Como imagino a Ressurreição
A ressurreição é o maior segredo de Deus. Ninguém sabe como
foi, ninguém viu nem ouviu este acontecimento. “O que vimos e ouvimos é o
Ressuscitado”, mas a ressurreição ficou para a nossa imaginação. Gosto de
pensar que a imaginação é a oficina de Deus, onde ele constrói e reconstrói a
vida. Podemos errar com ela, mas não ficaremos apáticos ao mundo que se
desdobra conosco. É a imaginação que transforma o homem faber em
homem artifex (o ser humano fazedor em ser humano artista).
Vivemos este acontecimento sem testemunhas, no recôndito de nossa imaginação. E
nela Deus também se mostra.
Certa vez li um livro sobre a paixão e ressurreição de
Jesus que trazia a seguinte pergunta: “será que aquele que correu do céu pra o
ventre dela, não correria da morte para os braços da mesma mãe?”. Esta
colocação me impressionou. Mudou minha imagem da ressurreição e deu mais
sentido a ela. A partir daí comecei a imaginar a ressurreição como encontro.
Toda vez que me reporto à ressurreição, se desenrola a seguinte cena no palco
de minha imaginação:
Vejo Maria sentada na beira da esteira (cama),
silenciosamente, chorando e dobrando algumas roupas de Jesus (eu vi
minha mãe muitas vezes dobrando, na beira da cama, a roupa de meus irmãos e
minha). O que passa na mente dela não sei, mas imagino uma solidão grandiosa
envolvida por uma espera totalmente contrária aos critérios de nosso modo de
esperar. Não consigo ver Maria desesperada, mas sei que ela estava sofrendo.
Então percebo, de repente, Jesus entrando naquele quarto e chamando-a:
- Mãe!
Se você é mãe e perdeu um filho, entenderá bem mais a força
desta palavra. Que mãe não gostaria de ouvir, ao menos mais uma vez, o filho ou
a filha que se foi, chamando-a de “mãe”?
“Mãe!” – então, Maria, erguendo os olhos banhados pelas
lágrimas, deixa cair a roupa do filho no chão e exclama:
- Eu já sabia!
E vai ao encontro do filho de braços abertos, lágrimas nos olhos, lábios trêmulos; dá-lhe um
abraço demorado, o abraço mais terno de toda a história.
- Meu filho. Oh, meu filhinho!
- Eu venci, mãe! Eu venci.
- Eu já sabia, meu filho! Eu não imaginava como seria, mas
tinha certeza que o Pai não lhe abandonaria.
- Foi muito difícil, mãe. Eu achei que não iria aguentar!
- Eu sei, filho. Mas você precisava ir até o fim.E você conseguiu. Você foi capaz de cumprir
sua missão.
Os dois se sentam na esteira, levados por Jesus, ainda segurando um nos braços do outro.
Os dois se sentam na esteira, levados por Jesus, ainda segurando um nos braços do outro.
- Mãe, vim aqui te agradecer. A senhora esteve do meu lado,
sempre. Sob a cruz, pensei que não conseguiria suportar. Mas a vi do meu lado,
enfrentando os soldados, as zombarias, o sol escaldante e a tempestade. E, no
seu olhar, eu me embebia da força que precisava. Naquela hora em que me senti
abandonado pelo Pai, vi no seu rosto, o rosto dele. E entendi que Ele não me abandonava. A senhora estava ali quando Ele não podia se mostrar.
- Não precisa falar nada, filho. A mãe fez tudo isto porque
te ama. Você venceu, filho. Você venceu! Seu Pai nunca lhe abandonou também.
Ele sofria conosco.
- Eu não sabia se iria vencer. Tive muito medo. Não sabia
mais quem eu era. Tinha plena consciência de minha missão, mas a eminente morte
e os algozes me inundaram num mar de dúvidas e de angústia. A imagem da senhora,
mãe, me contando sobre meu nascimento e as coisas de minha infância, vinham e
voltavam em meio a dor...
