PARA COMPREENDER A ECLESIOLOGIA A PARTIR DA AMÉRICA LATINA

 
 

Prezados, o presente texto é um resumo da obra "PARA COMPREENDER A ECLESIOLOGIA A PARTIR DA AMÉRICA LATINA" de Victor Codina. O autor inicia sua obra dizendo que sua obra destina-se “a orientar para compreender a eclesiologia latino-americana, ou melhor, a partir da América Latina” (p. 9) que, a saber, orienta-se a partir dos pobres (p. 14). Eclesiologia é “uma simples reflexão sobre a Igreja” (p. 11) a partir da fé, com amor, em esperança (p. 12) e que tem por fim ajudar a Igreja (p. 11). Há várias eclesiologias. O Antigo Testamento, de forma analógica, apresenta uma eclesiologia (p. 23). Quando Deus escolhe Israel como o seu povo, figura-se uma imagem da Igreja (p. 24). O êxodo possui destaque especial por apresentar um Deus que quer o povo livre. O Reino de Davi, que possui o templo como símbolo da Igreja, antecipa as divisões e pecados que também a Igreja enfrentará (p. 25). O resto de Israel mostra-se um povo sem importância e vagante. É a Igreja que caminha pelo mundo com esperança da presença do Senhor que, para os judeus, era a esperança na vinda do Messias (p. 27). Essa presença do Emanuel anima a caminhada dos israelitas. É a mesma presença que anima a Igreja marginalizada ou dos marginalizados na AL, onde a leitura do Êxodo ilumina a vida do povo (p. 29). Entre muitos vai e vens o povo do Antigo Testamento, animado pelos profetas e juízes aguardam o reino como realidade escatológica. “Em Jesus e a Igreja iniciar-se-á esta utopia. A Igreja é o Israel de Deus (Gl 6,16), o resto, a descendência de Abraão, a nova Jerusalém. Mas tampouco ela é o reino” (p. 31), sim, um sinal dele.

  Ao olharmos para a Igreja surge a necessidade de perguntar sobre sua origem, “pois na gênese da Igreja se esconde seu modo de ser” (p. 37). Há três posições claramente definidas: a posição clássica, que “afirma a continuidade sem ruptura entre o Jesus histórico e a Igreja” (p. 37); a posição de ruptura, que “assinala a total descontinuidade entre Jesus e a Igreja” (p. 39); e a posição dialética, que “afirma que há entre Jesus e a Igreja continuidade descontínua e descontinuidade contínua” (p. 39). Nesta perspectiva (dialética) “a fundação da Igreja tem caráter eminentemente teológico (fundamenta-se em Jesus) e dinâmico processual: é processo, gênese, que começa com o Jesus histórico e passa pela cruz e a ressurreição, até chegar ao pentecostes” (p. 40). Vale ressaltar o que escreve R. Aguirre: “o problema não é se Jesus fundou a Igreja, mas como tem que ser a Igreja se quer estar fundada em Jesus” (p. 42).

