002, p. 12). O homem João Crisóstomo também foi bispo e deu sua vida em favor
dos seus irmãos pobres. No final de sua vida, “escreveu que o valor do homem
consiste no ‘conhecimento exato da verdadeira doutrina e na retidão da vida’
(Carta do exílio)” (BENTO XVI, 2007a). No caminho do exílio, em setembro de 407/8,
exausto pelos maus tratos dos seus algozes, passou à Páscoa eterna sendo
venerado como santo pelos pequeninos de sua arquidiocese.
1.2 O bispo
Na conversa com as crianças alunas dos Jesuítas em Roma
(07/06/2013), o Papa Francisco respondeu a uma menina que lhe indagara se o
pontífice havia desejado tal cargo, afirmando que “Deus não abençoaria alguém
que quisesse ser papa”. E deixou transparecer o mesmo quando falou ao
episcopado na JMJ2013 no Rio de Janeiro (26/07/2013), com respeito à escolha
dos novos bispos. Segundo nossas leituras, tais reflexões são muito associáveis
às concepções de João Crisóstomo.
Em 397 vagou a Sé de Constantinopla. O clero e o povo, que
já conheciam sua fama, o elegeram para bispo do lugar. O novo imperador,
Arcádio, aprovou a escolha. Mas todos sabiam que João não aceitaria. Então,
arrumaram uma forma: o prefeito de Antioquia o convidou para um passeio a fim
de tratarem de vários assuntos. Quando estavam fora da cidade, o prefeito cedeu
seu lugar de condutor da carruagem a um enviado do Imperador. Este o levou para
a capital do Império. Lá já estava reunido um grupo de bispos que lhe conferiu
o terceiro grau da Ordem, tornando-o Arcebispo de Constantinopla e Patriarca do
Oriente. Era um desafio, pois tal sé exigia habilidade política, talento no
qual João não se distinguia. Enfrentará a Imperatriz Eudóxia e a corte em favor
dos pobres, tentará a reforma do Clero e despojará a Igreja de Constantinopla tornando-a
mais caridosa e aberta aos pobres. Logo que tomou posse, “João projetou a
reforma da sua Igreja: a austeridade do palácio episcopal devia servir de
exemplo para todo clero, viúvas, monges, palacianos e ricos” (BENTO XVI,
2007b). Reorganizou uma associação de viúvas e virgens consagradas, pondo-as
sob a direção de Olímpia, viúva aos 23 anos, que passou, com sua fortuna, a ajudá-lo.
A constante postura do bispo em favor dos pobres, dos
escravos, das mulheres, da família, dos mais desfavorecidos do Império (o que
lhe deu também o título de “Esmoler”) e o ataque às posturas covardes da
Imperatriz fizeram com que ela recorresse ao Primaz ariano de Alexandria. Este,
por motivos de ciúme, era inimigo de Arcebispo Crisóstomo. Para exilá-lo,
segundo pedido da Imperatriz, convocou um concílio. Com os seus correligionários, condenou João
Crisóstomo como indigno do episcopado, obtendo seu desterro.[1]
Quando a população soube disso, fez tão grandes manifestações diante do palácio
imperial que a Imperatriz, temendo por sua vida, pediu a volta do Patriarca.
Pouco depois, porém, conseguiu novamente seu exílio. No caminho do exílio não
suportou os maus tratos e foi ao encontro Daquele que anunciara em todo seu
ministério.
1.3 O pregador
João foi aluno de Libânio, o orador, considerado “a glória
da cidade” (ROSBAK; ARNS; VIEIRA. apud TOMAZ, 2002, p. 8), mas sua eloquência
superou o mestre e lhe conferiu um título sem precedentes “Boca de Ouro”. E
será que ela falava de ouro? Sim, do ouro que deveria transformar-se em pão,
roupa, moradia e vida para os pobres.
Crisóstomo foi um exímio orador que falava durante horas com
simplicidade coerência e encanto. Era considerado “um segundo Paulo, um doutor
do Universo” (BENTO XVI, 2007b). Expunha as verdades da fé e denunciava os
escrúpulos da sociedade de seu tempo de forma que todos entendiam. Era
apaixonado por este ofício, tanto que afirmara: “minha pregação é que me cura.
Desde a hora em que abro a boca para pregar, desaparece toda e qualquer fadiga
ou cansaço” (ROSBAK; ARNS; VIEIRA. apud TOMAZ, 2002, p. 12).
