Visitando o Direito Canônico

Caros amigos, o presente texto é um resumo da obra "DIREITO ECLESIAL: instrumento da justiça do Reino" de Roberto Natali Starlino. A obra trata do Direito Canônico da Igreja Católica Apostólica Romana. Tal Direito “surge no início do século XII” (p. 21). O direito eclesial, como também é chamado, é um instrumento da justiça do Reino pregado e testemunhado por Jesus de Nazaré. Está intrinsecamente ligado à justiça. Esta, pois, é o “fundamento do direito”, o “plano de Deus” e o “nome de Deus” (p. 21). O “direito visa a humanização” (p. 23) e em “nível de fé cristã, é o que Deus quer, seu desejo, sua vontade e seu mandamento dado aos seres humanos pela iniciativa do próprio Senhor” (p. 27). No Direito Canônico a pessoa humana tem primazia que “é, por um lado, real e, por outro, ideal, uma constatação e uma conquista” (p. 28).

O Direito Canônico atual está marcado fortemente por João Paulo II que o promulgou em 1983 e o interpretou em várias ocasiões. Para ele, “o Direito deve respeitar e apoiar a dignidade da pessoa humana e sua subjetividade fundamental, sua dimensão integral, seu bem, seus direitos inalienáveis, sua liberdade” (p. 26). Tinha também como linha fundamental da filosofia do Direito a determinação do trabalho como sendo o campo de atuação do Direito onde o serviço à dignidade do ser humano deveria ser prestado (p. 26). Para o papa a vida comunitária e social, mantendo o bem comum no espírito de solidariedade, é que conduz ao amor (p. 26). Assim, não se deve descuidar, em nenhuma instância, da verdade objetiva com respeito ao bem. Daí que, “não basta a filosofia do direito, mas é preciso a teologia do direito” (p. 26). Surgem, então, pressupostos teológicos da noção de Direito: crença e fé, antropologia teológica, natureza e cultura, natureza e graça, a Trindade como identidade do humano, Cristo como ícone da Trindade e, tudo isso, resignificado na teologia latino-americana (p. 26-33).
O mesmo papa considera em seus escritos, os seguintes pontos fundamentais da antropologia teológica: 1) o ser humano é criado à imagem de Deus; 2) o ser humano é dividido em si mesmo porque é “vulnerável”; 3) para dar adesão a Deus, o ser humano é chamado a superar as resistências da carne, dando valor salvífico à inevitável cruz que leva à vitória, por força do Espírito Santo (p. 29). O conceito de relação em JPII é muito importante, assim como em todas as antropologias teológicas do século XX. Em última análise, a “identidade do ser humano está na Trindade” (p. 31) que é uma relação de amor. Algo para salientar é que “quando falamos da pessoa humana, em direito canônico, não se pode perder de vista este horizonte: trata-se da pessoa criada-caída-redimida” (p. 33).
O papa Paulo VI via o mandamento do amor a Deus e ao próximo como a fonte do Direito Canônico (p. 36). Embora sendo “um complexo de leis emanadas pela autoridade competente para ordenar a constituição da Igreja e regular nela o pastoreio dos fieis nas matérias que são de competência da comunidade cristã” (p. 39), ele está submetido a estas duas leis que Cristo deixou à sua Igreja. Assim, entre as várias definições, pode-se dizer que “o Direito Canônico é a ‘teologia prática sobre as leis da Igreja’ (Capello)” (p. 39) e “uma ciência teológica que se situa no ramo prático, ou seja, reservado para as disciplinas teológicas que consideram primeiramente a vida cristã” (p. 42). Historicamente, com os Santos Padres a teologia se ocupava com o regimento da Igreja sem dividir-se, era uma visão cristã do mundo. “Só em 1140, como o Decretum, de Graciano, que a teologia apresenta-se dividida em duas grandes disciplinas: Sagrada Escritura e Direito Canônico” (p. 46).