O Novo Testamento mostra várias eclesiologias, uma comunidade pluralista e viva (p. 46). Vale ressaltar que “ele nasce da Igreja e se dirige a ela” (p. 44). Esta Igreja (comunidade) tem como núcleo “a dimensão da comunhão (koinonia) com o Senhor e com os irmãos, com especial sensibilidade para com os pobres” (p. 46). Paulo apresenta três grandes imagens sobre a Igreja: povo de Deus, corpo de Cristo, templo do Espírito (p. 47). Quando Paulo se dirige a Timóteo e Tito nas pastorais, apresenta a Igreja como casa de Deus (p. 49). Já aos Colossenses e Efésios trata a Igreja como corpo de Cristo, de caráter mais universal, onde Cristo é a cabeça (p. 50). Também fala da relação esponsal e familiar. Em Lucas e Atos a tradição paulina toma os apóstolos como colunas, Pedro como aquele que confirma a fé e o Espírito como o agente escatológico da salvação que prolonga a ação messiânica de Jesus. A Eucaristia é o centro vital ligada à solidariedade para com os pobres (p. 50-51). A tradição de I Pe recorda a Igreja como povo de Deus (p. 51). A comunidade de Mateus, que usa a palavra Igreja, a toma como um chamado universal à salvação onde Pedro é a rocha e o amor, principalmente aos mais necessitados, é a suprema lei (p. 52). A tradição do Discípulo Amado contida no Evangelho e nas cartas joaninas trata a Igreja com as imagens do rebanho e da videira que devem estar com Cristo e em Cristo sempre, sendo este, o Jesus histórico (p. 52-53). A carta aos Hebreus possui paralelismos com João e Paulo, mas também distinções. Jesus é o Sumo Sacerdote por excelência à imagem do Israel no Antigo Testamento (p. 53). A carta de Tiago retrata uma Igreja que precisa priorizar os pobres e o Apocalipse como “Igreja de Cristo, redimida por seu sangue, atualmente perseguida e martirizada, mas que triunfará de todos os seus inimigos” (p. 54). São traços essências da eclesiologia do Novo Testamento o sentido comunitário, a igualdade radical e fraternidade eclesial, a pluralidade carismática e organicidade estrutural, a responsabilidade pessoal, a encarnação e historicidade, o cristocentrismo, a kénosis (o ressuscitado é o crucificado), a pneumática (a Igreja é a Igreja do Espírito), a abertura ao reino e os pobres ocupando lugar privilegiado na Igreja (p. 54-56).

A eclesiologia dos primeiros séculos da Igreja é chamada de Igreja mistério (p. 60). Corresponde aos quatro primeiros séculos com traços que perduram até o século XI. Caracteriza-se sócio politicamente por ser minoritária e nova, predominantemente urbana, de setores populares, mas não só, atacada por muitos, com controvérsias em seu seio, aos poucos buscando uma consolidação interna, com batismo de adultos e martírios e que deixa rapidamente de ser seita para ser Igreja (p. 60-61). O centro da eclesiologia primitiva é a ideia de koinonia ou comunhão: com o Pai pelo Filho Jesus no Espírito Santo, com os irmãos, com os pobres (p. 62). Está ligada ao Espírito como aquele que dá a vida à Igreja (p. 64). Os santos padres vão usar vários símbolos para dizer quem é a Igreja e refletir sobre a missão da mesma.

Na comunhão também há tensão. A Igreja viu-se sempre desafiada a resolver questões que a tangiam. O primado romano foi uma realidade que se firmou nos primeiros séculos para presidir na caridade as questões de fé. No século XI tornou-se um centralismo (p. 77). Daí deriva a escolha dos bispos, antes feitas pelas comunidades, agora pelo sucessor de Pedro. Com a centralização e questão de recepção que diz respeito a normas que as comunidades abraçam nem sempre são levadas a sério. A Eucaristia resiste, mesmo na tensão, como símbolo do corpo que é a Igreja e da sua solidariedade com os mais necessitados (p. 81-82).