O número de suas homilias é impressionante. Dele também se
tem cartas e alguns tratados. No total, chegaram até nós 17 tratados, mais de
700 homilias autênticas, os comentários a Mateus e a Paulo (Cartas aos Romanos,
aos Coríntios, aos Efésios e aos Hebreus), e 241 cartas.
Sua pregação
realizava-se habitualmente durante a liturgia,
"lugar" no qual a comunidade se constrói com a Palavra e com a
Eucaristia. Nela, a assembleia reunida expressa a única Igreja (Homilia
8, 7 sobre a Carta aos Romanos), a mesma palavra dirige-se em qualquer
lugar a todos (Homilia 24, 2 sobre a primeira Carta aos Coríntios),
e a comunhão eucarística torna-se sinal eficaz de unidade (Homilia 32, 7
sobre o Evangelho de Mateus). (BENTO XVI, 2007a).
A pregação de Crisóstomo abarcava tudo o que um ministro
deve considerar: as escrituras, a realidade eclesial e social, os sacramentos,
a vida e testemunho dos santos; combatia heresias, denunciava os abusos dos
poderosos e parecia ter certa preferência pelo tema dos pobres, denunciando a
posse injusta e o acúmulo de bens por parte de poucos. Era direto, sincero e
coerente consigo mesmo; seu público ia do escravo aos nobres da corte; pregava por mais de uma hora; falava
apaixonado; o povo interagia quando ele dizia parábolas conhecidas.
Aplaudiam-no e gritavam. Muitas vezes os fieis preferiam os eventos do Império
e não acorriam à pregação de Crisóstomo. Ele reclamava e esbravejava
(MEULENBERG, 1994, p. 33). Pregou durante doze anos de presbítero e seis de
bispo (DROBNER, 1994, p. 339). Ensinava “a criação como ‘escada’ para Deus”, a
Sagrada Escritura como uma carta de “condescendência de Deus” para conosco. Um
terceiro passo do Deus visível na criação é a encarnação, onde “Deus desce e
torna-se um de nós”, ensinava. Por fim, havia outro passo de Deus que
Crisóstomo evidenciava em sua pregação, o Espírito Santo, “princípio vital e
dinâmico” da vida e ação do cristão (cf. BENTO XVI, 2007b).
Até hoje a Igreja recorre a este exímio pregador pelo fato
de ter sido não apenas eloquente nas palavras e na doutrina, mas,
principalmente, por sua conduta. Sua visão positiva do ser humano e da criação
tornava sua pregação um grande convite ao louvor de Deus no trabalho, na prece,
no encontro, enfim, no cotidiano da vida.
2 OS POBRES E A POBREZA
Jesus se fez pobre entre os pobres. Desde sua concepção e
nascimento, até sua morte, vemos um homem pobre buscando vida plena. Não só
isto: vemos um homem que ama os pobres, que vive na pobreza e elege os
pequeninos para estarem em seu Reino. A Igreja como continuadora de sua missão
sempre entendeu os pobres e a pobreza como um tesouro a ser cuidado e uma
característica fiel da fidelidade ao seu Senhor.
2.1 Quem são os pobres
No Império Romano a pobreza sempre teve espaço. A frase de
Jesus “pobres sempre os tereis” (Jo 12,8) se via mais do que nunca, confirmada.
Segundo Kampling (1986, p.221), o complexo social do Império Romano começa a
passar uma crise no século terceiro se estendendo ao quarto e quinto séculos,
levando “massas humanas em todas as regiões do Império à miséria”, bem como,
permitindo “a concentração de riquezas nas mãos de uns poucos, que por sua vez
exploram os desgraçados despudoradamente”. Temos, pois um cenário de injustiça
e de sofrimento. Os pobres deste tempo são caracterizados
pela falta de
alimento, educação, liberdade, frequentemente também saúde e poder.
Considerava-se pobre aquele que buscava penosamente conseguir o necessário para
sobreviver, mas também aquele que já era dependente da caridade alheia. Seu prestigio
social era inexistente (KAMPLING, 1986, p.221).
A Igreja era uma comunidade de
pobres, de pobres que eram solidários com seus pares[2].
Compreendia quem estava na miséria como sendo os preferidos de Cristo, pois o
Senhor lhes deu a precedência da Salvação, conforme Lc 6,20: “Bem-aventurados
vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus”. Os pobres são, além de tudo, o
veículo de salvação para os ricos, pois exigem dos ricos a partilha, sendo que
“a salvação dos abastados só pode se dar através da partilha de seus bens”
(KAMPLING, 1986, p.223).