- Pschiiii... não lembra mais disso. Dúvidas fazem parte do
nosso crescimento, filho amado. Você venceu. Você cumpriu sua missão. Você é grande, meu
menino. Você está vivo!
Maria toca o corpo do filho, acariciando-o e cuidando como
uma mãe que segura o menino no colo depois de um dia de trabalho.
- Mãe, precisei vir aqui, em plena madrugada, antes de me
manifestar ao mundo. Um dia eu corri do céu para seu ventre. Naquele dia me
tornei homem na sua humanidade. Agora que venci a morte, quis ter o seu abraço
como primeiro sinal de minha humanidade ressuscitada.
- E eu agora tenho certeza de minha humanidade divinizada.
O seu abraço ilumina esta noite, aquece esta madrugada e faz o sol raiar nas
trevas de cada coração.
Maria e Jesus se abraçam ternamente. Coração sente coração.
Se olham nos olhos, riem um com o outro. Ele a beija e lhe diz:
- Já preciso ir. Madalena já está chegando lá onde
me puseram.
- Vai, meu menino. Desculpa-me, devo dizer: meu Deus vivo,
ressuscitado!
- Não, mãe. Quero ser chamado de filho. Não há nada mais
gostoso do que ser chamado de filho. E eu posso continuar a chamar-te:
mãezinha?
- O, seu bobo, claro!
E eles se abraçam, encharcados pelas lágrimas de alegria.
Jesus ressuscitou! Devagarinho se separam, até que ele se mistura à aurora... se mistura à aurora.
Minha imaginação prossegue.
De manhã os discípulos se reúnem na casa onde João levou Maria.
O assunto entre os Apóstolos não muda, é sobre a morte do Mestre. Um deles, notando
a ausência, pergunta por Maria:
- Onde está Maria? Não deveria estar aqui também?
Ao passo que alguém responde:
- Ela está na cozinha.
- Na cozinha?, indaga aquele.
- Na cozinha, fazendo o quê?
Ela, então, surge enxugando as mãos no avental
amarrado à sua cintura e diz serenamente:
- Preparando a festa. Alguém precisa preparar a festa. ...
A frase é interrompida pelo abrir da porta. É Madalena que
chega. Ofegante, conta que viu Jesus. Abraça Maria e lhe balbucia:
- Mãe, ele está vivo. Eu o vi, mãe. Ele venceu... me chamou
pelo nome.
- Eu sei, filha! Eu sei disso... Ele não nos mentiu.
Pedro e João saem correndo para irem ao túmulo. Os
discípulos ainda não creem nas mulheres, embora estejam abalados com as
palavras de Madalena e os gestos de Maria. E, aqui, paro. O resto está descrito
nos Evangelhos.
Jesus ressuscitou! Venceu as trevas, a morte, o pecado e
nos fez vencedores com Ele. Deus nos ama e seu amor foi plenamente manifestado
na morte e ressurreição de Jesus. O protagonista de Deus nos ensina a protagonizarmos
uma história de vitória, não nos moldes do mundo, mas pelo amor. Quem crê em
Jesus não pode repousar sobre desculpas, mas deve encarar a vida como uma
missão divina. Jesus foi gente como a gente, antecipou e atualizou tudo o que
um dia seremos. Ele está sempre conosco, nada mais o prende. Ele é
ressuscitado! Passou o homem velho para existir o homem novo na humanidade
eterna do Cristo divino. Que a simplicidade da minha imaginação possa te
conduzir à passagem de uma festa calendarial para uma experiência de fé, capaz
de dar eterno sentido à nossa vida. Feliz PÁSCOA! Feliz passagem da morte para
vida, das trevas para a luz, da escravidão para a liberdade, da lei para o
amor! E obrigado por sua atenção. Feliz, feliz PÁSCOA DE CRISTO JESUS!
Pe. Nildo Moura de Melo, OSFS
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