Nossas relações - Espiritualidade Salesiana


São muitos os epítetos remetidos a São Francisco de Sales. Mas há um, em especial, que gostaria de retomar: “Mestre em Relações”. Pouco se fala disso, mas creio ser este é o distintivo salesiano no século XVII, onde as relações pareciam se liquefazer nos vários conflitos sociais, religiosos e antropológicos (humanos). Francisco elevou as relações para o primeiro grau na lapidação do coração humano. Santificando as relações sabia que santificaria a pessoa. Para ele, uma boa relação com Deus, com o próximo, com a natureza e consigo mesmo tece a santidade na história de toda pessoa. E foi por isso que investiu seus dons na missão de construir e conservar, para si e para os outros, relações saudáveis. Busquemos entender as linhas diretivas do nosso amado santo.
Bem, para ele a relação com Deus é saudável quando alegria, humildade, comprometimento, liberdade, confiança, oração e Sacramentos são unidos ao cumprimento dos deveres cotidianos e enlaçados num afeto que permite acolher a Vontade do Senhor e, assim, viver um apaixonamento sempre crescente e fervoroso[1] por quem Deus é.
A relação com o próximo é bela quando se é sempre caridoso, manso, humilde[2] e respeitoso, quando se cultiva boas amizades, quando se imita Jesus no trato para com todos e se ama o próximo em Deus e por Deus.[3]
A relação consigo mesmo é sã quando a pessoa se conhece, tem paciência perante seus erros, tem mansidão no corrigir-se (IVD, III, IX) e amor à vida que o Senhor deu, quando se vive dignamente a vocação e profissão a qual se comprometeu.
A relação com a natureza e o planeta é boa quando vemos nela a beleza e bondade de Deus e, por isso, a respeitamos de forma a não ferir a mensagem que diariamente o Senhor nos envia nem roubar a parte que cabe ao outro.
Vocês, meus amigos, a esta altura já devem ter concluído que o santo bispo colocava a caridade sempre em primeiro lugar. E ela podia ser reconhecida pela doçura que é a sua flor (IVD III, 8).[4] Vocês também hão de concordar que, com facilidade, encontramos atitudes rudes e grotescas por onde andamos. Quanta gritaria ofensiva em nossas famílias, escolas, estádios e programas televisivos!? O trânsito e as redes sociais não poucas vezes são lugares de hostilidade. Francisco atinge estas ocasiões e nos diz: “não percais nenhuma ocasião, por pequena que seja, para praticar a doçura de coração para com todos” (Carta 455). Ele sabia que é fácil ser seduzido pelos maus exemplos e que é difícil resistir aos estímulos da cólera. E bem sabia, também, que as relações se tecem pelas pequenas coisas e simples atitudes.
Caros amigos, somos fruto daquilo que são nossas relações, pois “tudo na vida gira em torno dos relacionamentos”[5], como já intuíra Francisco de Sales. Somos um pouco (ou um tanto) dos nossos pais, dos nossos amigos, vizinhos, colegas, um pouco do lugar onde nascemos e onde vivemos, um tanto conforme a ideia que cultivamos de Deus. Medos e sonhos, virtudes e limites são confeccionadas entre a relação que temos com estas pessoas, lugares e situações.[6] Sendo assim, cabe-nos apegarmo-nos a Jesus e fazer como ele fazia: priorizar o relacionamento com o Pai. Isso consiste em amar e fazer o bem, por Deus (Cf. Santa Joana de Chantal). De fato, como uma pessoa pode viver bem se maltrata a natureza? Como alguém pode viver em paz quando inferniza a vida dos outros? Como é possível ser cristão se o Reino de Deus está sempre em segundo lugar? E se tem ódio para com este e aquele, como alcançar a verdadeira liberdade? Se é dado à fofocas, intrigas, enraivecimentos e mesquinharias, poderá ser o amor o sol que o ilumina? Pois é, nossa forma de relacionar-se condiciona nossa maneira de viver. Para Francisco de Sales esta maneira de viver deve ser uma só: a de Jesus – VIVER JESUS! Precisamos nos conformar com a Vontade Divina (TAD X, VIII) e esta vontade nos manda relacionar-se no amor.
Sim, o Mestre em Relações, São Francisco de Sales, nos ensina a cultivar todas as nossas relações (na família, no trabalho, na escola ou faculdade, com os amigos, com os membros da pastoral, com aquele grupo,... com Deus e com a Criação) a partir do amor de Deus! Por Deus, só por Deus e em Deus é que as relações de um cristão são bem sucedidas e trazem felicidade. O caminho é o da caridade e da bondade, características de Jesus, nosso Senhor, que passou fazendo o bem. Se me relaciono com algo ou alguém sem a pureza e força do amor divino e do amor fraterno, estou no caminho errado. Mas se minhas relações estão me aproximando do verdadeiro amor de Deus, que só quer o bem e detesta o mal, então estou no caminho certo. Nele devo me manter e ajudar meus irmãos a nele entrarem.


[1] “... seu amor a Deus tinha uma soberana autoridade e domínio sobre todas suas paixões e afetos. (...) Tenho por uma verdade pública e notória que todas as ações de sua vida foram efeitos e provas deste santo amor divino que dominava tão poderosamente sua alma. (...) Um dia antes do seu falecimento me escreveu: Agora não posso dizer nada de minha alma senão que sente cada vez mais o ardente desejo de não estimar nada mais do que a dileção de Nosso Senhor crucificado(Santa Joana de Chantal. Apud ALBUQUERQUE, 2007, p. 110).
[2] “A humildade faz-nos perfeitos para com Deus, e a mansidão para com o próximo” (IVD, III, VIII).
[3] “Sempre teve uma perfeita, excelente e completa caridade com o próximo. (...) Durante uns dezenove anos que tive a alegria de tratar com ele muito particularmente, tanto antes como depois de ser religiosa, nunca ouvi nem tive conhecimento que tenha deixado de fazer todo o bem e os serviços que poderia prestar ao próximo. Em nada media esforços neste sentido...” (Santa Joana de Chantal. Apud ALBUQUERQUE, 2007, p. 110).
[4] Contrário à doçura é a ira. A ira já revela um distanciamento da caridade e nunca ajuda a ninguém.
[5] Hunter, James C. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante, 2004, p.35.
[6] H. S. SULLIVAN. Apud POWELL, J. Por que tenho medo de lhe dizer quem sou? BH: Crescer, 2000, p.39.

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