A pobreza (como veremos a seguir) não era compreendida como
um bem em si, mas como “um mal e ameaça de tal modo à existência” (KAMPLING,
1986, p.223), por isso os cristãos se tornavam pobres e viviam como pobres para
possibilitar que outros pobres pudessem dignamente viver. Compreendia-se que,
uma vez pertencendo à comunidade cristã, “todos estão obrigados a ajudar os
pobres. Quem não o fizer comete homicídio (sim.X,4)”
(KAMPLING, 1986, p.223).
2.2 O que é a pobreza para a Igreja Primitiva do tempo de Crisóstomo?
Pobreza na Igreja primitiva pode
ser entendida como situação de pauperidade de algumas pessoas ou como caminho
da salvação. Com o primeiro, quer se dizer a condição social desumana à qual
estavam submetidos boa parte da população do contexto da Igreja Primitiva. Esta
devia ser combatida, erradicada. Como caminho
de salvação a pobreza consiste em despojar-se da riqueza para que os irmãos
possam desfrutar igualmente daquilo que Deus concedeu a todos. Quem fez este
convite foi Jesus (Mt 4, 18-22; Mc 1,116-20; Mt 19, 27-30; Mc 10,21-27).[3]
É a chamada pobreza evangélica[4].
A Igreja, nos primeiros séculos, defendeu “que os bens eram
um dom de Deus para todos, devendo, por isso, ser divididos com todos aqueles que
nada possuem” (KAMPLING, 1986, p.229). Santos
Padres como Ambrósio de Milão (+407), Basílio Magno (+379), Cipriano (+258),
Gregório de Nissa (+394) e outros, bem como, João Crisóstomo, defenderam o
primado da pobreza na Igreja dos cinco primeiros séculos. Pobreza como opção de
vida e pobreza como mal a ser combatido. Ninguém deveria se apegar aos bens
terrestres, pois o verdadeiro tesouro estava em Cristo e na Salvação por ele
prometida[5].
Tudo o que fosse acumulado era como um atestado de roubo dos pobres. Assim, os
cristãos seriam pobres possuindo só o que era necessário, repartindo o que lhes
era supérfluo, eliminando a miséria e a pobreza de suas comunidades.
O Atos dos Apóstolos mostra este comprometimento da Igreja nascente
com os pobres. A Igreja é pobre, vive como pobre.[6]
Por isso em Gálatas 2, 10 Paulo fala da única recomendação dos Apóstolos a ele:
Tiago, Pedro e João, considerados como colunas, reconheceram a graça que me fora concedida, estenderam a mão a mim e a Barnabé em sinal de comunhão: nós trabalharíamos com os pagãos, e eles com os circuncidados. Eles pediram apenas que nos lembrássemos dos pobres, e isso eu tenho procurado fazer com muito cuidado.
É a partir dos
pobres que nascem novos ministérios[7],
que se muda a configuração da comunidade, que se organizam mobilizações na
Igreja Apostólica [8].
Em Efésios 4, 28b está explícito o compromisso do cristão com o
pobre: “ocupe-se
trabalhando
com as próprias mãos em algo útil, e tenha assim o que repartir
com os pobres”. Dar atenção ao pobre é a
identidade da religião cristã: “Religião pura e sem mancha diante de
Deus, nosso Pai, é
esta: socorrer os
órfãos e as viúvas em
aflição[9],
e manter-se
livre da
corrupção do
mundo”
(Tg 1, 27).
Kampling (1986, p.221) diz que a pobreza no tempo de
Crisóstomo foi enfrentada como duas posturas diferentes: por um lado, parte da
Igreja pregava a pobreza evangélica radical como caminho de eliminação da
pobreza que assolava os miseráveis, e como fidelidade a Cristo; por outro, uma
segunda parte pregava a esmola como atitude de redenção dos ricos, que não
precisavam deixar suas riquezas. Inserido no contexto de Antioquia e, depois,
de Constantinopla, Crisóstomo compreendeu que não era suficiente dar esmola,
ajudar os pobres sempre que precisassem, mas era “necessário criar uma nova
estrutura, um novo modelo de sociedade; um modelo baseado na perspectiva do
Novo Testamento. É a nova sociedade que se revela na Igreja nascente” (BENTO
XVI, 2007b), onde a pobreza não tem lugar, a não ser como postura evangélica
para “elevar os humildes” (Lc 1,52).
