O carisma de São Francisco de Sales - Espiritualidade Salesiana

O contexto cultural, religioso, social, político e intelectual
no tempo de São Francisco de Sales é marcado por mudanças. Nos séculos XVI
e XVII ocorre a primeira fase da Modernidade, inaugurada por quatro movimentos:
Renascimento (e o humanismo), Protestantismo, Descobrimentos e Centralização
Política no soberano do Estado (FRANCO, 2001, p.171). Tudo isso gerava uma nova
visão do homem sobre o universo, sobre a sociedade, sobre o Divino e sobre si
mesmo. Os paradigmas mudavam. A Igreja enfrentava uma forte crise e, como se
pode imaginar, para o cristão que quisesse seguir uma vida conforme o Evangelho,
exigia-se um bom discernimento e heroica fidelidade.
PAI DE UM NOVO
CARISMA. Francisco de Sales é o pai de um novo carisma na Igreja, um carisma
que vai para além da fé católica e que conquista a todos porque é amável e
doce, firme e constante, humano e positivo.
VIVA JESUS. Está
condensado no lema “Viva Jesus” que nada mais é do que viver segundo Jesus, o
Filho de Deus, de acordo com os princípios e ensinamento do evangelho,
sobretudo, das Bem-aventuranças (RAVIER, 2000, p.68).
MANSO E HUMILDE. Dizia Jesus: "aprendei de
mim, porque sou manso e humilde de coração” (Mateus 11, 29). São
Francisco de Sales moldou-se segundo estas características que o Cristo diz de
si mesmo. Não de aparências, mas de coração.
SUA PRÓPRIA PESSOA. O carisma de São Francisco de Sales é sua própria
pessoa. Sim, ele assumiu para si as características do coração do Mestre e
moldou seu coração segundo o de Jesus. E para conhecer este carisma é preciso
ter amizade com o santo, conhecer seus escritos e viver com os passos que ele
descreve, imitando sua mansidão e humilde amabilidade.
ACESSÍVEL A TODOS. Se
levarmos em conta a definição de carisma dada por Leonardo Boff[1] de que a pessoa não possui um carisma, mas
é possuída por ele” e de que o carisma “está nos seres humanos, mas não vem
deles”, por isso é um dom especial da pessoa, podemos dizer que o mérito de
Francisco foi corresponder ao dom que lhe foi confiado (perfazer o caminho da
humildade e mansidão) e torná-lo acessível a todos que queiram ser amigos de
Deus. Ele foi como uma abelha que trabalhou com o néctar colhido no jardim por
onde voou e o transformou num doce mel servido à humanidade.
TUDO POR AMOR. Escreveu São francisco de Sales à Santa Joana de Chantal: "Eis a regra geral de nossa obediência, que te escrevo em caracteres grandes: FAZER TUDO POR AMOR, NADA À FORÇA..." É uma regra que se destina a todos, valoriza o
cotidiano e inscreve como lei nos corações a Caridade. Trata-se do amor vivido
como meio e não simplesmente como o fim de toda ação (Const. OSFS, p.8). Isso se faz visível pela doce humildade e mansidão,
visíveis na cortesia e amabilidade para com todos, inclusive consigo mesmo.
Para Francisco, só se é caridoso quando se trata o próximo com estas virtudes.
DIÁLOGO.
Tais características trazem em si a capacidade de escuta e de diálogo.
O carisma salesiano exige o diálogo com Deus, com o próximo, consigo. É um
diálogo sempre de coração a coração. E só se dialoga com mansidão e amabilidade
quando se é humilde[2] e se tem a certeza de que Deus
está presente no que acontece, ainda que misteriosamente. Era assim
que vivia Francisco.
PÉS
NO CHÃO. Francisco ensina a aceitar a realidade como ela é, a
vida como ela chega, para, então trabalhar com a graça de Deus nas
transformações necessárias e possíveis. E o ser humano, este
microcosmo inserido no macrocosmo, é o espelho frágil onde se reflete a
grandiosidade de Deus e onde o cristão pode ver a quantos degraus está na
subida rumo à santidade. Trata-se do êxtase da ação, das obras: amo a Deus
quando sou capaz de sair de mim mesmo para cumprir as obras que o amor ordena.