A eclesiologia medieval de cristandade (séc. IV-XVI) caracteriza-se pela passagem de uma situação de perseguição, martírio e clandestinidade para uma religião oficial do Estado. Lentamente “a Igreja passou de comunidade à república cristã e em seguida a hierarquia eclesial” mui diretamente ligada aos governos e poderio dos impérios (p. 91). O primado romano evolui em sua concepção e se liga ao governo civil. Do século V ao VIII o Papa torna-se monarca. Do século IX ao X o papa e o Imperador governam a sociedade e a Igreja sendo que o Papa está acima de tudo (p. 92). A Reforma de Cluny faz da Igreja uma corporação social em que o canônico adquire grande importância. É a transição da Igreja sacramento para Igreja jurídica (p. 93). Do século XII ao XIV o papa ganha plenos poderes e o imperador fica subordinado a ele. O papa passa de vigário de Pedro para vigário de Cristo (p. 94). Tem-se uma eclesiologia “centrada nele e na hierarquia, com acento fortemente jurídico, hierárquico e apologético” (p. 96). Claro que contra isso houve reações. Uma delas é a do monacato que busca no deserto a fuga dos vícios dos feudos e centros urbanos (p. 97). Quando a eclesiologia latina centraliza de forma absoluta o poder romano, ocorre a separação em 1054 do oriente. Houve movimentos leigos e populares, inclusive heréticos, mas outros, como os mendicantes, unidos a Igreja e conclamando-a à uma atitude mais pobre e solidária (p. 100). O conciliarismo também é uma reação que buscava sobrepor o poder dos Concílios ao do Sumo Pontífice (p. 101). Exemplo claro da eclesiologia da cristandade medieval é a evangelização da América Latina (p. 100). Esta revestia dos ideais das cruzadas. Nem todos os missionários tiveram as mesmas posturas e conclusões. Houve: escravistas, que viam os indígenas e negros inferiores aos conquistadores; centristas, que entendiam a dignidade dos escravizados, mas nada faziam; libertadores, que viam nos índios e negros o Cristo açoitado e crucificado, por isso criticavam a conquista e defendiam as vítimas inocentes (p. 106-107).

A Reforma e contra-reforma marcam um capítulo importante da eclesiologia. A Reforma “não é um movimento exclusivamente protestante, mas é movimento generalizado em toda a cristandade de fins da Idade Média, e que abarca o religioso, o político, o cultural, o social, o econômico e o espiritual” (p. 100). Lutero reagiu contra uma Igreja faustosa e aliada à corrupção em todos os âmbitos. Não buscava o rompimento, mas a radicalidade do evangelho. Logo viu que isso não se concretizaria. Lutero, então, se uniu aos governantes que queriam verem-se livres da Igreja Romana. Houve ainda a reforma helvética com Zwíngilio (1484-1531) e Calvino (1509-1564) na Suíça, a Reforma na Inglaterra e alguns movimentos marginais. A resposta católica se deu por aquilo que os historiadores protestantes chamaram de Contra-reforma, fundada num “restauracionismo católico, volta à eclesiologia medieval, mais do que à patrística, nascimento da posição militante” (p. 129). Neste contexto situa-se o Concílio de Trento (1545-1563). Com ele nasceu “a teologia das controvérsias, o tratado sobre a verdadeira Igreja e também a inquisição” (p. 130). A Igreja se define distinguindo-se entre docente (hierarquia) e discente (leigos) (p. 131). Diante dessa eclesiologia reagem outras compreensões como o galicanismo, o regalismo e o jansenismo.

O Concílio Vaticano I celebrará a afirmação de uma eclesiologia de autoridade e intransigente. Está marcado profundamente por seu momento histórico. Antecedido pela revolução francesa (1789), pela independência da América Latina, pela questão romana que dizia respeito à unidade da Itália e pela presença das tropas francesas defendendo o Papa na situação política italiana; também pela questão social do século XIX quando nasce o capitalismo liberal, pela ausência de bispos da AL, pela explosão da guerra e com a condução de Pio IX, o Concílio promove o triunfo da autoridade com a afirmação da infabilidade papal.

O Concílio Vaticano II tem outras características. Depois de duas grandes guerras mundiais e da revolução russa, encontrou o Papa João XXIII um momento ideal para convocar a Igreja a um aggiornamento. Adotando um caráter pastoral (p. 169) este Concílio consegue uma “revalorização das realidades terrenas, graças ao qual pode reiniciar um diálogo com o mundo moderno”, a “redescoberta da comunidade”, a “volta à Palavra, isto é, às fontes de revelação, o que permite à Igreja aproximação ecumênica com as Igrejas da Reforma”, o “ressurgimento do Espírito Santo”, abrindo-se assim a possibilidade de aproximação com a Igreja do Oriente (p. 169). O modelo eclesial muda. Proclama-se uma Igreja servidora da humanidade e semente do reino, povo de Deus e ministerial (p. 170). Em vez do conceito de sociedade perfeita da cristandade medieval e do Vaticano I, aqui se tem uma Igreja sacramento, “recuperando o tipo de eclesiologia da comunhão dos primeiros séculos” (p. 173) e abrindo-se ao sujeito social moderno (p. 174). Logo após o Concílio percebeu-se diferentes reações. Na grande maioria nasceu uma “nova sensibilidade, novo etos cristão e espiritual, que se chamou de mentalidade conciliar, para distingui-lo da mentalidade pré-conciliar de antes do Vaticano II” (p. 176). De outro lado, movimentos integristas como o de Lefebvre, se opuseram às reformas e romperam com a Igreja ou foram excomungados, como no caso referido. Houve também grande sangria de vocações de um lado e, de outro, o despertar de Igrejas eclesiais e do protagonismo leigo, principalmente na América Latina.