2.3 O que significa honrar Cristo no pobre?
“Queres honrar o Corpo de
Cristo?”, pergunta Crisóstomo a seu povo reunido para celebrar a Sagrada
Liturgia, e responde: “Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto
é, nos pobres que não têm de vestir, nem o honres aqui no templo com vestes de
seda, enquanto lá fora o abandonas ao frio e à nudez” (CRISÓSTOMO,
Homilias sobre Mateus 50, 3-4).
Palavras que devem ter ressoado com um trovão frente a uma sociedade dada ao
luxo e a um clero, por vezes, acostumado às regalias do Império, como nos
afirmam os historiadores[10].
Sabendo do grande amor que
Crisóstomo tinha para com a liturgia somos levados a concluir que ele descobriu
a verdadeira liturgia no corpo espoliado do seu povo pobre. Vemos um homem
convicto do que pregava. Honrar a Cristo é honrar o pobre. E o pobre se honra
segundo Mateus 25, 35-36:
Aquele
que disse “Isto é o meu Corpo” confirmando o fato com a sua Palavra, também
afirmou: “viste-me com fome e não me destes de comer”; e ainda: “quantas vezes
o recusastes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o recusastes” (Mt
25,45). No templo o Corpo de Cristo não precisa de mantos, mas de vidas puras;
mas na pessoa do pobre, ele precisa de todo o nosso cuidado (CRISÓSTOMO, Homilias sobre Mateus 50, 3-4).
O Doutor da Eucaristia vê a mesa
eucarística como ícone peculiar da missão cristã. E tudo o que sobre ela está
fala de Cristo e do pobre, sem separação nem distinção. Ele não nega que o
culto às coisas sagradas seja necessário[11],
mas condena aqueles que priorizam os objetos sagrados em detrimento do corpo
vivo de cada irmão ou irmã:
De que serviria, afinal, adornar a mesa de Cristo com vasos de ouro, se ele morre de fome na pessoa do pobre? Primeira dá de comer a quem tem fome, e depois ornamente a sua mesa com o que sobra. Queres oferecer-lhe um cálice de ouro e não és capaz de lhe dar um copo de água? De que serviria cobrir o seu altar com toalhas bordadas a ouro, se lhe recusas a roupa de que precisa para se vestir? (CRISÓSTOMO, Homilias sobre Mateus 50, 3-4).
Para ele, existe uma escola onde
o cristão aprende e se exercitar para servir da forma mais excelsa o culto a
Cristo. Esta é a do pobre: “aprendamos, portanto, a refletir e a honrar a
Cristo como ele quer. Quando pretendemos honrar alguém, devemos prestar-lhe a
honra que ele prefere e não a que mais nos agrada. (...) Deus não precisa de
vasos de ouro, mas de almas de ouro” (CRISÓSTOMO, Homilias sobre Mateus
50, 3-4). É claro que ele,
neste excelso parágrafo, não omitiu seu modo direto de pregar: “honra-o tu com
a honra prescrita em lei, distribuindo tua fortuna com os pobres” (CRISÓSTOMO,
Homilias sobre Mateus 50, 3-4).
É assim que se honra a Cristo.
