Um olhar agradecido no caminho percorrido
São Francisco de Sales, um dos
grandes mestres de espiritualidade, nos ensina que “o caminho não é feito para
estar sentado mas para andar” (TAD III, I). Todas as vezes que lembramos de
caminho paralelamente lembramos de caminhada. Quando alguém nos mostra um
caminho, é sempre para que o percorramos, para que saibamos como é que se vai
ou que se chega. O caminho nunca é para ele mesmo, o caminho é para quem
precisa seguir.
Na vocação pessoal e na vida cristã
cada passo é importante. Os passos marcam sempre algo a mais, por menor que
seja. Os passos deixam-nos sempre mais próximo da chegada e mais distantes da
partida. Falamos do passo à frente, não do passo que rodeia a si mesmo ou do
passo que recua. No caminho de Jesus (o primeiro nome comum de nossa Igreja foi
justamente O Caminho) só se pode voltar atrás e parar para socorrer o irmão (Lc 10, 30-37), agradecer e
testemunhar a graça (Lc 17,11-19),
descobrir quem é o Senhor que realiza a libertação (Jo 9, 1-37) e voltar à casa
do pai (Lc 15, 11-32). E mesmo assim,
é um passo à frente, talvez um salto, pois a pessoa nunca mais volta a ser
aquilo que era.
Para se ter um olhar agradecido no
caminho percorrido é preciso enxergar-nos como erámos em cada momento do
caminho. Quem olha o caminho percorrido estando petrificado naquilo que hoje é,
geralmente comete injustiça. Quando olho as situações vividas na minha
infância, preciso enxergar-me como sendo uma criança, a criança que eu era, as
condições que eu tinha, os sentimentos que me dominavam, as marcas que eu
trazia. Isso vale para a adolescência, para a juventude, para qualquer outro
momento da vida, para qualquer situação, de virtude ou de pecado. Muitas vezes
ocorre que vemos nosso passado com as categorias de interpretação que possuímos
agora, não levando em conta que eram outras as condições quando erramos ou
acertamos no decorrer do caminho.
O olhar agradecido existe quando
ele tem lentes de ternura, de compaixão e de alteridade. Até, mesmo para
arrepender-se: se não existe empatia, acaba sendo juízo casuístico em vez de
atitude salvífica. O olhar agradecido é um olhar apaixonado, por isso o coração
empedernido poucas vezes o possui. O olhar agradecido é generoso, quer
multiplicar motivos para caminhar todos os que são chamados ao mesmo caminho. O
olhar agradecido é fruto de um coração que se sente privilegiado, amado de
maneira única, eleito na gratuidade.
Mas a gratidão mais bonita é a do
amor que antes amou do que foi amado, do coração que amou apesar de não ser
amado. Isso ensina o Samaritano Compassivo. Seu salto no caminho foi fazer o
que era preciso ser feito, na liberdade de quem descobriu que o dever de fazer
o bem não é peso nem raridade – é simplesmente um caminho.
A gratidão do retorno para
testemunhar que valeu a pena ter arriscado no caminho porque o Senhor o havia
indicado, gratidão que o leproso manifesta apesar de seus nove companheiros acharem
que não era necessário, é virtude de quem sabe reconhecer o dom dos outros que
se fez dom para ele. O leproso, ao contrário de seus companheiros, não
adonou-se da sua cura. Sabia que ele veio de Jesus, por isso voltou. Voltando,
deu o salto no seu caminho, porque revelou-se muito amado e sinal do amor que
devolveu sua dignidade de ser humano.
A gratidão do cego que procura quem
o havia libertado é o caminho que faz aqueles surpreendidos pela misericórdia
do Senhor. O Mestre não dá espetáculo nem cobra pagamento, mas marca tão
profundamente aquele que foi curado que toada a graça de ver não é suficiente
se não puder enxergar aquele que tudo fez. É a gratidão que cria relação, que
faz único o que curou, não só o curado.
E a gratidão do filho pródigo é a
gratidão que deixa o Pai ser pai, que deixa o pai ser agradecido também e
festejar. É gratidão que faz retornar no caminho para dar o salto de descobrir
como Deus vai além de nossas expectativas, de como o nosso caminhar era
esperado pelo pai para que, apesar das voltas da vida, chegássemos de novo à
casa dele. É a gratidão que brotou na miséria e que explodiu diante de um amor
surpreendente.
Um olhar agradecido no caminho
percorrido é sempre um olhar que reconhece o caminho e o percorrer que nele se
deu. É um olhar que contempla a memória e deseja a história. É um olhar curado,
amado, amante e apaixonado. E porque é assim, direciona muitos outros olhares
também. Eis que é fonte de impulso e inspiração para muitos se levantarem e
darem os passos que são seus e que os levarão a cumprirem sua missão.
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