A América Latina produziu sua própria eclesiologia que pode ser chamada de Eclesiologia da Libertação. Marcada na década de sessenta por um crescimento absurdo da pobreza, surgimento das ditaduras militares, conduzida por teorias infundadas como as desenvolvimentistas, da marginalidade e da dependência, marcada por golpes militares e por reações revolucionárias e agredida pelos países de Primeiro Mundo pela TV e Imprensa vê-se este continente marcado pelo contexto de morte (p. 189). Junto a isto há o surgimento de “dois fatos novos na Igreja latino-americana destes anos: a participação dos cristãos nos movimentos de libertação e no surgimento de comunidades de base” (p. 190) que obrigam a nova reflexão eclesiológica (p. 191). Como resultado nasce a Teologia da Libertação. Alguns princípios básicos desta reflexão: historicidade da salvação, ineutralidade da teologia. Fazer teológico a partir do reverso da história e teologia que nasce posterior à praxe, teologia da misericórdia, do amor (p. 192-193). Ela “reflete a partir do novo horizonte teológico: o reino de Deus, entendido como boa nova para os pobres” (p. 193). Esta nova eclesiologia, fundamentada na TdL, desenvolveu-se nas Conferências Episcopais de Medellín, Puebla e Santo Domingo. Tal foi a renovação eclesiológica das primeiras Conferências pós Concílio que “foi dito que Medellín foi como pentecostes e Puebla como o Concílio de Jerusalém” (p. 195). Alguns traços desta eclesiologia quanto ao método: situada historicamente, não centrada em si mesma, mas no reino de Deus, centrada nos pobres, não só como objeto prioritário de atenção eclesial, mas como sujeito prioritário da Igreja e lugar teológico privilegiado, pneumática (p. 196-197). Os traços teológicos de novo modelo de Igreja caracteriza-se por construir uma “Igreja a partir do reverso da história, de baixo, que tem novo sujeito social os pobres” (p. 199); eclesiologia das comunidades de base; eclesiologia da cruz; eclesiologia indígena; eclesiologia pneumática. Tudo isso conferido seriedade e veracidade pelo testemunho até o martírio de muitos cristãos. É uma “eclesiologia nova, pobre, pascal, missionária, evangelizadora, comunitária, martirial” (p. 202). Esteve sujeita a erros e exageros e, consequentemente, de más interpretações dentro e fora de seu seio, a ponto de sofrer sanções e perseguições de quem o pudera fazer, até mesmo da Cúria Romana.

Modelos eclesiológicos: tradicional (séc. IV – Vat II), centrada no poder e autoridade eclesial. Moderna (Vat II), centrada no conceito de comunidade, Igreja Povo de Deus. Libertadora (Medellín e Puebla) Igreja Povo de Deus em caminho de sua libertação, pobres como sujeitos. Esquemas Mentais: Chave tradicional, visão essencialista, à margem do sujeito que a contempla. Moderna, tem o centro na pessoa, valoriza a mudança, a história, a evolução, cristocêntrica. Libertadora, reino de Deus misericordioso que privilegia os pobres. Princípios eclesiológicos básicos: de comunhão, convocada pelo Pai para a partilha; cristocêntrico, é o corpo de Cristo na história; pneumático, a Igreja vive da força do Espirito Santo e é seu templo.

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