Portanto, honrar Cristo no pobre significa não crucificá-lo
com nossas injustiças, ganância ou omissão. Significa possibilitar-lhe o
essencial para viver, respeitando-o e tratando como um irmão/ã, com sentimentos
de compaixão e benignidade (CRISÓSTOMO, Homilias sobre Mateus 50, 3-4). Importa ao prestar culto ao
Senhor, fazê-lo como consequência da honra prestada naquele cotidiano da
caridade: no pão partilhado, na coberta oferecida, no copo de água alcançado,
na acolhida em casa, na roupa posta àquele pequenino que se acercou de nós. Se
prestarmos o culto ao Senhor no templo com vasos e ornamentos de ouro, mas não
fizermos este gesto de honra ao corpo do irmão pobre que é Cristo tal qual a
Eucaristia o é, estaremos zombando e extremamente afrontado nosso Senhor (CRISÓSTOMO,
Homilias sobre Mateus 50, 3-4)[12]. Crisóstomo explica que é
Cristo que prefere ser primeiro honrado no pobre, e que fazer o contrário seria
desprezá-lo, por isso exorta: “não desprezes o irmão aflito, pois ele é mais
precioso que o templo” (CRISÓSTOMO, Homilias sobre Mateus 50, 3-4)
Honrar Cristo no pobre, para o Doutor da Eucaristia,
significa, sim, tratá-lo melhor que a uma hóstia ou vinho consagrado, pois o
pão e o vinho consagrados, embora sendo indubitavelmente o Cristo, nosso
Senhor, e merecendo toda a dignidade que lhe possamos oferecer, não tem fome
nem sede, não sente frio, nem é feito prisioneiro ou peregrino pelas estradas
sem rumo, não sofre dor na carne e nem morre. Destarte, outra é a sorte do
Cristo no pobre. Por isso que é muito mais urgente, virtuoso e santificante[13]
usar dos bens para socorrer o pobre a usá-los para adornar qualquer objeto de
culto. Quando Cristo estiver dignamente honrado nos pobres, ou seja, sem fome,
sede, prisão, frio, nudez, doença, abandono, então, sim, será grandioso
destinar nosso bens para o adorno dos templos e riqueza do culto. Não há
dúvida: honrar Cristo é dar preferência ao pobre. Honrar Cristo no pobre é dar
preferência à Cristo, que prefere o pobre porque o pobre nunca pode preferir
dentro de uma sociedade que não o prefere. Honrar Cristo no pobre é fazer-se
pobre para que a pobreza não desfaça a humanidade de nenhum ser humano,
humanidade que Jesus Cristo comungou de forma plena.
2.4 Os pobres na Igreja do Concílio Vaticano II e de Francisco
Em 1961 o Papa João XXIII convocou
o Concílio Vaticano II que foi concluido por seu sucessor Paulo VI, em 1965. Ao
convocar o Vaticano II, João XXIII proclamou São João Crisóstomo padroeiro do Concílio[14].
Ao Pontífice o que mais importava ao Concílio Ecumênico era que “o depósito sagrado
da doutrina cristã” fosse “guardado e ensinado de forma mais eficaz” e que era
necessário que não se apartasse “do patrimônio sagrado da verdade, recebido dos
seus maiores” (JOÃO XXIII, Constituição Apostólica Humanae
Salutis,1961). A Igreja se abria para um aggiornamento que
necessariamente importava um envolvimento com os pobres e as periferias do
mundo capitalista e cada vez mais ecludente. O Vaticano II, sob a patronagem de
São João Crisóstomo, seguiu pelas estradas que levavam aos pobres, aos pobres
mais pobres. Será este concílio que dará abertura para o nascimento da Teologia
da Libertação na América Latina (SUSIN, 2000, p.53),
uma corrente que afirma: Deus tem preferência pelos pobres!
Passados 50 anos do
referido Concílio é eleito, em Roma, um Sumo Pontífice vindo da América Latina
e que assume, por indicação de um colega também latinoamericano, o nome de
Francisco a fim de “não se esquecer dos pobres” (FRANCISCO, 2013). Jorge Maria Bergoglio, o Papa Francisco,
assume a Cátedra de Petrina com o desejo de fazer da Barca de Pedro uma
“Igreja pobre para os pobres” (FRANCISCO, 2013). Para Francisco “os pobres são mestres privilegiados
do nosso conhecimento de Deus” (FRANCISCO, 2013), é preciso servi-los,
acompanhá-los e defendê-los, agir com caridade, mas “a caridade que deixa o
pobre na mesma condição em que estava não é suficiente” (FRANCISCO, 2013). É
preciso abandonar “a cultura do egoísmo, do individualismo” e abraçar “a
cultura da solidariedade” que consiste em “ver no outro não um concorrente ou
um número, mas um irmão” (FRANCISCO, 2013).
Os pobres na Igreja do Concílio Vaticano II e de Francisco
possuem diferenças. O contexto histórico social é outro. Mas a atitude dos
cristãos referente a eles deve ser a mesma: fraternidade. Por isso, sob o
impulso do espírito do Vaticano II, Francisco disse (2013):
Para toda a Igreja é importante que o acolhimento do
pobre e a promoção da justiça não sejam confiados apenas a “peritos”, mas sejam
uma atenção de toda a pastoral, da formação dos futuros sacerdotes e
religiosos, do compromisso ordinário de todas as paróquias, dos movimentos e
das agregações eclesiais. Em particular — isto é importante e digo-o de coração
— gostaria de convidar também os Institutos religiosos a ler seriamente e com
responsabilidade este sinal dos tempos. O Senhor chama a viver com mais coragem
e generosidade o acolhimento nas comunidades, nas casas, nos conventos vazios.
