Não jogar fora
Estava preparando uma reflexão para o Domingo da Sagrada
Família, o primeiro domingo após o Natal, pois iria presidir uma celebração da
Palavra em minha comunidade de origem no Paraná, quando deparei-me mais uma vez
com o evangelho de São Lucas 2, 41-52. O texto fala do menino Jesus
adolescente, que escapa da proteção dos pais e fica no templo por três dias, enquanto José e Maria, o
procuravam aflitos. Ao encontrá-lo, Maria toma a palavra e lhe chama atenção
por esse acontecimento. O menino, no entanto, responde de maneira a confundir:
“Não sabíeis que devo ocupar-me com as coisas de meu Pai?”. O texto segue
dizendo que Jesus voltou para casa com os pais e lhes era submisso, crescia em
graça, sabedoria e estatura. Sim, esse texto não encerra assim, diz ainda que
Maria “guardou tudo isso no coração”.
Fiquei pensando nos milhares de pais e mães que hoje
procuram seus filhos perdidos, às vezes, dentro da própria casa. Nos pais e
mães que em vez de perderem os filhos, se perderam dos filhos e em tantas
outras situações que conheço - da minha família, das famílias de tantos amigos
e também das famílias de nossos catequizandos. Fiquei tentando entender as
palavras de Jesus, de Maria, no silêncio de José, tentando pensar na angústia
que esse casal sofreu ao ver-se longe do único filho. Porém uma coisa ecoou
mais forte dentro de mim. Foi a frase final do evangelho: "Maria guardou
tudo isso no coração".
As famílias de hoje, reclamam dizendo não conseguirem
entender seus filhos, principalmente os adolescentes. Maria e José também não
entenderam a atitude e as palavras do
menino. Qual a diferença então? A diferença estava no que Maria fez: “guardou
tudo isso no coração”. Atitude sábia e cheia de amor é escutar. Todo mundo
precisa falar e todos precisam escutar. Quem ama escuta, quem escuta ama. Mas
parece que só escutar não é o suficiente, pois este verbo não é sinônimo de
entender. É preciso então guardar. Quantas e quantas vezes jogamos fora o que
dizem os jovens, as crianças, os adolescentes, nossos filhos. O segredo de
Maria é fantástico! Guardar, simplesmente não jogar fora, principalmente se não
pode entender. Maria não jogava fora o que o filho dizia, cultivava cada
palavra, cada gesto como uma semente que tem a hora certa para germinar.
Gostaria de falar-lhes agora o que entendo como “não jogar
fora”. Primeiramente, só não jogamos fora o que pode um dia nos ser útil;
segundo, porque temos espaço para guardar; e finalmente, porque somos capazes
de esperar o tempo necessário em que a coisa ou a palavra guardada possa ser
compreendida. Guardar o que os filhos dizem não é concordar com eles, mas sim,
buscar entender o porquê, o motivo, o sentimento, o ponto de vista e o desejo
deles ao falarem ou fazerem tal coisa. Quem guarda no coração, procura o lugar
mais puro de si, onde só tem lugar para a verdade. Pai e Mãe que guarda no
coração o que dizem os filhos sabem que um dia as mesmas palavras serão como
chaves para abrir portas e mostrar um novo horizonte. São pessoas de coração
grande com espaço para os filhos e para aquilo que é dos filhos; errarão menos,
pois terão mais chance de pensar, não se preocupando em julgar e punir
rapidamente e serão
mais felizes já que não entender não se assemelha a angústia, mas a esperança,
quando se segue como Maria, ao lado do filho.
E o que é jogar fora? É mais ou menos: querer sempre ter a
razão, ostentar ser dono da verdade e de todas as experiências possíveis,
ignorar a inocência e a ignorância que fazem parte do desenvolvimento juvenil.
Quantos pais e mães perdem a oportunidade de um diálogo franco com seus filhos
simplesmente por não darem importância aos argumentos deles, já que muitas
vezes são sem certo critério a nosso ver, inocentes ao ponto de julgarmos como
bobos ou então articulados levando-nos a uma defensiva para não sermos
enrolados. É! De certa forma, também se tem medo. A criança, o adolescente e o jovem
não pensam como os adultos, não enxergam a realidade da mesma forma, às vezes
até entendem, mas não compreendem, portanto, não tem a convicção necessária
para seguir nossas orientações. Jogar fora é o mesmo que desrespeitar o
processo de crescimento e amadurecimento dos filhos e que todos os pais já
passaram um dia.
E como não jogar fora o que nos apresentam os filhos? Cada
família vai ter sua resposta particular, mas algumas orientações podem ser
dadas, como por exemplo: dar chance para eles falarem com liberdade, sem a
promessa de punição, deixar o silêncio falar quando as palavras são pesadas
para um ou para outro, pensar muitas vezes e de modos diferentes naquilo que os
filhos falam e fazem, rezar por eles, rezar com eles, entender a percepção que
eles tem dos pais/educadores e das atitudes deles mesmos. Enfim, entrar no jogo
para encontrar o gol, para onde todos querem direcionar a bola. Quem pensa
ensina a pensar, quem guarda ensina a guardar e eles provavelmente guardaram as
palavras dos pais se os pais guardarem a deles.
Penso em Maria e penso em Jesus. O silêncio dela me
emociona e a submissão dele me ensina, como filho, como educador, como
catequista. Queria que muitas das palavras que eu disse como filho ou como
educador fossem guardadas, talvez teria errado menos e as pessoas também. Estou
aprendendo aos poucos guardar os acontecimentos e as palavras das pessoas que
vivem comigo e daquelas a qual tenho a missão de conduzir no caminho de Cristo.
Quando a gente guarda, por vezes, até sem querer, se depara de novo com a
situação. Isso é bom, faz pensar que a vida não é um supermercado onde compro
as respostas, que ela exige de mim um coração maior a cada dia. Quem guarda as
palavras dos filhos, não guarda entulho, guarda um tesouro. A hora certa para o
destino disso tudo virá. Felizes serão os pais e as mães que não temeram
guardar, não temeram esperar e optaram por estarem o mais próximo possível de
seus filhos. Se os perderem, como Maria e José, os encontrarão guiados pelo
próprio coração. Felizes nós catequistas, se tivermos tal concepção vibrando em
nós a cada encontro com nossos jovens, adolescentes e nossas crianças. Com
certeza, acertaremos mais. A família de Nazaré nos ajude a entender o que é não
jogar fora e a proceder como Maria,a maior de todas as catequistas, a melhor
mãe e educadora.
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