Perfeição
Estava
observando um joão-de-barro construindo sua casa num poste em plena avenida.
Rodeado pela rudeza do cimento, o forneirinho e sua companheira voavam longe em
busca do barro, matéria prima de sua nova residência. A eficiência do pequenino
impressiona e a força do seu instinto no faz pensar em uma palavra que, vez e
outra, nos deparamos: perfeição. De fato, a casinha do e da joão-de barro, feita
em forma de forno, com 17 a 30 cm de diâmetro e uma altura de cerca de 20 cm,
que pode pesar até 12 kg, cheira perfeição. Onde ele aprendeu? Por que constrói
desta forma? Como sabe o lado predominante do vento? São perguntas que fazemos
e que encontram suas respostas na sabedoria intrínseca da natureza.
O
joão-de-barro não é o único sábio e intrigante da natureza. A barata, por
exemplo, impressiona por ser o inseto mais veloz. Já a aranha fabrica um fio que é
mais forte que cabo de aço e este é mais leve, resistente e flexível que os
materiais atuais. O Ácaro também surpreende: é o ser vivo mais forte, pois pode
carregar até 1180 vezes seu peso. Depois vem o Besouro-rinoceronte que suporta
até 850 vezes seu peso. Já os cupins constroem maravilhas arquitetônicas que
podem chegar de 5 a 6 metros, com sofisticados sistemas para atender todas as
necessidades dos cupins, que não podem aparecer na luz solar, devido a sua
estrutura corporal. No ninho, existem sistemas de ventilação, corredores,
quarto de larvas, estaleiros especiais para produção de fungo, saídas de
segurança, salas para o tempo quente e frio, enfim, de tudo. O mais
interessante é que os cupins que constroem o ninho e todo este sistema
maravilhoso, são cegos, imagina?! Precisamos recordar, ainda, as abelhas, que
são excelentes calculistas e constroem colmeias em estruturas tão perfeitas que
servem de inspiração para a construção de aviões e esquis, por exemplo. Quem
não fica para trás são as formigas, consideradas as melhores urbanistas da
terra, tanto que os formigueiros gigantes são as mais fascinantes estruturas
estudadas por pesquisadores. Eles podem chegar a quilômetros de extensão e
metros de profundidade, possuindo câmaras de estocagem, ninhos e circuitos de
passagem de uma câmara a outra. E, como mencionei, tudo o que estes pequeninos
fazem é motivado, limitado e condicionado pelo instinto.
Nós também
temos instintos e fazemos muitas coisas condicionados por eles. Mas não estamos
limitados, em última instância, por eles. Perdemos a segurança da perfeição dos
instintos para conquistá-la pela opção. Não temos a capacidade natural de
produzir substancias resistentes como as aranhas, nem de construir casas ainda
filhotes, como os joões-de-barro, mas, em contrapartida, temos o dom da razão.
E, se os outros seres vivos possuíssem consciência deste privilégio que temos,
cobiçariam, tal como nós, esta característica que também cheira a perfeição.
A grande
diferença é de que, para o ser humano, a perfeição é ponto de chegada, mas não
de partida. Os animais e insetos fazem só o que podem fazer, segundo lhes dotou
a natureza. Porém o homem não está preso a estes limites. A razão e o coração
são duas vias de uma estrada para o infinito que não o permitem se enrolar nas
linhas do horizonte. Assim, o sabor da perfeição não se mostra satisfatório nas
coisas que bem realiza, pois quando um homem constrói uma casa com exímia
perfeição, constrói dentro de si algo novo, quando produz alguma coisa no
mundo, produz em seu mundo, outra coisa que pode fazer de si mesmo, melhor ou
não. No perfeito que perfaz, busca a perfeição daquilo que não foi feito para
outro feitio: sua vida.
Muitas vezes
nos assustamos com gente que se propôs a viver um caminho de perfeição, mas desviou
da rota. Esquecemos que quem se propõe alcançar a perfeição está a caminho. No
caminho as surpresas desafiam e manter a rota não é fácil. O importante é não
perder o horizonte e seguir em frente ainda que custe. O ponto de partida é o
desejo, a resolução, a convicção de que aquele modo de vida é o ideal, não é a
perfeição. Por isto é que toda proposta de caminho de perfeição séria apresenta
como baluarte o perdão, a compreensão, a correção, a reflexão e a capacidade de
recomeçar. Difícil é quando torpes atitudes geram parvas conclusões corrompendo
a verdadeira imagem da perfeição. Ela é ponto de chegada. Segundo a fé cristã,
tal ponto é, e só se chega, pela graça de Deus.
O
joão-de-barro me ajudou a pensar isto. A perfeição de sua arquitetura me fez
olhar para o andamento da construção do homem que sou e que preciso ser. Mais!
Me instigou a repensar o conceito de perfeição, e creio que isto seja mais um
pequeno passo no caminho em busca dela.
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