Caríssimos religiosos e religiosas, os conventos vazios não servem à Igreja
para serem transformados em hotéis e ganhar dinheiro. Os conventos vazios não
são vossos, são para a carne de Cristo
que são os refugiados. O Senhor chama a viver com mais coragem e
generosidade nas comunidades, nas casas, nos conventos vazios. Certamente não é
uma coisa simples, são necessários critérios, responsabilidade e também
coragem. Fazemos tanto, talvez sejamos chamados a fazer mais, acolhendo e
partilhando com decisão o que a Providência nos doou para servir. Superar a
tentação da mundanidade espiritual para estar próximos das pessoas simples e sobretudo
dos últimos. Precisamos de comunidades solidárias que vivam o amor de modo
concreto! (negrito nosso).
Essa “carne de Cristo” da qual
falava João Crisóstomo continua a ser para a Igreja a o modo mais genuíno de
testemunho do evangelho, do amor incondicional a Cristo. Na Igreja de
Crisóstomo a honra a Cristo no pobre tinha preferência. O mesmo se pode dizer
da Igreja do Concílio Vaticano II e da Igreja que Francisco deseja encorajar no
cumprimento de sua missão. Os meios se alternam e também os métodos. Entretanto,
Cristo e o pobre tem a mesma dor e precisam da mesma preferência. Fome é fome –
a dois mil anos atrás, na década de 1960 e em 2013 – e precisa ser solidariamente
sanada com urgência. O mesmo se diga da violência, da sede, da miséria em geral.
O cristão que quiser uma luz para entender o que significa
“viver o evangelho” tem três presentes do Espírito Santo: São João Crisóstomo,
Concílio Vaticano II e Papa Francisco. Não estamos comparando-os nem medindo
grau de importância, apenas evidenciando que, ao que nos foi possível entender,
o Cristo no pobre não é uma afirmação isolada ou mal interpretada, muito menos
desatualizada. Eles são a primeira razão da Igreja existir, uma vez que a
missão dela é evangelizar e evangelizar é levar “vida e vida em abundância a
todos” (Jo 10,10).
CONCLUSÃO
São João Crisóstomo passa a história como um dos mais célebres pregadores da Igreja. Radical e direto no que pensa ser a matriz da fé cristã expõe com veemência e paixão os temas que considera importantes para a edificação de sua diocese. Neste trabalho nos encontramos com ele, sua história, seu pensamento, de modo especial, com o seu entendimento sobre o pobre.
Foi
um grande homem, um pastor exímio e um pregador sem comparação. Centrado na
pessoa de Jesus, ele aponta Cristo no pobre como o Senhor a ser servido
e honrado. Amando imensamente a Eucaristia onde o Senhor estar realmente
presente, convida a Igreja à unidade, pois se ela é o corpo de Cristo no pão
formado por muitos grãos, os homens deveriam, embora muitos, formar um só
corpo. Ele recorda que a comunhão com o Corpo e o Sangue de Cristo
obriga a oferecer assistência material aos pobres e aos famintos que vivem
entre a comunidade. A
Igreja é a fiel esposa de Cristo e precisa garantir esta fidelidade no cuidado
do seu esposo. E ele se apresenta na liturgia, nos Sacramentos e no pobre, mas
prefere ser, primeiramente, socorrido no pobre, amado no pobre, honrado no
pobre.
Tal acento da pregação e doutrina de
Crisóstomo se dá por causa das condições em que viviam os empobrecidos de sua
época. Neles ele descobre o modo de salvar todos de sua diocese. Sim, para ele
os pobres são o caminho do céu. Eles, sem ouro nem prata, “fabricam” almas de
ouro para o Senhor. Se o cristão tiver que decidir entre honrar Cristo doando
vasos de ouro ao templo ou honrá-lo vestindo o pobre, dando-lhe de beber, de
comer, visitando-o, curando-o, acolhendo-o, deve, pois, escolher esta última,
uma vez que agrada mais ao Senhor.
