Sedução e profetismo: eis Jeremias!
“Seduziste-me,
Senhor, e eu me deixei seduzir, derrubaste-me e venceste!” (Jr 20,7). O profeta
que abordamos neste trabalho teve a ousadia de exclamar o que citamos, no
ímpeto de dizer o que o mantinha na missão de profetizar em meio a sucessivos
governos interesseiros, no meio de um povo que gostava de pender para o caminho
mais fácil e de um Deus que continuamente insistia em se comunicar: Jeremias é
o seu nome. Nome que repercute sobre toda a Bíblia, que alcança a figura de
Jesus e o Novo testamento, estrela de destaque no céu da história da profecia,
referência indiscutível na literatura profética.
O brilho de sua profecia se dá no contexto político do reino de Judá,
nos anos que precedem a queda de Jerusalém, a capital (587 a. C.). O império
assírio está no seu apogeu. Judá é vassalo da Assíria. No fim do reinado de
Assurbanipal o Egito está fortalecido e este quer refazer a unidade do próprio
país. Uma vez reunido, o Egito parte para conquistar a Palestina. Em Judá, Amon
(642-640 a. C.) é assassinado por um grupo que se opõe a Assíria e é favorável
ao Egito. Os judaítas se revoltam e a Assíria vence o Egito, tendo os árabes
como aliados. Judá fica subjugada às tropas assírias. Josias será o rei que
estabelecerá uma política de independência para Judá. Este morreu em 609 a.C.
provavelmente assassinado por ter tentado impedir a intervenção do faraó Necau
II, que tinha decidido ir em socorro da Assíria. O povo escolheu Joacaz como
sucessor, no intuito de que ele mantivesse a política antiassíria e
antiegípcia. Necau destitui Joacaz, eleva Joaaquin ao trono e se dá início à um
governo favorável ao
Egito, Judá se torna vassalo do Egito. Nabucodonosor, rei da Babilônia enfrenta
o Egito, e em 604, volta à Siro-Palestina e recebe o tributo dos reis da terra.
Judá se submete. Em 600 se revolta e perde. E a história segue. Jeremias é a
voz de Javé no meio disso tudo. Virão ainda as deportações e outras tentativas
de revolta, amparadas pelas disputas entre Babilônia e Egito.
Bem, a atitude profética, em qualquer época e
sociedade, deve ser de resistência e transgressão. Isto torna Jeremias muito
atual e inspirador. Chamado por Deus desde o ventre materno e quando jovem,
tocado nos lábios, feito profeta das nações para arrancar e arrasar, pra
demolir e destruir, pra construir e plantar este homem faz da sua vida um
oráculo vivo de Javé.
Como sabemos, viveu num tempo de muitas mudanças e
inseguranças, de interesses escusos dos governos, da idolatria do povo. Foi
nesta situação que ouviu a palavra do Senhor e a proclamou pra o povo:
relembrando da Aliança, chamando à conversão e promovendo a esperança. Fazendo
uso de ações simbólicas como a compra do terreno (32, 6-44), a quebra da bilha
de barro diante do povo (Jr 19), a canga no pescoço (Jr 27), o cinto de linho
(Jr 13, 1-11), a visita à oficina do oleiro (Jr 18, 1-12), a taça da embriaguez
(Jr 25, 15-38), a mensagem obtida na observação das duas cestas de figo (Jr
24), o ramo de amendoeira e a panela fervendo (Jr 1, 11-16), ele resignifica
para o povo a mensagem e a presença do Deus da Aliança.
Nossos dias são marcados pela insegurança. Quem não
fica apreensivo com todos os acontecimentos que são noticiados nos jornais e
presenciados em nossos bairros? Violência, imoralidade, miséria, alienação, idolatria.
Basta saber que estamos numa mudança de época? Será que devemos esperar o novo
que ainda não conhecemos de braços cruzados? Não! Não dá para suportar o peso
de nossos dias, sem nada fazer. Precisamos agir. Ao estudar Jeremias, o Deus
que tocou seus lábios, vem tocar o nosso. Quer que, com a mesma criatividade e
fidelidade de Jeremias, profetizemos um mundo melhor e convidemos o povo à
renovar a Aliança de amor com o Deus da vida.
Cabe ao cristão de hoje, abrir os olhos de seus
irmãos pra conhecerem a realidade então
se deixarem iludir pelos projetos das nações que visam só a competitividade
capital. No consumo das pessoas há um espelho das coisas que nos são
prioridades, os lugares que elas frequentam e os personagens que admiram
refletem os deuses cultuados. O Deus de Jesus foi esquecido intencionalmente
pelo sistema das nações que pretendem dominar o mundo, tal qual javé pelo povo
de Judá na época de Jeremias. Então, a esperança foi deslocada para o ter,
poder e prazer: somos exilados de nossa razão e submetidos a estes contra valores.
Nossos dias clama por Jeremias, o profeta da esperança, seduzido por Deus. Javé toca nossos lábios
e diz: “Hoje, eu vos estabeleço como profetas das nações” (Cf. Jr 1, 10).
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