A esta altura, cabe esclarecer alguns conceitos: o direito diz respeito aos direitos e deveres dos fieis cristãos, a saber, todos os batizados. No que diz respeito aos deveres, os “que são realizados com a alegria da caridade vêm primeiro” (p. 58). Entende-se por lei o direito escrito (p. 48), mas há a lei eterna – providência de Deus – e a lei natural, que nada mais é do que “a participação da criatura racional na providência de Deus” (p. 47). Fala-se em Teonomia que significa “a razão autônoma unida à sua própria profundidade” (p. 49). Diferencia-se direito natural de direito positivo. O primeiro é o “que tem sua imediata origem na própria natureza” e o segundo “o que vem da livre vontade do legislador” (p. 50). “O objeto material do Direito Canônico são as leis da Igreja” (p. 62). Já o formal “é a fé cristã sob o ponto de vista da vivência da comunidade eclesial em abertura e diálogo com outras igrejas, comunidades eclesiais, religiões e mundo” (p. 62). Há também o método: teológico.
Todo o Direito Canônico está a serviço da Igreja. Nos últimos quinhentos anos os teólogos falam em três modelos de Igreja ou de eclesiologia: 1º Trento (Igreja: sociedade perfeita); 2º Vaticano II (Igreja: povo de Deus); 3º Latino-americana (Igreja dos pobres) (p. 66). Importante é saber que “a autocompreensão da Igreja determina uma noção de direito eclesial” (p. 81) e que este “é um instrumento de salvação, obra do Espírito, um ‘direito sagrado, inteiramente distinto do direito civil... por sua natureza, pastoral’” (p. 72). Sendo direito um dom de Deus que se revela em Jesus pelo Espírito à Igreja, conta também com a resposta humana par a construção do Reino, por isso a participação e comunhão dos fieis dá ao Direito a capacidade de ser meio e instrumento de justiça neste mundo (p. 82).
São Leão Magno afirmava que “amar a Deus e amar a justiça é a mesma coisa” (p. 86). “A justiça do Evangelho é aquela virtude que, plenamente cumprida, se identifica com a caridade e edifica a comunidade de fé, onde as pessoas reconhecem-se como irmãos” (p. 87). O Direito é uma forma de garantir justiça, que deve ser pautado pela caridade. Isto conduz à comunhão que, segundo a Constituição Sacare Disciplina eleges, é uma das bases do novo Código de Direito Canônico. O Decreto Unitates redintegratio, n.3, coloca na base da comunhão o batismo (p. 93). Para a plena comunhão com a Igreja Católica há critérios: “pertença à mesma Igreja e comunhão na fé, a comunhão no culto e nos sacramentos e a comunhão no governo” (p. 93). Toda pessoa em comunhão, por isso fiel, tem a missão de evangelizar “respondendo à sua vocação segundo sua própria condição histórica. O código enumera as seguintes: idade, moradia, parentesco e rito” (p. 103).
Quanto aos direitos e deveres das pessoas fieis há três cânones fundamentais que servem de moldura: o 208 que fala da igualdade, o 209 que fala da comunhão e o 223 que trata do bem comum na Igreja e o direito dos outros (p. 122). Todos têm o direito e o dever de santificar e santificar-se, de empenhar-se no anúncio missionário, de se relacionar com os ministros da Igreja, liberdade para praticar seu próprio rito e viver sua espiritualidade própria de acordo com a Igreja, liberdade de associação e reunião para fins conforme a Igreja, de promover e sustentar a atividade apostólica, direito à formação integral nos ensinamentos cristãos, liberdade de pesquisa e de expressão nas ciências sagradas. Liberdade de escolha do próprio estado de vida, direito à boa fama e à própria intimidade, direitos de caráter judiciário, dever de socorrer a Igreja em suas necessidades, de promover a justiça social e a assistência aos pobres e dever de promover o bem comum e o respeito aos direitos dos outros (cf. p. 122).
 O Direito herda da teologia o conceito de que “não há diferença no sacerdócio de Cristo, sempre uno e indivisível”, mas há uma diferença no modo de participação que pode ser apenas pelo batismo ou pelo batismo/ordem (p. 111). Este último é nominado pelo Código como ministro sagrado ou clérigo porque, “além do batismo, coloca-se, por vocação e graça de Deus, num serviço ordenado na Igreja” (p. 122). Todos os fieis batizados têm liberdade para se ligarem a qualquer associação na Igreja, seja na forma consagrada ou não (p. 122).