Foi-nos instigante esta pesquisa,
principalmente por estarmos celebrando cinquenta anos do Concílio Vaticano II e
tendo a surpresa de um Papa como Francisco. O Concílio buscou pôr a Igreja no
compasso do tempo justamente para ser uma resposta cristã ao Cristo pobre e
sofredor. Francisco, como Pontífice romano, trouxe novamente para a Igreja esta
centralidade no pobre, testemunhando a pobreza evangélica e encaminhando uma
reforma estrutural da Instituição para ser esposa do Cristo em todos os
âmbitos. Uma Igreja pobre como seu esposo, é uma Igreja que enriquece a
humanidade. São João Crisóstomo entendeu e propagou esta verdade, por isso sua
compreensão teológica sobre o pobre é tão atual como é atual a presença do
Senhor em sua Igreja.
REFERÊNCIAS
ALTANER,
Berthold; STUIBER, Alfred. Patrologia.
Vida, obra e doutrina dos Padres da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1988.
BENTO
XVI, Papa. Carta do papa Bento XVI
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[1]
“A nível eclesiástico foi acusado de ter superado os confins da própria
jurisdição, e tornou-se assim alvo de fáceis acusações. Outro pretexto contra
ele foi a presença de alguns monges egípcios, excomungados pelo patriarca
Teófilo de Alexandria que se refugiaram em Constantinopla. Uma acesa polémica
foi depois originada pelas críticas feitas por Crisóstomo à imperatriz Eudóxia
e às suas palacianas, que reagiram desacreditando-o e insultando-o. Chegou-se
assim à sua deposição, no sínodo organizado pelo mesmo patriarca Teófilo em
403, com a consequente condenação ao primeiro breve exílio. Depois do seu
regresso, a hostilidade suscitada contra ele desde o protesto contra as festas
em honra da imperatriz que o Bispo considerava como festas pagãs, sumptuosas e
a expulsão dos presbíteros encarregados dos Batismos na Vigília pascal de 404
marcaram o início da perseguição de Crisóstomo e dos seus seguidores, os
chamados ‘Joanitas’” (BENTO XVI, 2007b).
[2]
A Igreja foi sendo constituída também por algumas pessoas ricas, mas eram bem
poucas. A maioria dos cristãos eram
pobres. Muitos ricos, frente à exigência da partilha dos bens, deixavam a fé (KAMPLING, 1986, p.223).
[3]
Segundo
Leonardo e Clodovis Boff (2001, p. 77-81) há dois sentidos para o que
denominamos pobre: o sócio-econômico e o espiritual. O primeiro “é todo aquele
que é carente ou privado dos meios necessários para a subsistência (comida,
vestuário, moradia, saúde básica, instrução elementar e trabalho” (p. 77). O
segundo diz respeito a todo aquele que, “embora não seja um pobre sócio
econômico, por amor e solidariedade aos pobres sócio-econômicos se faz um deles
para junto com eles lutar contra a pobreza injusta e juntos buscarem a
libertação e a justiça” (p.80).
[4]
A Conferência de Medellín propôs a "pobreza como compromisso que se assume
voluntariamente e por amor a condição dos necessitados deste mundo" (n. 4,
c).
[5] João Crisóstomo trabalhou esta ideia como um grande
propagador da Doutrina Social da Igreja. Ele sistematizou um conceito de cidade
fraterna sem espaço para a pobreza e a injustiça: “a velha ideia da ‘polis’
grega é substituída por uma nova ideia de cidade inspirada na fé cristã.
Crisóstomo defendia com Paulo (cf. 1 Cor 8, 11) a primazia de cada cristão, da
pessoa como tal, também do escravo e do pobre. O seu projeto corrige assim a
tradicional visão grega da "polis", da cidade, na qual amplas camadas
de população eram excluídas dos direitos de cidadania, enquanto na cidade
cristã todos são irmãos e irmãs com iguais direitos. A primazia da pessoa é também
a consequência do facto que realmente partindo dela se constrói a cidade,
enquanto que na "polis" grega a pátria era superior ao indivíduo, o
qual estava totalmente subordinado à cidade no seu conjunto. Assim com
Crisóstomo tem início a visão de uma sociedade construída pela consciência
cristã. E ele diz-nos que a nossa "polis" é outra, "a nossa
pátria está no céu" (Fl 3, 20) e esta nossa pátria também nesta terra nos
torna iguais, irmãos e irmãs, e obriga-nos à solidariedade.” (BENTO XVI,
2007b).
