A paixão e o perdão: Gomer e Oseias.
No fim do
governo de Jeroboão II em Israel e de Ozias em Judá, com o renascimento do
poder da Assíria, termina a fase de expansão da Monarquia. A ameaça crescente por
parte da Assíria faz aumentar o tributo e a dívida externa, provoca invasões e
deportações, e cria uma instabilidade interna muito grande no Reino de Israel:
6 reis em 12 anos (743-732). A monarquia, para sustentar-se, exige cada vez
mais gente para trabalhar e guerrear. Isto traz consigo uma inversão de
valores: a pessoa, a família, o clã e a tribo, começam a ser esmagados pelos
interesses do sistema, da monarquia, do poder. As famílias geram seus filhos
para o trabalho e a guerra. É este contexto, associado à experiência sofrida do
casamento de um homem e de uma mulher, que faz nascer o profeta Oséias e a sua
profecia.
Embora a
analogia do casamento traga a ideia de uma pedagogia profética de fácil compreensão,
o texto de Oséias exige muita atenção, já que não se constitui numa única
redação, mas passou por várias etapas até chegar à sua atual forma. Nele se
misturam o fato histórico do casamento de Gomer e Oséias e o seu significado
simbólico para a missão do profeta. Misturam-se experiências pessoais e
experiências do povo. Tudo é fundido numa única narração, muito densa de
significado, que tenta transmitir como Oséias descobriu sua missão de profeta
no meio do povo.
Na raiz da
profecia de Oséias está uma experiência profunda da força criadora do amor
humano. No seu tempo, os laços familiares e as normas tribais se desintegravam.
A geração ou a reprodução da vida estava perdendo o seu sentido próprio de
doação para tornar-se mero instrumento do sistema e do Estado. Esta inversão de
valores era promovida e legitimada através da prostituição sagrada, praticada
nos cultos da fertilidade, fenômeno muito espalhado nas terras de Canaã e
amplamente comprovado pela arqueologia e pela própria Bíblia (Cf. Os 4,
10.12-15; 6, 10; 8,9; 9,1). Deus tem uma palavra, através do profeta que
convoca o povo a reatar a Aliança. O amor de Oséias pela sua esposa e de Gomer
pelo esposo foi capaz de fazer com que ela voltasse para ele e que ele
compreendesse que ela não era prostituta, mas prostituída. Este amor restituiu-lhes
a liberdade e a consciência da sua dignidade. Assim, o amor de Javé queria fazer
a mesma coisa com o povo: torná-lo livre e restituir-lhe a dignidade tirando-o
da prostituição dos ídolos, dos sistemas que oprimiam e enganavam-no. A imagem
do casamento, por ele usada para expressar o relacionamento entre Deus e o seu
povo, repercute pela Bíblia toda, até no NT (cf. Mc 2, 19; Jo 3, 29; Ap 21, 2;
Ef 5, 25). Sua profecia não fica sendo “mais uma”, mas como a profecia de um
“Deus apaixonado”, sem preconceito e cortejador, que não faz aliança com os
reis dominadores.
Em nossos dias muitas perversões
afetam e destroem, tragicamente, a vida da maioria do povo aqui na América
Latina. Podemos citar a própria prostituição de crianças e adolescentes, o
extermínio de jovens, o mundo das drogas, do abandono de idosos, do trânsito violento,
da política corrupta; os meios de comunicação alienantes, algumas religiões e alguns modos de se ensinar em
nome da fé que manipulam o crer das pessoas em busca do lucro, como próprio
Oséias denunciou (Cap. 4 e 5); a desvalorização da educação pública, as tradições
caducas fora e dentro das instituições religiosas, o preconceito, o descaso com a saúde
e a segurança pública, a supervalorização da economia em detrimento dos valores
éticos e etc. Oséias deixou claro que o que levava o povo a prostituição eram
os “amantes”, ou seja, a politica de submissão a potências estrangeiras, a
confiança no poderio militar e o culto a outras divindades (14, 4). O profeta Oséias nos motiva
para olhar para nossa sociedade.
Em tempos de crise financeira
mundial, por exemplo, o que se impõe são propostas de lucro. Então vemos o povo
cultuando um deus da recompensa, nações se impondo pelo força bélica ou
capital. Oséias,
nos mostra a situação social, política e religiosa que viviam seus
contemporâneos. Aparentemente estava todo bem. Mas lamentavelmente o povo
estava sendo manipulado. Como? Por meio de lideranças polícias e religiosas.
Por quê? Para seus projetos pessoais. Seria bom perguntar-nos: em que sentido
nosso povo, nossa gente está sendo manipulada? Agora é tempo de eleições para
escolher nossas lideranças políticas. A quem escolher? No âmbito religioso,
surgem muitas “igrejas”, cada qual pregando sua verdade. Em qual crer?; Naquela
que me sinto mais acolhido? O povo é quem sofre toda esta situação. Vai dum
lugar ao outro. Diríamos: estão sendo manipulados! Nesse sentido, a profecia de
Oséias, nos motiva a olhar para nossa realidade e ver aquilo que não transmite
dignidade ao ser humano. Quem quer ser fiel à aliança com Javé precisa se posicionar
contra tais ideologias. Javé ruge como um leão (Os 11, 10) para que nós, em
nosso tempo, possamos voltar ao seu convívio.
Oséias nos lembra que Javé tem um
caminho e que este caminho é reto (Os 14, 10). Que Ele nos chama para voltar ao
seu amor (Os 14, 2), para deixar a prostituição e os frutos da impiedade (Os 10,
13). Promete curar as feridas (Os 14, 5) e fazer-nos frutíferos (Os 14, 09),
pois Javé nos ama. Oséias confia na salvação. Com Javé sempre há uma segunda
chance, uma saída, uma nova oportunidade. Em pleno século XXI é este o espírito
que deve prevalecer na luta do povo de Deus. Somos o povo de Javé e ele é o
nosso Deus (Os 2, 25). Sem esta mística, não resisitiremos e, se resistirmos,
não teremos a força da profecia em nós. O que faz a diferença é estar em
comunhão com o Deus que nos desposa para a vida virtuosa, a prática da justiça
e da caridade
Comentários
Postar um comentário