Como está sendo continuamente lembrado, a Igreja anuncia o Reino de Deus e, para isto, tem meios de ação evangelizadora. A missão da Igreja é evangelizar e há três aspectos desta única missão: “anunciar (múnus de ensinar), celebrar (múnus de santificar), construir (múnus de reger) o Reino” (p. 127). Destes, o ensinar é o primário. O Código apenas fala dos direitos e deveres referentes a ele. A doutrina a respeito “aparece em outros textos, especialmente os dos concílios” (p. 127). No que se refere ao múnus e ao poder de governar ou dirigir o povo de Deus, não foi dado “um livro exclusivo no atual” Código e está distribuída em diversas partes da legislação (p. 146). Os ofícios eclesiásticos se dão quando alguém recebe a autoridade para um determinado trabalho na comunhão eclesial. Para isto é preciso uma documentação chamada “provisão do ofício”. Com eles um fiel pode exercer funções jurídicas. Estas podem ser atos ou fatos jurídicos. O que distingue um dom outro é a vontade (p. 133). “No ato jurídico, os efeitos são produzidos pela lei, independente da intencionalidade da pessoas”; já o fato jurídico é “um acontecimento puramente natural e necessário” como nascer e morrer (p. 133).
O Código apresenta atos do poder legislativo que são as leis, no caso, eclesiásticas. “Duas importantes características da lei eclesiástica são a equidade canônica (c.19) e a epiquéia” (p. 134). A equidade, segundo Henrique de Susa (+1271) “é a justiça temperada pela doçura da misericórdia” (p. 135). A epiqueia “é uma norma subjetiva da consciência que, com seu juízo íntimo, se considera desculpada da observância da lei em casos e circunstâncias particularmente difíceis. Diz respeito mais à moral do que ao direito” (p. 135). A Igreja também tem os Decretos usados para sua administração e que provem do poder executivo. É praticado por quem tem o múnus de liderar o povo de Deus (p. 141). Também existe o poder judiciário que, com tribunais e juízes, julga todos os processos que possam surgir. Mas a Igreja, aposta mais no seu modo pastoral de “evangelizar para a salvação integral de todas as pessoas” (p. 144) - poder de coersão -,  do que na punição penal. No espírito de participação e comunhão, com a distinção de ministérios e serviços, ela busca viver sua missão dentro de uma organização do povo de Deus que favoreça o bem comum e a vida plena.
Tratando ainda dos meios da evangelização o Direito Canônico apresenta o ofício e o poder de santificar. A Igreja exerce “o ofício de santificar quando reúne e organiza a comunidade na comunhão”, quando evangeliza e quando realiza a celebração do mistério pascal de Cristo, prestando culto a Deus (p. 149). Os sacramentos são os meios pela qual a Igreja comunica a graça que recebeu aos fieis. O primeiro dele é o batismo, “uma instituição de direito divino que torna um ser humano membro do povo de Deus” (p. 155). Por ele se dá a iniciação cristã que é seguida da Crisma, onde “as pessoas batizadas prosseguem o caminho da iniciação cristã” (p. 157). O cume deste processo se dá com a Eucaristia (p. 157). “A celebração eucarística é ação de toda Igreja” (p. 157), por isso possui um largo espaço na Código. Existem como herança do Senhor os sacramentos terapêuticos ou de cura: Penitência e Unção dos Enfermos. A “Confissão gera o perdão dos pecados cometidos após o batismo, pelo arrependimento e propósito de emenda, mediante a absolvição dada por um ministro legítimo. Pelo perdão dos pecados há reconciliação com a Igreja” (p. 166). Estes sacramentos são manifestação da solidariedade tanto no perdão como na doença, como garantia da vida em comunhão (p. 180). Por fim temos os sacramentos diacônicos ou de serviço: Ordem e Matrimônio. São modos distintos dos fieis consagrarem suas vidas na evangelização (p. 180). Fazem parte ambos do sacerdócio único de Cristo (p. 168). Na Igreja existem três ordens. Para a aceitação a cada qual há os requisitos, os ordinários, as qualidades e as leis próprias (p. 170). “O matrimônio é a base de Igreja doméstica” e o “instrumento privilegiado da ação evangelizadora” (p. 171). A família nasce dele e a ele o Código dá bastante abrangência.  Há regras para a sua celebração, para a sua validade ou nulidade, para os impedimentos; sua missão fica bem clara e a diferenciação quanto a ritos diferentes e aos ministros.
A civilização do amor continua sendo nossa esperança. Mesmo com um instrumento como o Código de Direito Canônico a serviço da Igreja, cada dia mais se percebe que é preciso aperfeiçoar. A Justiça precisa ser aquela do Reino e para isso é preciso que a Igreja a busque como sempre vem buscando, uma vez que a justiça é “também princípio da Igreja como Povo de Deus” (p. 184).

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