[6] “Neste contexto, uma Igreja pobre, que faz a opção
pelos pobres “denuncia a carência injusta dos bens deste mundo e o pecado que a
engendra; prega e vive a pobreza espiritual como atitude de infância espiritual
e abertura para o Senhor; compromete-se ela mesma com a pobreza material” (DM, Pobreza da Igreja, 5). Por isso que “a pobreza da
Igreja e de seus membros na América Latina deve ser sinal e compromisso: sinal
do valor inestimável do pobre aos olhos de Deus; compromisso de solidariedade
com os que sofrem” (DM, Pobreza da Igreja, 7).” In: RASCHIETTI, 2008, p. 17.
[7] A
instituição do Diaconato, por exemplo (At, 6, 1-6).
[8]
“A Macedônia e Acaia resolveram fazer
uma coleta em
favor
dos cristãos pobres da
comunidade de
Jerusalém. Resolveram fazer isso, porque são devedores a
eles. De fato, se os pagãos participaram
nos bens espirituais
dos judeus,
eles têm obrigação de
ajudá-los
em suas necessidades materiais”
(Rm 15, 26-27).
[9]
Itálico nosso. O órfão e a viúva são sinônimos do pobre mais pobre, sem
direitos e amparos da sociedade.
[10] RIBEIRO (1994, p. 696) indica uma Doutrina Social de Crisóstomo, sintetizando em
pequenas frases: a) injustiças sociais são
piores que um assassinato (52 Mt);
b) o Cristo está no pobre e, na Eucaristia, sentimos o pobre quando
comungamos; c) é o socorro ao pobre que
nos permite a salvação; d) no
pobre se dá a “redenção continua”, pois o apelo do pobre é sofrimento de
Cristo; e) a esmola (“elemosyne”) é a rainha de todas as
virtude: de um lado, a misericórdia de Deus; do outro, o homem se faz homem se
é misericordioso; f) solidariedade; g) descreve as misérias dos
pobres; e, f) afirma os limites da
propriedade.
[11]
“Digo isto, não para proibir que haja dádivas, mas que com elas e antes delas
se deem esmolas. Porque ele aceita aquelas, porém, muito mais estas”
(CRISÓSTOMO, Homilias sobre Mateus 50, 3-4). ”Torno a dizer que não proíbo tais adornos,
mas que haja também cuidado pelos outros” (CRISÓSTOMO, Homilias sobre Mateus
50, 3-4)
[12]
“Que proveito haveria, se a mesa de Cristo está coberta de taças de ouro e ele
próprio morre de fome? Sacia primeiro o faminto e, depois, do que sobrar,
adorna sua mesa. Fazes um cálice de ouro e não dás um copo de água? Que
necessidade há de cobrir a mesa com véus tecidos de ouro, se não lhe concederes
nem mesmo a coberta necessária? Que lucro haverá? Dize-me: se vês alguém que
precisa de alimento e, deixando-o lá, vai rodear a mesa, de ouro, será que te
agradecerá ou, ao contrário, se indignará? Que acontecerá se ao vê-lo coberto
de andrajos e morto de frio, deixando de dar as vestes, mandas levantar colunas
douradas, declarando fazê-lo em sua honra? Não se julgaria isto objeto de
zombaria e extrema afronta?” (CRISÓSTOMO, Homilias sobre Mateus 50, 3-4).
[13]
Ao dar riquezas aos templos, só quem oferece tem lucro; ao dar aos pobres,
também tem lucro quem recebe (CRISÓSTOMO, Homilias sobre Mateus 50, 3-4).
[14]
"Assim como Cristo consumou a obra da redenção na pobreza e na
perseguição, assim a Igreja é chamada a seguir o mesmo caminho... Cristo
Jesus... ‘despojou-se a si mesmo, tomando a condição de servo’ e por nossa
causa ‘fez-se pobre embora fosse rico’, da mesma maneira a Igreja... não foi
instituída para buscar a glória terrestre, mas para proclamar, também com seu
próprio exemplo, a humildade e a abnegação.
Cristo foi enviado pelo Pai para ‘evangelizar os pobres, sanar os
contritos de coração’, ‘procurar e salvar o que tinha perecido’,
semelhantemente a Igreja cerca de amor todos os afligidos pela fraqueza humana,
reconhece mesmo nos pobres e sofredores a imagem de seu Fundador, pobre e
sofredor. Faz o possível para imitar-lhes a pobreza e neles procura servir a
Cristo" (LG, 8).
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