NÃO
VIOLÊNCIA. Nosso santo vai apresentar um carisma que busca o bem de
todos e que se opõe a toda e qualquer violência com quem quer que
seja. O que mutila o ser humano é contra o mandamento do amor. Não há espaço
para conformidade com o mal, mas só com a vontade de Deus. Vontade esta que
está explicita na ordem do universo e na beleza da Revelação. Vontade que pode
ser cumprida por todos, em todos os lugares, a todo momento, de formas
distintas.
UNIÃO
DAS VONTADES. É um carisma que convida à União das vontades. O Deus de Deus é
sempre perfeito, por isso nós devemos querer o que Ele quer. E, oxalá, toda a
humanidade pudesse querer a paz, a justiça e o bem! Assim, não haveria guerras
e fome, rivalidades religiosas e humilhação do próximo, realidades que o santo
testemunhava frequentemente.
CARIDADE,
RAINHA DAS VIRTUDES. Ele acreditava que a caridade é o ponto de união para
todos, pois é como a abelha rainha na colmeia: possui o poder de atrair e
dirigir no mesmo sentido os que se submetem a ela.
OTIMISMO.
Seu otimismo faz frente aos profetas da tragédia. O ser humano
é bom e amável e a Criação é dom de Deus. É preciso acreditar em cada um, a
começar pela gente mesmo. Estando no amor de Deus, por ele enxergamos tudo o
que há. Por isso, até diante da mais cruel dor, não se faz morrer a chama da
fé, nem da esperança. É um carisma que se alimenta da cruz e ressurreição do
Salvador. Não paralisa, mas mobiliza. Na cruz encontra o afeto efetivo,
solidário. Na ressurreição, no Ressuscitado, a certeza de que Sua presença nos
fortalece para o engajamento em prol da vida: “tudo posso naquele que me
fortalece”, repetirá com São Paulo.
LIBERDADE.
esta é a virtude que carimba como verdadeiro o amor. Deus não força ninguém,
ninguém pode forçar outrem: “TUDO POR AMOR, NADA À FORÇA!”.
VIDA
INTERIOR. Por fim, importa dizer a primazia da vida interior no
caminho salesiano. Fachadas não são bem-vindas para Francisco. Ele mostrava que
seu carisma estava destinado a todos que quisessem conservar no íntimo de si o
Evangelho e viver como Jesus, por meio de gestos e palavras que não procurassem
prestígio em nome de Deus, nem concedesse fardos pesados valendo-se de uma
piedade falsa e opressora. O instrumento para isso é um pequenino livro chamado
Diretório Espiritual, onde a pessoa é conduzida a Deus por pensamentos e
jaculatórias, atitudes e posturas, indicadas em forma de simples exercícios
possíveis de serem realizados por quem queira. Ele se faz notar na Filoteia, no
Tratado do amor de Deus e nas outras obras de Francisco de Sales e dos seus
continuadores.
Para
Francisco de Sales Viver Jesus é ser Cristo para o mundo, é encontrar Cristo a
toda hora, em todo lugar, em toda pessoa, é amá-Lo como se consegue, sem nada
esperar em troca, nem temer. Viver Jesus é ser o que se é com a missão de
tornar-se aquilo que se pode ser; é amar, porque o amor é a vida do ser humano
(TAD, XI, XX). E Francisco viveu assim. Estas características se notavam nos
seus passos. E era justamente isso que atraia. Seu carisma é um modo de viver:
sempre com Deus. E o fazer deve ser coerente com este modo de viver. Importa
comporta-se como filhos de Deus, de Deus que é amor. E este Deus que não
precisava provar seu amor, o fez prova no Calvário, na Cruz. A missão dos que abraçam
esse carisma é seguir os mesmos passos: dar a vida por amor.
[1]“Carisma e carismáticos: que energia é essa?” Disponível
em: <https://leonardoboff.wordpress.com/2014/08/31/carisma-e-carismaticos-que-energia-e-essa/> .
[2] “Dentre todas
as virtudes, vos recomento as duas mais queridas de Nosso Senhor, as que tanto
deseja que aprendamos d’Ele: a humildade e a doçura de coração” (Carta 2062 a
Joana Francisca de Chantal, 1605‐1607;
OEA XXI, 143). “A humildade nos torna perfeitos em relação a Deus e a doçura em
relação ao próximo” (IVD III, 8).
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