Coragem


“No mundo tereis tribulações. Coragem! Eu venci o mundo" (Jo 16,33). Não se definir bem o que sinto quando ouço esta frase. Tenho a sensação de ser similar aos antigos projetores de cinema aonde o filme ia se desenrolando para que a projeção acontecesse. Coragem. Não há palavra mais próxima da fé do que esta. É uma virtude que se apresenta em momentos desconfortáveis. Não há como não desejá-la. Entretanto, se não a precisássemos, seria melhor, porque ela é imagem do barco que enfrenta a tempestade em noite escura, fria e solitária.

Coragem! Se alguém me diz isto é porque sabe que estou passando por uma tribulação ou porque passarei por uma provação. Coragem remete a desafio. Todo desafio exige coragem. Sorte (se existir) poucas vezes faz a diferença. Coragem é o que nos faz crescer. Tem momentos que ela vem como um dom do céu. Enfrentamos a contradição que jamais pensávamos poder enfrentar, com uma força que parece não ser nossa. Tem momentos que a gente precisa arrancá-la de si mesmo. Ela se ergue sobre nossas pernas trêmulas e nos ilumina sobre nossa convicção titubeante.

Qualquer um que queira ser livre e dispor de autonomia em todos os momentos de sua vida precisa desta singular virtude. Coragem não é encarar tudo o que desafia, mas discernir o que vale a pena encarar. Platão, no diálogo Laques, disse algo parecido: “a coragem é saber o que se deve e o que não se deve temer”. Ela é uma             virtude (Cf. Mênon), uma força moral que deve ser exercitada e polida. O grande Aristóteles a encontrou na justa medida entre os sentimentos do medo e da confiança. Para ele, "o que mantém o sangue frio nas circunstâncias em que a maior parte ou a totalidade dos homens tem medo"[1], este é corajoso. Ela não é um ímpeto da natureza, mas da razão. Diz Aristóteles: "na realidade, aquele que é possuído pela razão e enfrenta o perigo em vista do bem, aquele que não tem medo nessas circunstâncias, pode ser chamado o homem de coragem"[2]. Coragem é ação do coração, “o coração que age”.[3] Ela anda lado a lado com o amor. Para os antigos, está ligada à amizade, pois um amigo corajoso é um amigo confiável. Jesus repetia: “coragem, sou eu” (Mt 14, 27) e firmava sua estreita ligação com seus amigos.

“No mundo tereis tribulações. Coragem! Eu venci o mundo" (Jo 16,33). Estou te ouvindo, meu Amigo. E é nesta amizade que ouso encarar as dificuldades da vida e os desafios que ela apresenta. Porque te amo e sei que Tu me amas, deixo meu coração agir. Não desisto, pois este é o caminho mais fácil e menos certo. Não sei bem o que sinto quando te ouço falar estas frases. Só sei que, em tua amizade, vale a pena enfrentar o medo, vale a pena ousar, vale a pena superar a mim mesmo. Não sei se posso ser chamado homem de coragem, nem se sei o que devo ou não temer, muito menos, se sou virtuoso. Eu só sei da nossa amizade: é nela que encontro a coragem.

 

 

 

 

 

 

 



[1] Aristóteles (1995). Les Grands Livres d`Éthique (A Magna Moralia). Évreux: Arléa, 1190 b, 15.
[2] idem, 1191 a, 25, p. 92.
[3] Como mencionei no post “Mensagem à Santa Maria – ‘Eu só quero dizer’”. Disponível em: <http://nildodemelo.blogspot.com.br/2013/01/eu-so-quero-dizer-mensagem-santa-maria.html#!/2013/01/eu-so-quero-dizer-mensagem-santa-maria.html>

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